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A Fé das Árvores
Entremos agora em A Fé das Árvores, um dos tais belos textos
dessa coluna Que Coisa são as Nuvens,
saído a lume nos princípios desta Primavera (Expresso de 13-4-13, Revista,
p. 8). Entremos nesse texto – vai ser nele que incidiremos especialmente a
atenção - , olhando para o que julgamos ser aí mais relevante.
No início desta Primavera, dois
amigos encontram-se num parque: o encenador J. Silva Melo e o nosso poeta
autor. E logo, apontando para um renque de árvores do parque, o encenador,
“meio a sorrir”, diz ao poeta: “Elas acreditam”. É claro que este, depois de
olhar para cores e alturas e para os renovados renovos vegetais, logo confirma
que, também a si, lhe parece que “elas acreditam”.
Logo depois, aludindo a que
desconhece o “que progride ou se cala ou renasce no coração das criaturas”, o
poeta autor confessa-se “dividido a escutar o racionalismo de Fernando Pessoa
(Caeiro) que diz que ““a Natureza não tem dentro; Senão não era a Natureza””.
Confessa-se dividido, mas logo, afinal, falando de interiores secretos e
íntimos enigmas das coisas, contesta todo inteiro esse tal racionalismo: “A
natureza não tem dentro? (…) Valerá apenas o que vemos? E vemos todos da mesma
maneira”?
Agora, o poeta autor alude a um
passeio pela cidade de Paris juntamente com outros portugueses, entre os quais
figurava Mário Cesariny. E conta que este protagonizou uma cena que o deixou
“sem palavras”: Cesariny saiu repentinamente do carro e correu “a abraçar uma
árvore”. Ele não correu propriamente “a abraçar-se a uma árvore” – o nosso
poeta autor faz questão de fazer notar a diferença - , mas correu “a abraçar
uma árvore”.
Faz então o nosso autor uma breve
digressão sobre as “dimensões simbólicas e espirituais escondidas nas palavras”
– domínio de estudo delicioso para si -,
e conclui que, no hebraico bíblico, a palavra que diz “árvore” pode ter
ligações com a palavra que diz “anjo”. “Que se colhe daqui”? – pergunta ele,
para logo responder: “Que porventura teremos de reinventar uma gramática que
nos arranque da solidão com que atravessamos a vida”.
E depois de dizer que, de nenhum
modo, pretende recuperar o animismo, adianta logo que o mais importante é
percebermos que “estamos juntos”: que “nós humanos testemunhamos (…) às outras
criaturas e elas fazem-no de igual modo”; que “ a vida é um espanto
partilhado”; que não nos deve ser indiferente “a mensagem do vegetal
sobressalto, do arborescente e inequívoco desejo de
durar” (sublinhado nosso).
O texto termina com a citação de uma
bela passagem de Raul Brandão que, no princípio das suas memórias, escreve: “Se
tivesse de recomeçar a vida, recomeçava-a com os mesmos erros e paixões (…) perdia
outras tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho puído.
Não me habituo: não posso ver uma árvore sem espanto … Ignoro tudo, acho tudo esplêndido,
até as coisas vulgares: extraio ternura duma pedra”.
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