10 - Quase a terminar também, e porque,
ao contrário de Kant, não podemos abandonar em qualquer caso a condição de ser
um ser interrogante - ainda que isso nos traga algum desconforto ao coração -,
aqui deixamos uma outra posição, bem diversa da de Kant e de Kung, defendida
por muitos mas aqui explicitada nas palavras do filósofo Fernando Savater,
extraídas da sua obra “A Vida Eterna” (p.69): “Como poderia (a morte) ser um
mal, se ela é necessária e inevitável? (…) Só é um verdadeiro mal o capricho
tortuoso da vontade humana que se opõe à harmonia ordenada do universo” (citado
no texto 1 deste blog).
Mas ainda há
uma outra posição ou terceira via – melhor diríamos anti-via, por comparação
com as duas primeiras - já vislumbrada
aqui em diversos textos ( por exemplo 16), a via do poeta cantor das Old Ideas,
Leonard Cohen, falando do seu mestre budista de 104 anos lúcidos, sem nada
ainda conceder à velhice: “Este velho professor nunca fala de religião. Trata
do estudo da natureza das coisas, do modo como sujeito e objecto se separam e
do modo como se encontram. (…) Não há dogma, não há adoração. É apenas uma
forma de viver em comunidade e ser extremamente cuidadoso e atento aos próprios
sentimentos e aos sentimentos dos outros. É mais esse tipo de actividade do que
algo que possamos associar à religião. Não há fé, não há crença. Há apenas
actividade”. E a um insistente jornalista que lhe perguntava “o que será na sua
próxima vida”, Cohen, sorrindo, responde:”Se existir uma tal coisa, gostaria de
regressar como o cão da minha filha” (“Expresso”
de 4 de Fevereiro de 2012).
Muito em voga
está uma última posição - tão em voga que até já se infiltrou em estratos
religiosos conservadores - segundo a qual, na religião, não há lugar para a
verdade e para a falsidade. É a posição em que predominam águas de “pensamento
débil” pós-moderno, de acento religioso, nas quais navegam Vattimo e também
Unamuno, com a sua “vontade de acreditar”, e ainda navega a imortal personagem
D. Quixote, criada por Cervantes para ser o “Cavaleiro da Triste Figura”, mas
que, aos olhos de Unamuno, em vez de louco é sábio, e portanto modelo
intelectual e ético. Assim, o que na religião importa não são as suas verdades
ou falsidades, mas só a sua intrínseca beleza e a beleza dos seus rituais, aliadas
à conveniência social de a ela e a eles aderirmos. Tal como, precisamente,
também não se pergunta pela verdade ou falsidade quando se está perante um
poema ou um pôr-do-sol. Sem verdades ou falsidades, a religião e os seus
rituais serão portanto só e simplesmente entidades belas e também convenientes
em termos sociais: celebrar-se-á então, sobremaneira, a jubilosa entrada e
presença de uma criança no seio da sua família e no círculo de amigos mais próximo;
também a jubilosa notícia do amor entre dois jovens a quererem declarar que vão
constituir família e que nessa condição desejam ser aceites pelos amigos e pela
sociedade; ainda a ocasião da sentida morte de uma pessoa querida, altura em
que a sua vida se manifesta na sua globalidade e plenitude e se entranha na
vida dos amigos e conhecidos, se acaso a vida dela tiver sido um exemplo de
humanidade a seguir, assim continuando a viver dentro deles. A religião será
então como que um jardim suspenso, sem objectivas raízes de realidades
significadas de que possa derivar, mas ainda assim um jardim belo e também apetecível
pela sua conveniência (ver texto 35).
Mas é claro
que estas e outras considerações pós-modernas de tal posição, para além de não
serem facilmente aceitáveis em termos epistemológicos, também estão bem longe
de poderem ser aceitas pela tradição religiosa do Vaticano, com o seu
inconcusso depósito de verdades de fé, a remeterem para objectivas realidades.
E quanto à
profunda e sincera obra de Hans Kung – tão sincera ela é que parece um
testamentário grito de fidelidade e honra – deixamos simplesmente uma pergunta:
para quê a nossa tão aguda necessidade de conhecermos “o princípio de todas as
coisas”, se, das próprias coisas, ainda tão pouco sabemos? Mas tudo fica em
aberto, pois não é assunto para encerrarmos mas talvez para a ele um dia voltarmos
(ver texto 18), tal como o oceano que, depois de avançar para terra, se recolhe
brincando com o rosário das suas conchas profundas, e com elas meditando, para
depois, de novo, se chegar à praia e abraçar a terra.
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