terça-feira, 28 de maio de 2013

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A Fé das Árvores

Entremos agora em A Fé das Árvores, um dos tais belos textos dessa coluna Que Coisa são as Nuvens, saído a lume nos princípios desta Primavera (Expresso de 13-4-13, Revista, p. 8). Entremos nesse texto – vai ser nele que incidiremos especialmente a atenção - , olhando para o que julgamos ser aí mais relevante.
No início desta Primavera, dois amigos encontram-se num parque: o encenador J. Silva Melo e o nosso poeta autor. E logo, apontando para um renque de árvores do parque, o encenador, “meio a sorrir”, diz ao poeta: “Elas acreditam”. É claro que este, depois de olhar para cores e alturas e para os renovados renovos vegetais, logo confirma que, também a si, lhe parece que “elas acreditam”.
Logo depois, aludindo a que desconhece o “que progride ou se cala ou renasce no coração das criaturas”, o poeta autor confessa-se “dividido a escutar o racionalismo de Fernando Pessoa (Caeiro) que diz que ““a Natureza não tem dentro; Senão não era a Natureza””. Confessa-se dividido, mas logo, afinal, falando de interiores secretos e íntimos enigmas das coisas, contesta todo inteiro esse tal racionalismo: “A natureza não tem dentro? (…) Valerá apenas o que vemos? E vemos todos da mesma maneira”?
Agora, o poeta autor alude a um passeio pela cidade de Paris juntamente com outros portugueses, entre os quais figurava Mário Cesariny. E conta que este protagonizou uma cena que o deixou “sem palavras”: Cesariny saiu repentinamente do carro e correu “a abraçar uma árvore”. Ele não correu propriamente “a abraçar-se a uma árvore” – o nosso poeta autor faz questão de fazer notar a diferença - , mas correu “a abraçar uma árvore”.
Faz então o nosso autor uma breve digressão sobre as “dimensões simbólicas e espirituais escondidas nas palavras” – domínio de estudo delicioso para si -,  e conclui que, no hebraico bíblico, a palavra que diz “árvore” pode ter ligações com a palavra que diz “anjo”. “Que se colhe daqui”? – pergunta ele, para logo responder: “Que porventura teremos de reinventar uma gramática que nos arranque da solidão com que atravessamos a vida”.
E depois de dizer que, de nenhum modo, pretende recuperar o animismo, adianta logo que o mais importante é percebermos que “estamos juntos”: que “nós humanos testemunhamos (…) às outras criaturas e elas fazem-no de igual modo”; que “ a vida é um espanto partilhado”; que não nos deve ser indiferente “a mensagem do vegetal sobressalto, do arborescente e inequívoco desejo de durar” (sublinhado nosso).
O texto termina com a citação de uma bela passagem de Raul Brandão que, no princípio das suas memórias, escreve: “Se tivesse de recomeçar a vida, recomeçava-a com os mesmos erros e paixões (…) perdia outras tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho puído. Não me habituo: não posso ver uma árvore sem espanto … Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura duma pedra”.

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