domingo, 27 de maio de 2012

67 - Saudades de meu Pai


1 - Olá, amigas e amigos! Venho aqui confessar a toda a gente, do alto desta tribuna, que tenho muitas saudades de meu pai. De meu pai, não, de meu paizinho! De meu paizinho porque, lá em casa, todos nós, os cinco garotos masculinos seus filhos, o tratávamos assim. Mas não só em relação ao nosso pai nós dobrávamos a língua, pois que, também e sobretudo a nossa mãe, a mãezinha, se pelava por esse apelativo doce! E é assim que os dois ficaram bem vivos na memória dos cinco, até porque continuamos a tratá-los com esse carinhoso diminutivo.
Quando pelos nossos quintais e às horas de calor trepávamos às árvores, em busca de ginjas ou maçãs ou peras ou laranjas para comer, o paizinho dizia sempre: “Tenham cuidado: não comam a fruta quente”. Mas eu nunca fiz caso deste afável aviso e também já não sei se algum dia, ou noite, a fruta quente me fez mal à barriga.
Com o rodar do tempo, ele foi deixando de nos lançar esse aviso, ainda que, à sua frente, continuássemos a trepar a essas benditas árvores, mesmo em horas de calor. Mas uma vez, a última, sempre na sua afabilidade mansa, ele insistiu em dizer-me: “Não devias ter apanhado a fruta pelo calor! Vai-te fazer mal”. “Não faz, paizinho, não faz porque eu vou deixar que arrefeça, antes de a comer”! E foi assim que consegui dar a volta ao benigno argumento de autoridade paterna, e o meu pai também aprendeu com isso. Aprendeu porque, além de cumprir o seu dever de dar aos filhos o seu exemplo de dignidade e honra e dedicação ao trabalho e bonomia, também soube ser tocado por alguma juvenil fosforescência dos filhos.

2 - Porque o que importa é pensarmos pela nossa cabeça, em vez de aceitarmos passivamente o que nos propõem a Autoridade e a Tradição. Pensar é muito melhor – porque mais humano e humanizante - do que acreditar!
Aquele luminoso Sócrates ateniense, nas outras pessoas, em liberdade, intentava o universal, isto é, intentava fazer delas simplesmente seres pensantes e não seres de crenças, com as quais se preparariam médicos, políticos, militares ou mesmo filósofos. Porque, para tudo isto, seriam precisas doutrinas, crenças. Mas ele só queria – como besouro a importuná-las - acordar as pessoas para a sua actividade de pensar.
È certo que, sobretudo hoje, vivemos muito mais de crenças do que de pensamento. E então, o que nos será necessário é, tanto quanto possível, fazer baixar (ou subir) as crenças recebidas ao cadinho do nosso pensar, e aí, passá-las ao crivo fino da reflexão, assim as recebendo e fazendo nossas, ou simplesmente rejeitando.
Porque o crente fecha a porta ao pensamento, ao labor da razão: acredita, e pronto. Ao passo que o pensante alimenta-se sobretudo de dúvidas, a elas voltando sempre que necessário. Também tem certezas, mas as dúvidas são o seu principal alimento. 

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