sexta-feira, 12 de setembro de 2014

233.III - A Propósito de "O Zelota"

III - Auto-consciência de Jesus e Fé em Jesus Cristo
1 – Olá! Saber aquilo que Jesus pensava acerca de si próprio e conhecer o processo da elaboração da fé em Jesus Cristo, por parte dos seus discípulos depois da sua morte e começando pelos que o conheceram em vida, são dois problemas distintos mas que se podem ver a par um do outro.
Em frente do interpelante Caifás, Jesus não negou que fosse o Messias, mas, como escreve Aslan, ele foi aí dando a entender que preferia ser chamado Filho do Homem, provavelmente em linha com o que, sobre este, já dissera o profeta Daniel (cap.7). Deste modo, Jesus pensaria ser um rei revolucionário – mas violento também como outros messias e como quer Aslan, ele não seria –, um rei de um reino predominantemente terreno em que os pobres e os mansos e os famintos seriam os bem-aventurados, enfim o Reino de Deus a cumprir (já) aqui na terra.
Se isto for assim, já no estertor da agonia, Jesus terá notado que não tinha cumprido as suas intenções. Mas quem notou e sofreu profundamente com tal incumprimento foram os discípulos, que ficaram vivos mas órfãos, e sem saber o que fazer.

2 - E então, para ultrapassarem este beco sem saída, os que tinham sido discípulos daquele Jesus subitamente desaparecido, outra solução não tiveram senão a reflexão, também o perscrutar minucioso das escrituras, e ainda a imaginação.
Veio assim, antes de mais, a ressurreição desse mestre amigo; veio também a reformulação das intenções messiânicas de Jesus, mas agora de acordo com escrituras recentes e já posteriores à sua morte, e portanto por este não conhecidas (os apócrifos 4Esdras e 1Enoque, citados por Aslan). Desta forma, na perspectiva dos discípulos, Jesus era agora rei, sim, mas um rei manso de um reino de todo espiritual, se bem que também com profundas repercussões terrenas. Enfim, e também aqui, de novo o Reino de Deus mas um Reino diverso.

3 – Tiveram então as primeiras comunidades cristãs - nas quais se integravam os autores dos evangelhos - de reformular a identidade messiânica de Jesus, passando de um messias revolucionário e político e rei de um Reino de Deus terreno, para um messias “manso e humilde de coração”, rei ou vice-rei de um Reino de Deus prevalecentemente espiritual.
Fizeram isto e não só, e parece que mais não lembra a Aslan. Porque tiveram também de reformular a identidade do seu Deus, já não o Deus ciumento e guerreiro do Antigo Testamento, mas um Deus pai, como o Jesus dos evangelhos tão de gosto lhe costumava chamar.
Em rigor, talvez até nem seja necessário alegar o medo das represálias dos romanos contra as primeiras comunidades cristãs para que estas procedessem a esta mudança de padrão do seu messias, passando-o de um messias temporal correspondente a um Reino de Deus terreno, para um messias e um Reino de Deus espirituais. Para tanto, bastaria elas constatarem o falhanço de Jesus nos seus primeiros intentos. E não desistiram de fazer esta mudança porque, começando por aqueles que tinham sido companheiros de Jesus em vida, continuavam a ter o seu coração preso de afeição por ele, como se diz no livro de Josefo. Também é bom lembrar que um Jesus manso não exclui um Jesus revolucionário e vice-versa, como se poderá ver no passo dos Vendilhões do Templo. Revolucionário, sim, mas não violento. Aliás, o próprio Aslan, embora diga que Jesus era violento, como outros messias, também confessa que não lhe conhece acções propriamente violentas.

4 – É provável que, naquele conturbado tempo de lutas entre os encarniçados judeus e os cruéis romanos invasores, Jesus se tenha balanceado com alguma indecisão entre um Reino de Deus sobretudo terreno e um Reino de Deus prevalentemente espiritual, o qual, note-se bem, não era para os apóstolos de primeira necessidade, e até nem entenderiam bem. Também é provável que tal indecisão de Jesus tenha cessado nos últimos tempos da sua vida, voltando-se só para o Reino de Deus de acento espiritual. Talvez até tenha optado definitivamente por este reino, precisamente por não suportar a imagem tradicional de um deus guerreiro e ciumento, e, ao contrário, entender que Deus deve ser é Pai, pai amigo, em cujo regaço podia reclinar a cabeça e encomendar até o seu espírito.

Por seu turno, o grande problema dos discípulos na elaboração da sua fé foi assentá-la toda nesse Jesus Messias espiritual e, consequentemente, como em pano de fundo, nesse Reino de Deus espiritual.

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