domingo, 7 de setembro de 2014

233 . II - A Propósito de "O Zelota"

II - História e Fé nos Evangelhos
1 – Olá! Ainda não dissemos tudo o que queríamos dizer acerca dos estratos da história e da fé nos evangelhos. Estes quatro livros bíblicos foram organizados e escritos por crentes em Jesus Cristo, com a finalidade de confirmarem na mesma fé outros crentes e para fazerem mais crentes. Sem deixarem de ser históricos, eles são primaria e intencionalmente livros de fé.
Daqui se deduz que o que sobremaneira interessa aos evangelistas é a vida pública de pregação e de outros gestos salvíficos ocorridos na vida de Jesus, nos quais também se incluem a sua morte e a sua ressurreição. Da sua vida adulta anterior àquela “pública”, para a qual Aslan carreia muitos elementos de simples mas verosímil conjectura, os evangelhos nada dizem. Quanto à infância de Jesus, eles dizem muito pouco, e só os evangelhos de Mateus e Lucas a ela se referem, em relatos praticamente só de fé e não de história.
Sobre todos os “eventos” que os evangelhos dizem ter acontecido depois da morte de Jesus e a ele referidos, eles só se podem referir a ele segundo a fé e não segundo a história. Ou seja, pode ser histórico alguém reivindicar para si uma aparição do Ressuscitado, mas, tal aparição, enquanto tal, é só produto da fé e não facto histórico.
Mas a prova maior de como os evangelhos subestimam o Jesus histórico a favor do Cristo da Fé, é o tardio evangelho de João, o mais espiritual e menos terreno e por isso menos histórico dos quatro, onde se apresenta um Jesus já existindo antes da história, como Verbo de Deus, logo regressando, depois desta vida breve e mortal, para essa sua situação anterior ao tempo, não sem que antes, assim só espiritualmente, supostamente tenha aparecido aos seus amigos humanos. Uma eternidade, enfim, nunca interrompida, mas tão só acrescentada de humanidade, durante os anos da sua vida temporal.

2 – No seu livro sobre Jesus de Nazaré, Aslan, quase logo ao princípio, escreve que Jesus “era um homem de profundas contradições” (pp 22 e 228). Mas, das contradições apresentadas – só duas, afinal – logo a primeira não é contradição nenhuma: “um dia a pregar a mensagem da exclusão racial (Fui enviado unicamente às ovelhas perdidas de Israel – Mt 15,24); e a seguir, a do universalismo benévolo (Ide e fazei discípulos de todas as nações – Mt 28,19)”. Não há contradição porque, se a primeira citação parece de facto ser histórica, ou seja, aquelas palavras terão sido realmente proferidas por Jesus, o conteúdo da segunda, já incluído no período pós-pascal, já não é histórico, isto é, já não pode ser atribuído ao Jesus histórico que entretanto já morrera. Enquanto o passo da primeira citação é histórico, se acaso Jesus o produziu, o segundo é simplesmente produto de fé. Neste segundo passo, quem fala e ordena aos primeiros discípulos é a sua própria fé, ou, melhor dizendo, é a fé de Mateus, a quem se atribui a autoria do evangelho, escrito a partir de Damasco nos finais do primeiro século: fé primeiro em que Jesus ressuscitou, e que, agora, esse Ressuscitado, o Cristo, aparece aos discípulos e lhes diz Ide e fazei discípulos de todas as nações.

3 – Muito embora consideremos primitivo ou original este versículo de Mateus - escrito portanto pelo referido autor pois que o universalismo Paulino já era bem evidente -, nós temos de o relacionar com uma outro versículo do mesmo evangelho, que, este sim, não deve ser original, mas simplesmente aditado em fase posterior. Quando e por quem, nunca saberemos ao certo. Referimo-nos ao famoso versículo de Mt 16,18, onde se põe o Jesus histórico a dizer a Pedro Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja.
De facto, nunca saberemos ao certo quando e quem aditou este versículo, o qual até complementa a primor o de Mt 28,19. Mas, se aceitarmos a tradição de que Pedro foi o primeiro bispo de Roma, e atendermos a que tal igreja foi recebendo favores do imperador romano - uns realmente concedidos mas outros só consentidos -, e ainda não esquecermos que Mt 16,18 não consta dos códices mais antigos deste evangelho, provavelmente teremos o caso esclarecido. Ele terá sido inventado e introduzido no evangelho por alguém sob a influência político-religiosa da já hegemónica igreja de Roma.

A conclusão é que, embora por motivos diversos, nem um nem outro destes dois versículos se pode atribuir autenticamente a Jesus.

Sem comentários:

Enviar um comentário