1 - Olá, amigas e amigos! Venho aqui
confessar a toda a gente, do alto desta tribuna, que tenho muitas saudades de
meu pai. De meu pai, não, de meu paizinho!
De meu paizinho porque, lá em casa, todos nós, os cinco garotos masculinos seus
filhos, o tratávamos assim. Mas não só em relação ao nosso pai nós dobrávamos a
língua, pois que, também e sobretudo a nossa mãe, a mãezinha, se pelava por
esse apelativo doce! E é assim que os dois ficaram bem vivos na memória dos
cinco, até porque continuamos a tratá-los com esse carinhoso diminutivo.
Quando pelos nossos quintais e às
horas de calor trepávamos às árvores, em busca de ginjas ou maçãs ou peras ou
laranjas para comer, o paizinho dizia sempre: “Tenham cuidado: não comam a
fruta quente”. Mas eu nunca fiz caso deste afável aviso e também já não sei se
algum dia, ou noite, a fruta quente me fez mal à barriga.
Com o rodar do tempo, ele foi
deixando de nos lançar esse aviso, ainda que, à sua frente, continuássemos a
trepar a essas benditas árvores, mesmo em horas de calor. Mas uma vez, a
última, sempre na sua afabilidade mansa, ele insistiu em dizer-me: “Não devias
ter apanhado a fruta pelo calor! Vai-te fazer mal”. “Não faz, paizinho, não faz
porque eu vou deixar que arrefeça, antes de a comer”! E foi assim que consegui
dar a volta ao benigno argumento de autoridade paterna, e o meu pai também
aprendeu com isso. Aprendeu porque, além de cumprir o seu dever de dar aos
filhos o seu exemplo de dignidade e honra e dedicação ao trabalho e bonomia,
também soube ser tocado por alguma juvenil fosforescência dos filhos.
2 - Porque o que importa é pensarmos
pela nossa cabeça, em vez de aceitarmos passivamente o que nos propõem a
Autoridade e a Tradição. Pensar é muito melhor – porque mais humano e humanizante
- do que acreditar!
Aquele luminoso Sócrates ateniense,
nas outras pessoas, em liberdade, intentava o universal, isto é, intentava
fazer delas simplesmente seres pensantes e não seres de crenças, com as quais
se preparariam médicos, políticos, militares ou mesmo filósofos. Porque, para
tudo isto, seriam precisas doutrinas, crenças. Mas ele só queria – como besouro
a importuná-las - acordar as pessoas para a sua actividade de pensar.
È certo que, sobretudo hoje, vivemos
muito mais de crenças do que de pensamento. E então, o que nos será necessário
é, tanto quanto possível, fazer baixar (ou subir) as crenças recebidas ao
cadinho do nosso pensar, e aí, passá-las ao crivo fino da reflexão, assim as
recebendo e fazendo nossas, ou simplesmente rejeitando.
Porque o crente fecha a porta ao
pensamento, ao labor da razão: acredita, e pronto. Ao passo que o pensante
alimenta-se sobretudo de dúvidas, a elas voltando sempre que necessário. Também
tem certezas, mas as dúvidas são o seu principal alimento.
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