quinta-feira, 18 de setembro de 2014

233.V - A Propósito de "O Zelota"

V - Sobre O Zelota
1 – Olá! Sabe-se muito pouco, ao certo, sobre a vida histórica de Jesus: segundo Aslan, duas ou três coisas, não mais. Mas isso – diz o autor da obra que ora resumimos – não nos impede de alcançar a sua biografia, ou melhor, a conjectura bem fundada da sua biografia. Para isso, basta inserirmos e imaginarmos essa figura histórica no contexto sócio-político em que viveu: uma Palestina judaica subjugada – os judeus eram ciosos de si mesmos e da Terra Prometida e conquistada por eles e pelo seu Deus –, agora tristemente integrada no império dos romanos.
Metido assim em seu contexto, entre muitos outros messias revolucionários violentos em luta contra os romanos em ordem à restauração política de um país independente, enfim o Reino do seu Deus nessa Terra Prometida, aparece-nos esse Messias Jesus da Galileia – os galileus tinham fama de rebeldes – com os seus seguidores. Um zelota enfim como outros, um judeu cheio de zelo por libertar do jugo romano a terra que era dos judeus e do seu Deus.
Durante os três últimos anos da sua vida, ele pregou, ele afirmou-se messias e rei, rei dos judeus, ele operou tantas e tais coisas que, como resultado, os romanos vieram a condená-lo à morte numa cruz, por crime político de sedição. E assim, com Jesus morto e metido em vida no seu contexto socio-político-religioso - que, esse sim, deve ser bem conhecido e a si aplicado -, fica completa a sua biografia, ou, de forma mais atenuada e cautelosa, a bem fundada conjectura da sua biografia.
Não obstante, e apesar de Jesus ter falhado nos seus intentos políticos, os seus companheiros vivos, presos de afeição por ele, não desistiram de o manter “vivo”. Mas agora, já porque Jesus não cumprira as expectativas messiânicas de um Reino de Deus terreno, já porventura também com medo de represálias por parte dos romanos, eles foram transformando a imagem do seu messias, de violento revolucionário que fora, para um messias manso e espiritual, Rei de um Reino de Deus também espiritual. Simultaneamente, eles foram desculpabilizando crescentemente os romanos no processo da morte de Jesus, e, em contrapartida, culpabilizando até ao cúmulo do insulto os seus irmãos judeus (Jo 19,1-16).
Deste modo, começando a aparecer logo após o ano 70, quando os romanos arrasaram o Templo e a cidade de Jerusalém, os evangelhos de Jesus são livros de elaborada fé desses primeiros cristãos no seu Jesus Cristo, Messias de um Reino de Deus espiritual, inserido neste outro contexto.

2 - Se bem que este livro O Zelota seja um livro poderoso que não nos deixa indiferentes, são de relevar aqui alguns aspectos em relação aos quais pomos algumas reticências.
2.1 - Em primeiro lugar, nenhum contexto histórico pode esgotar a profunda identidade de um ser humano. Nós somos formados, por natureza, de uma dupla dimensão: somos indivíduos, mas também indivíduos sociais. Por isso, por sermos antes de mais indivíduos, a nossa identidade nunca se pode esgotar nessa dimensão social, por mais influenciador que seja esse contexto em nós. Para além da nossa mais profunda intimidade de indivíduos que porventura só aos mais íntimos acaso se revela, há sempre espaço para manifestarmos socialmente a nossa própria rebeldia contra a influência do contexto em nós. E é essa rebeldia-contra-a-corrente, a qual não tem de ser violenta, que muitas vezes irá modificar o contexto social e político e até religioso em que vivemos.
Um contexto sócio-político nunca pode definir em absoluto o carácter de um indivíduo, sobretudo se é uma personalidade forte, como terá sido a de Jesus. Por tudo isto, será temerário dizer que, através do contexto, se poderá estabelecer uma bem fundamentada conjectura biográfica de Jesus, para já não dizer biografia.
2.2 - Em segundo lugar, dizer que Jesus foi um zelota revolucionário e violento, como eram os outros zelotas e messias, também não nos parece correcto. Revolucionário, sim, Jesus terá sido, mas violento, não. A atitude que tomou e as palavras que proferiu perante os vendilhões do Templo, por exemplo, são de facto próprias de um revolucionário, mas não são violentas. Propor que a Lei judaica se complete com o amor aos inimigos é profundamente revolucionário, mas não é de forma alguma violento. De resto, nem o próprio Aslan conhece, no Jesus histórico, acções verdadeiramente violentas, nem entende que as tenha defendido (p. 171). Ainda o próprio Aslan, dizendo que João Baptista foi o grande mestre de Jesus, sabe bem que aquele também não foi violento, apesar de ser revolucionário até ao ponto de afrontar o próprio Herodes Antipas, e, por isso, ser condenado à morte.

Ah, mas falta ainda um pormenor. Se o Jesus histórico tivesse sido um messias violento, além de o terem de mudar para “manso e humilde de coração”, como ele se apresenta nos evangelhos, os primeiros cristãos teriam de substituir também o Deus do Antigo Testamento, um deus habitualmente guerreiro - que, como tal, nem poderia existir -, pelo Deus do Jesus mais uma vez dos evangelhos, um Deus Pai, um Deus bom. É claro que, como já vimos, também a natureza do Reino de Deus teria de mudar. Muita mudança para tão pouco tempo!

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