sexta-feira, 31 de maio de 2013

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O Mapa para a Vida

Logo depois de ter falado do “arborescente e inequívoco desejo de durar”, o nosso poeta autor vai concluir o seu texto com uma citação das memórias de Raul Brandão, esse escritor místico, escritor do sonho numa natureza penetrada de alma. Citação esta que, no entender do nosso poeta escritor, constitui “um arranque prodigioso” que nos pode servir “de mapa” para guiar as nossas vidas.
“Se tivesse de recomeçar a vida” – diz o citado Brandão – “recomeçava-a com os mesmos erros e paixões”, como são, logo à cabeça, ele “perder outras tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho puído”.
E agora, as perguntas: Como é que é possível as pessoas guiarem a sua vida por um mapa de “erros e paixões”, por sonhos? Sobretudo por um “sonho”, sonho já velho e gasto pelo tempo, que é o sonho do eterno? Não valeria mais deixar-nos guiar pelo mapa de Pessoa e de Einstein? De onde deriva, para o eterno, mesmo assentando assim em erros e paixões, o seu fascínio, a sua sedução, o seu poder encantatório? Não é da mesma fonte que deriva, para o texto de Mendonça, ele ser também encantatório e, de algum modo, sedutor? É por tudo isto que o ser humano é muito mais paixões do que razão, a tal ponto que deixamos que aquelas nos induzam em erros! E no entanto, definimo-nos como seres racionais! Ou será que nós evoluímos demasiado, devendo limitar-nos a ser só paixões?
A propósito de um outro trabalho de Tolentino Mendonça, precisamente sobre a amizade, Gonçalo M. Tavares tem palavras certeiras para fazer a sua apreciação: “Avança-se sobre os temas” – diz ele – “numa espécie de voo de balão de ar quente”. Pois, é mesmo isso! E assim avançando, acalorados e amolecidos pelo enclausurado ar quente e ainda pela quentura de uma encantatória aventura, lá no ar, talvez em nuvens, longe do mundo, como poderemos notar a fria nitidez das coisas, a nitidez das terrenas realidades?
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Conclusão

Considerando então, finalmente,
que as nuvens que os poetas armam no ar são só válidas para nós se as pudermos desmontar e tornar compreensíveis, para o que é preciso, de algum modo, elas estarem presas a experienciáveis realidades terrenas;
que, logo desde o início do texto em apreço e por acção dos dois intervenientes, se modaliza o discurso ao falar-se da fé das árvores – um, “meio a sorrir”, dizendo que “elas acreditam”, e ao outro, ao poeta autor lhe parecendo o mesmo – assim se instalando uma nuvem de falta de clareza, que se estende a todo o texto;
que é necessário estabelecer-se uma nítida distinção entre fé natural e fé sobrenatural ou religiosa, mas que, neste texto, isso não só não acontece mas até se joga nessa ambiguidade de nuvem indistinta;
que o “inequívoco desejo de durar” leva logo a uma inequívoca nuvem, porque um desejo, por mais inequívoco que seja, nem sempre é realizável, nem sempre pode levar à correspondente e inequívoca realidade desejada;
que o poeta autor também vê nuvens onde as coisas são realmente claras, como é o caso natural de cada um ver o mundo à sua própria maneira, e portanto cada um ter o seu mundo;
que, ao não dizer que “íntimos enigmas” se guardam nas coisas, o poeta autor está a fazer deles e delas um denso banco de nuvens;
que, em vez de guiar a vida pela clara verdade, que só a razão lhe pode dar, ele pretende guiá-la por sonhos, por desejos, por erros e paixões, afinal, tudo nuvens de ambiguidades e até talvez de ilusões;
considerando tudo isto, e até mais se mais esmiuçássemos o texto, teremos de concluir que se confirma a hipótese que deixámos em epígrafe, agora aplicada a este caso concreto. De facto, em alguns destes textos de Tolentino Mendonça intitulados “Que coisa são as nuvens”, além de serem muito belos e talvez até um tanto por isso, tecem-se nuvens que escondem ambiguidades e até porventura ilusões.

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