domingo, 26 de maio de 2013

157.2 - Sobre se as Nuvens Podem Esconder Ilusões


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As Nuvens dos Poetas

Em sentido estritamente denotativo, que é o sentido terreno, sensível e logo visível, as expressões “Da minha língua vê-se o mar” e “O Rapaz de Bronze” não colhem qualquer sentido. E é na vertigem desse não-sentido que elas podem ganhar sentidos, sentidos aéreos, poéticos. Mas estes sentidos conotativos ou poéticos só nos são possíveis, se as palavras continuarem presas à denotação, ligadas aos seus (agora impossíveis) sentidos primeiros ou terrenos e às correspondentes realidades apresentadas.
Dito o mesmo mas de modo um tanto diverso: Quando eu digo “Da minha janela vê-se o mar”, toda a gente entende, passa-se facilmente do material significante para o mental significado: não há falha de sentido, tudo é claro, não há nuvens, o céu está limpo. Lá, nesse sítio, onde está a janela, vê-se logo se esta frase está errada, ou certa, em relação à referida realidade. Mas quando Vergílio diz “Da minha língua vê-se o mar”, já é diferente: parece haver falha de sentido entre o significante e o significado; as coisas não estão claras, há nuvens no céu. Há nuvens porque há metáforas, essas pontes que os poetas inventam, entre o sensível da terra e o aéreo do céu, para mostrarem o sublime, e que carecem de ser interpretadas.
A questão agora está em saber se todas estas nuvens estão ligadas à terra, se todas têm suporte em objectividades terrenas. Porque, se não têm ou pelo menos não o encontramos, elas não têm sentido para nós, elas são nuvens de ilusões que logo um vento leve levará.
E agora, uma pergunta: não será sempre e só na nitidez de um céu limpo que o viajante de Sophia poderá descobrir as preciosas minudências da vida? Será que carecemos de nuvens para vermos o ouro que existe nos detalhes da vida, ou, além da luz e do céu limpo, carecemos antes de atenção, de demora e, sobremaneira, de disponibilidade interior e esvaziamento mental?
A cada poeta, com certeza, cabe a sua porção de nuvens – já o poeta Ruy Belo também dizia. E são surpreendentemente belas, muitas vezes, as metáforas dos poetas. Mas só subiremos a essa gostosa surpresa de sentidos, quando de algum modo as desanuviarmos e as tornarmos claras para nós; quando as desmontarmos a partir da respectiva denotação – sempre nítida e clara denotação –, nelas agora descobrindo fundamentados e muito belos sentidos.

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