VI - O Lento Deslaçar
de um Recíproco Ciúme
1 – Olá! Era muito estranho o relacionamento entre o povo
judaico e Deus: para Deus, ele era o seu povo, e, para o povo, ele era o seu
Deus. Foram então, os judeus, “o povo eleito de Deus” (ver texto 225). Mas não
se poderia dizer também que tal Deus foi o Deus eleito do povo?
Os judeus foram um povo tão peculiarmente religioso, tão
cioso do seu Deus e este Deus tão cioso do seu povo que os dois – o Deus e o povo
– poderiam dizer entre si: “não te quero ver com outros deuses, tu és só meu”,
“Não te quero ver com outros povos, tu és só nosso”. Diz-se na Biblia: “O
Senhor, teu Deus, é um fogo devorador; Ele é um Deus ciumento” (Deut 4,24);
“Quem sacrifica aos deuses será votado ao anátema, excepto se é ao Senhor, e só
a Ele”(Ex 22,19).
Ciumentos entre si, portanto: um Deus ciumento que não quer
que o seu povo tenha outros deuses, e um povo ciumento que não quer que o seu
Deus seja também de (para) outros povos. Este recíproco ciúme terá levado aos
piores horrores perpetrados contra os judeus por muitos outros povos, mas
também por estes contra aqueles.
2 - Por outro lado, e já em jeito de consequência do que fica
dito, não são poucos os passos bíblicos do Antigo Testamento em que Deus ordena
ao seu povo algo como isto: “Quanto às cidades desses outros povos, não deixeis
nada vivo”. Mas também aqui se poderá perguntar: é o próprio Deus que ordena
este extermínio, ou é o povo que concebe este seu Deus a mandar exterminar?
No livro de Josué (cap. 10), o próprio Josué juntamente com o
Senhor seu Deus, em total cumplicidade dos dois numa só causa, um e outro no
mesmo campo de batalha, conquistam e arrasam até ao extermínio muitas cidades
inimigas, ou que simplesmente os dois desejavam conquistar para si próprios:
“Josué subiu (…) com todos os seus valentes guerreiros. O Senhor disse-lhe: Não temas, porque os (os cinco reis dos
amorreus) entregarei nas tuas mãos; nenhum deles te poderá resistir (…) O
Senhor fez desabar sobre eles uma tempestade de granizo (…) e foram mais
numerosos os que morreram sob esta chuva de pedras do que os que pereceram às
mãos dos filhos de Israel. (…) Quando Josué e os israelitas os derrotaram e
massacraram até ao extermínio (…) ninguém mais se atreveu a abrir a boca contra
os filhos de Israel. (…) Depois passou Josué e todo o Israel de Maqueda a
Libna, e atacaram-na. O Senhor entregou-a com o seu rei nas mãos de Israel, que
a passou a fio de espada com tudo o que nela havia, sem deixar escapar ninguém”.
E mais e mais fios de espadas e extermínios se seguiram, em várias cidades,
“votando ao anátema tudo o que respirava, segundo ordem do Senhor, Deus de
Israel”.
3 – Mas também é da Bíblia aquilo que Aslan faz por esquecer,
ou seja, que nela há, sobretudo depois do cativeiro, uma tímida mas crescente
abertura do povo judaico e do seu Deus, aos outros povos. Assim, a par de o rei
Salomão pedir a Deus que atenda a tudo quanto Lhe pedir o estrangeiro que vem
por causa do Seu nome (1Rs 8, 41-43), outras provas há do amor universal de
Deus: “Eu não hei-de compadecer-me da cidade de Ninive?” (Jn 4,11); “O Senhor é
bom para com todos.” (Sl 145,9); “A misericórdia divina estende-se a todo o ser
vivo” (Sir18,13); “Israel será sempre a herança do Senhor, mas o Egipto e a
Assíria também serão seu povo” (Is19,24). Até enfim chegarmos a Jesus, que, no
contexto do amor aos inimigos, diz que só podemos ser filhos do nosso Pai, se o
nosso amor for universal (Mt5,45-48). Agora Deus é Pai, Pai universal.
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