IV - O Cristianismo de
Paulo
1 – Olá! Já neste blog escrevemos que a religião cristã que
temos é o cristianismo de Paulo e não de Tiago e de Pedro e de Jesus (ver texto
40).
Paulo não conheceu Jesus enquanto vivo, o Jesus histórico,
nunca tendo portanto estado em contacto directo com aquilo que ele pregou e
operou durante a sua vida pública. O primeiro contacto que teve com tal movimento
fundado no messias Jesus foi aquando do martírio de Estêvão por lapidação, por
volta de 35 pc, a qual ele encorajou. Mas este acontecimento perturbou depois
tão profundamente este jovem fariseu de Tarso, que, dois anos volvidos e a
caminho de Damasco, o Ressuscitado supostamente lhe apareceu e, em breve, ele
estava convertido e baptizado, autoproclamando-se depois apóstolo como os
outros que acompanharam Jesus em vida, e até, com uma ponta de vaidade, ainda
melhor do que eles.
A Igreja de Jerusalém, Igreja-Mãe de todo o movimento do
messias Jesus depois da sua morte, foi desde o início chefiada por Tiago, irmão
de Jesus. Quem confirma o que acaba de ser dito é o historiador cristão
Hegésipo (110-180 pc) que escreve: “O controlo da Igreja passou, com os
apóstolos, para o irmão do Senhor, Tiago, a quem toda a gente (…) chamou O Justo” E até antes deste testemunho
houve vários outros na mesma direcção, entre os quais o de Clemente, bispo
sucessor de Pedro em Roma, o qual em carta se dirige a Tiago qualificando-o de
“Bispo dos bispos, que governa Jerusalém – a Santa Assembleia dos Hebreus – e
todas as Assembleias em toda a parte” (p.263).
Por várias vezes e maneiras, Tiago demonstrou exercer essa
chefia em relação a tudo o que sobre o movimento de Jesus Cristo se fazia e
ensinava em toda a parte onde chegara. Quanto a Paulo, Tiago chegou mesmo a
enviar emissários para verem o que ele andava a fazer e a ensinar, e chamou-o
várias vezes a Jerusalém para que lhe prestasse contas de tudo. O próprio Pedro
estava sob a jurisdição de Tiago.
Quando Tiago morreu, em 62 pc, quem lhe sucedeu foi Simeão,
um sobrinho dele e de Jesus. Mas quando, em 70, o imperador romano Tito arrasou
Jerusalém, a mais genuína doutrina e os exactos gestos messiânicos desse Jesus
histórico tudo se perdeu. E se, nessa altura, também já Paulo tinha morrido,
ficaram no entanto as suas cartas, com o seu próprio pensamento, as quais foram
depois influenciar profundamente a escrita dos quatro evangelhos, sobretudo o
de João, e ainda hoje perfazem grande parte dos textos do novo Testamento.
2 – Ao contrário de Paulo, Tiago nunca quis, como aliás seu
irmão Jesus, fundar uma religião. Os dois assentavam todo o novo movimento, não
em revogar a Lei judaica, mas no seu acabamento, sobretudo no que toca ao
serviço aos outros, nomeadamente aos pobres e doentes. Mas, para Paulo, a Lei é
o “ministério da morte”, e o que importa é a fé em Cristo, ou seja, o
“ministério do Espírito vindo em glória” (2Cor 3,7-8). Na verdade, o
cristianismo de Paulo assenta no “Filho do Homem de pé, à direita de Deus”,
designação atribuída ao Jesus ressuscitado por Estêvão no final do discurso que
o levou ao martírio, a que, como diz Aslan, Saulo (depois chamado Paulo)
alegremente assistira. Ou então, até devíamos dizer ao contrário: dizer que
aquelas citadas palavras e todo o discurso de Estêvão foram redigidos por Lucas
(Act7), amigo e discípulo de Paulo, influenciado pelas já existentes cartas
deste, nomeadamente as duas aos Coríntios, aqui citadas.
Porque não conheceu o Jesus histórico, Paulo, além da morte e
de uma breve alusão à Última Ceia, nada narra da vida de Jesus, desse “Jesus em
carne”, tão-somente lhe interessando o Jesus divino, o Cristo. Ele chega quase
a desdenhar da dimensão histórica de Jesus, e daquilo e daqueles que o rodearam
em vida: “Mas quando aprouve a Deus – que me escolheu desde o seio de minha mãe
e me chamou pela sua graça – revelar o seu Filho em mim, para que o anuncie
como Evangelho entre os gentios, não fui logo consultar criatura humana alguma,
nem subi a Jerusalém para ir ter com os que se tornaram apóstolos antes de mim”
(Gal 1, 15-17).
3 - Por duas razões a morte é condição sem a qual não
existiria o cristianismo. Pela primeira, razão geral, se não houvesse para os
homens o sofrimento e a morte, provavelmente as religiões não existiriam. Pela
segunda, razão específica, se Jesus não tivesse morrido, não existiria o
cristianismo porque é só através da sua morte que se pode chegar à sua
ressurreição. O cristianismo não se funda na morte de Jesus: ele funda-se na
sua ressurreição gloriosa, a qual porém só a sua morte tornou possível.
De maneira que, segundo Paulo, o caminho para o Cristo é
morrermos de uma vida de pecado para vivermos na fé em Cristo, pela graça. Para
Paulo, só a graça nos salva, e não a Lei, nem que esta seja completada como
Jesus e depois Tiago e Pedro pretendiam.
Mas o argumento de Paulo para a ressurreição dos mortos e do
próprio Jesus é demasiado frágil. Aos seus amados cristãos de Corinto, Paulo,
já antes um fariseu profundamente crente na ressurreição dos mortos e depois um
abrupto convertido ao cristianismo, escreve o seguinte: “Ora, se se prega que
Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de entre vós dizem que não há
ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não
ressuscitou. Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é
também a vossa fé. (…) Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias
dos que morreram. Porque, assim como por um homem veio a morte, assim por um homem
vem a ressurreição dos mortos. E, como todos morrem em Adão, assim em Cristo
todos voltarão a receber a vida” (1Cor 15, 12-22).
Paulo entende então que a sua pregação da ressurreição de
Cristo, e bem assim a fé dos seus ouvintes na mesma ressurreição, são argumento
que prova essa ressurreição. De tal maneira que, se esta não for realidade,
serão vãs a pregação e a fé. Era bom que vãs não fossem, sim, mas, porque não
poderão ser? Elas são mais importantes do que a realidade? É a força do desejo
e a nossa crença que criam a realidade da ressurreição? Depois, como novo
argumento, ele estabelece a comparação entre Adão – o primeiro homem que, com o
seu suposto pecado trouxe a morte à humanidade – e o Cristo que, com a sua,
trouxe a ressurreição dos mortos. No entanto, se considerarmos míticos, como é
muito provável que sejam, os elementos do primeiro termo de comparação, o que é
que resta do segundo? Não haverá enfim, na proposta de Paulo, a tentativa de um
cumprimento, mas só subjectivo, do profundo desejo humano de viver infindamente,
perante a insofismável realidade da morte?
Nota: Para a escrita deste texto, foram extraídas várias
informações de O Zelota.
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