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As Nuvens dos Poetas
Em sentido estritamente denotativo,
que é o sentido terreno, sensível e logo visível, as expressões “Da minha
língua vê-se o mar” e “O Rapaz de Bronze” não colhem qualquer sentido. E é na
vertigem desse não-sentido que elas podem ganhar sentidos, sentidos aéreos,
poéticos. Mas estes sentidos conotativos ou poéticos só nos são possíveis, se
as palavras continuarem presas à denotação, ligadas aos seus (agora
impossíveis) sentidos primeiros ou terrenos e às correspondentes realidades
apresentadas.
Dito o mesmo mas de modo um tanto
diverso: Quando eu digo “Da minha janela vê-se o mar”, toda a gente entende,
passa-se facilmente do material significante para o mental significado: não há
falha de sentido, tudo é claro, não há nuvens, o céu está limpo. Lá, nesse
sítio, onde está a janela, vê-se logo se esta frase está errada, ou certa, em
relação à referida realidade. Mas quando Vergílio diz “Da minha língua vê-se o
mar”, já é diferente: parece haver falha de sentido entre o significante e o
significado; as coisas não estão claras, há nuvens no céu. Há nuvens porque há
metáforas, essas pontes que os poetas inventam, entre o sensível da terra e o
aéreo do céu, para mostrarem o sublime, e que carecem de ser interpretadas.
A questão agora está em saber se
todas estas nuvens estão ligadas à terra, se todas têm suporte em
objectividades terrenas. Porque, se não têm ou pelo menos não o encontramos,
elas não têm sentido para nós, elas são nuvens de ilusões que logo um vento
leve levará.
E agora, uma pergunta: não será
sempre e só na nitidez de um céu limpo que o viajante de Sophia poderá
descobrir as preciosas minudências da vida? Será que carecemos de nuvens para
vermos o ouro que existe nos detalhes da vida, ou, além da luz e do céu limpo,
carecemos antes de atenção, de demora e, sobremaneira, de disponibilidade
interior e esvaziamento mental?
A cada poeta, com certeza, cabe a
sua porção de nuvens – já o poeta Ruy Belo também dizia. E são
surpreendentemente belas, muitas vezes, as metáforas dos poetas. Mas só
subiremos a essa gostosa surpresa de sentidos, quando de algum modo as
desanuviarmos e as tornarmos claras para nós; quando as desmontarmos a partir
da respectiva denotação – sempre nítida e clara denotação –, nelas agora
descobrindo fundamentados e muito belos sentidos.
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