III - Auto-consciência
de Jesus e Fé em Jesus Cristo
1 – Olá! Saber aquilo que Jesus pensava acerca de si próprio
e conhecer o processo da elaboração da fé em Jesus Cristo, por parte dos seus
discípulos depois da sua morte e começando pelos que o conheceram em vida, são
dois problemas distintos mas que se podem ver a par um do outro.
Em frente do interpelante Caifás, Jesus não negou que fosse o
Messias, mas, como escreve Aslan, ele
foi aí dando a entender que preferia ser chamado Filho do Homem, provavelmente em linha com o que,
sobre este, já dissera o profeta Daniel (cap.7). Deste modo, Jesus pensaria ser
um rei revolucionário – mas violento também como outros messias e como quer
Aslan, ele não seria –, um rei de um reino predominantemente terreno em que os
pobres e os mansos e os famintos seriam os bem-aventurados, enfim o Reino de
Deus a cumprir (já) aqui na terra.
Se isto for assim, já no estertor da agonia, Jesus terá
notado que não tinha cumprido as suas intenções. Mas quem notou e sofreu
profundamente com tal incumprimento foram os discípulos, que ficaram vivos mas
órfãos, e sem saber o que fazer.
2 - E então, para ultrapassarem este beco sem saída, os que
tinham sido discípulos daquele Jesus subitamente desaparecido, outra solução
não tiveram senão a reflexão, também o perscrutar minucioso das escrituras, e
ainda a imaginação.
Veio assim, antes de mais, a ressurreição desse mestre amigo;
veio também a reformulação das intenções messiânicas de Jesus, mas agora de
acordo com escrituras recentes e já posteriores à sua morte, e portanto por
este não conhecidas (os apócrifos 4Esdras e 1Enoque, citados por Aslan). Desta
forma, na perspectiva dos discípulos, Jesus era agora rei, sim, mas um rei
manso de um reino de todo espiritual, se bem que também com profundas
repercussões terrenas. Enfim, e também aqui, de novo o Reino de Deus mas um
Reino diverso.
3 – Tiveram então as primeiras comunidades cristãs - nas
quais se integravam os autores dos evangelhos - de reformular a identidade
messiânica de Jesus, passando de um messias revolucionário e político e rei de
um Reino de Deus terreno, para um messias “manso e humilde de coração”, rei ou
vice-rei de um Reino de Deus prevalecentemente espiritual.
Fizeram isto e não só, e parece que mais não lembra a Aslan.
Porque tiveram também de reformular a identidade do seu Deus, já não o Deus
ciumento e guerreiro do Antigo Testamento, mas um Deus pai, como o Jesus dos
evangelhos tão de gosto lhe costumava chamar.
Em rigor, talvez até nem seja necessário alegar o medo das
represálias dos romanos contra as primeiras comunidades cristãs para que estas
procedessem a esta mudança de padrão do seu messias, passando-o de um messias
temporal correspondente a um Reino de Deus terreno, para um messias e um Reino
de Deus espirituais. Para tanto, bastaria elas constatarem o falhanço de Jesus
nos seus primeiros intentos. E não desistiram de fazer esta mudança porque,
começando por aqueles que tinham sido companheiros de Jesus em vida,
continuavam a ter o seu coração preso de afeição por ele, como se diz no livro
de Josefo. Também é bom lembrar que um Jesus manso não exclui um Jesus
revolucionário e vice-versa, como se poderá ver no passo dos Vendilhões do
Templo. Revolucionário, sim, mas não violento. Aliás, o próprio Aslan, embora
diga que Jesus era violento, como outros messias, também confessa que não lhe
conhece acções propriamente violentas.
4 – É provável que, naquele conturbado tempo de lutas entre
os encarniçados judeus e os cruéis romanos invasores, Jesus se tenha balanceado
com alguma indecisão entre um Reino de Deus sobretudo terreno e um Reino de
Deus prevalentemente espiritual, o qual, note-se bem, não era para os apóstolos
de primeira necessidade, e até nem entenderiam bem. Também é provável que tal
indecisão de Jesus tenha cessado nos últimos tempos da sua vida, voltando-se só
para o Reino de Deus de acento espiritual. Talvez até tenha optado
definitivamente por este reino, precisamente por não suportar a imagem
tradicional de um deus guerreiro e ciumento, e, ao contrário, entender que Deus
deve ser é Pai, pai amigo, em cujo regaço podia reclinar a cabeça e encomendar
até o seu espírito.
Por seu turno, o grande problema dos discípulos na elaboração
da sua fé foi assentá-la toda nesse Jesus Messias espiritual e,
consequentemente, como em pano de fundo, nesse Reino de Deus espiritual.
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