sábado, 9 de novembro de 2013

189. 3-4 - A Excelência de um Eu

3 – Falando de pessoas com um eu exemplar, o mesmo autor escreve: “As pessoas que brilharam no seu eu desenvolveram-no intuitivamente: Buda, Confúcio, Espinosa (…) Mas há uma pessoa em particular que analisei e me deixou embasbacado. O seu eu era tão fascinante que escolheu uma das piores espécie de alunos para ensinar as funções mais complexas da inteligência”. E como sobreviesse ao mestre uma inopinada e iminente aproximação da morte, “com os alunos tão mal preparados, era-lhe impossível ensinar por palavras funções tão complexas”. Assim, e “para assombro da psicologia e da ciência de educação moderna, quando as suas palavras seriam estéreis, ele transformou-se numa metáfora viva e bombástica”. Como nessa altura, nesse inolvidável “Lava Pés, nunca o silêncio gritou tão alto e gerou em tão pouco tempo os mais nobres raciocínios complexos, abstractos e indutivos; nunca o amor deixou o eco das palavras e se materializou para alcançar pessoas que não conheciam a arte de amar”.
         Mas em alturas mais calmas da sua vida – dizemos agora nós -, o mesmo mestre Jesus, com palavras que por certo foram mesmo por ele proferidas, soube firmemente condenar a retaliação e propor o amor aos inimigos (Mt, 5 e textos 59 e 184), isto é, superar a antiga e tão de hoje “lei de talião”, a lei do “olho por olho e dente por dente”, e também propor “o amor aos inimigos”, coisa bem mais difícil do que o amor a quem nos ama.
         Que se saiba, nunca ninguém tinha ensinado tais doutrinas, essas pedras de escândalo sobretudo para as sociedades bem pensantes e poderes deste mundo, isso constituindo, como é evidente, prova insofismável de que tais doutrinas são autênticas e próprias desse Jesus, assim constituído como grande mestre da humanidade. Na verdade, não retaliar e também amar os inimigos é a única (impossível?) maneira de pararmos a violência, tanto ao nível individual, no relacionamento de cada um consigo e com os outros, como também entre as nações do mundo.
         E se, em alguma ocasião, tivermos de optar entre ser agredido ou ser o agressor – oxalá nunca aconteça – bem melhor será para nós ser agredido, porque não há nada que pague a paz da alma, a paz do nosso eu bem formado.

         4 – Mas Cluny faz questão de dizer que não fala de Jesus, do lado de dentro de uma religião, mas simplesmente do lado da história humana e na perspectiva de um psicólogo e psicoterapeuta.
         De facto, esse mestre está ou pode estar presente na história humana e na nossa memória pelas palavras como as que enunciaram a quebra da retaliação e o amor aos inimigos; pelos gestos sem palavras como o do Lava Pés; pelo pão e pelo vinho que os humanos podem comer e beber em memória dele; também pelas palavras ardentes e pelos vigorosos gestos que expulsaram os vendilhões do templo da humanidade, tão actuais entre nós nestes dias tão tristes. Presente ainda pela cruz e pela morte, não porque por elas nos tenha salvo, mas por elas serem sinal daquilo que as causou - aqui sim, a salvação -, a saber, os seus gestos e palavras de amor, como os que atrás enunciámos. Na verdade, não é o sofrimento e a morte que salvam, mas aquilo que se quer fazer e faz mesmo, por amor, ainda que, para tanto, seja preciso sofrer e até morrer numa cruz.
         Assim, se Jesus salvou a humanidade, isso foi por lhe ter ensinado, por surpreendentes atitudes, gestos, palavras e silêncios, como ela se poderá salvar a si própria. Porque nem Deus lhe poderá fazer aquilo que a ela mesma compete fazer.
Lembremos ainda que, se esse mestre amou assim tão profundamente a humanidade, é porque também profundamente a soube conhecer … por conhecimento de amor (texto 187).


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