quinta-feira, 30 de maio de 2013

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A natureza não tem dentro

Consideremos agora, mais de perto, alguns passos importantes do texto em referência, para sua análise e apreciação. Assim, tomemos primeiro o caso de Fernando Pessoa (Caeiro), em relação ao qual e àquilo de ele dizer que a “Natureza não tem dentro”, o nosso poeta autor se divide, para logo, todo inteiro, contestar: então, “A natureza não tem dentro”?
Claro que não tem dentro, dizemos nós também. As coisas não têm dentro porque não são consciência, muito embora nem por isso deixem de ser a “espantosa realidade”, da qual nós somos consciência. Nós não somos mais nem menos do que as coisas, está Pessoa a dizer. Somos é diferentes: enquanto nós somos consciência, e não coisas, estas são só coisas e não consciência. Muito embora, infelizmente, no nosso caso humano – como ainda nota Pessoa –, para além de sermos consciência, só consciência, nós carreguemos nela, habitualmente, muitos novelos de ideias e ideologias, muitas subjectividades escusadas sobre nós e sobre as coisas, pois que devíamos ser limpa consciência, sem eu mental, sempre prontos para olharmos virginalmente as coisas, como se fosse a primeira vez e como são, sem esse manto de subjectividade com que as costumamos cobrir (ver textos 42 e 76). Pois que, a “espantosa realidade das coisas” – incluído ele mesmo enquanto ser sensível que os sentidos lhe trazem – é a sua “descoberta de todos os dias”. O mundo das coisas é, para si, realmente espantoso, realmente fascinante: “só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido”.
E então, o que é que será mais empolgante para o ser humano, no meio da natureza: é essa “espantosa realidade das cousas”, nossa possível “descoberta de todos os dias” e ainda o considerar que “vale a pena ter nascido só para ouvir passar o vento”, como pensam também Einstein e ainda M. Gleiser (com a sua Criação Imperfeita), ou saber que todos os seres da natureza têm um dentro, “um íntimo secreto, um íntimo enigma”, como pensa Tolentino? Carecerão aqueles da gramática deste, que até lhe fala de anjos, para os tirar da solidão?
Que “íntimo enigma” será esse, para além de ser um denso banco de nuvens? Ou ele é - não sendo com certeza nada experienciável e científico a descobrir - simplesmente um manto de subjectividade com que o poeta autor cobre as coisas, assim as fazendo, para além de coisas, que já são, coisas-criaturas de Deus?
Como podem as árvores partilhar connosco “testemunhos, espantos e sobressaltos”, sobretudo esse “vegetal sobressalto”, que é o “inequívoco desejo de durar”? Só se as animarmos com a nossa subjectividade, as fizermos sentir como sentimos, e com consciência como nós. Mas como o poeta exclui o animismo …
Mas há aqui um pormenor muito importante, no que toca à tal partilha – como propõe Tolentino –, à partilha do “inequívoco desejo de durar”: elas querem durar, e durar queremos nós também. Mas que partilha solidária é essa, oh céus, se elas, as árvores, mesmo com esse desejo, se o tivessem, irão mesmo e finalmente morrer, mas nós, delas às escondidinhas, porfiamos em vencer a morte e ser imortais! Não haverá nisto uma dosezinha de descaramento e desplante?

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