domingo, 13 de maio de 2012

62.10 - As Diversas Vias de Saída



10 - Quase a terminar também, e porque, ao contrário de Kant, não podemos abandonar em qualquer caso a condição de ser um ser interrogante - ainda que isso nos traga algum desconforto ao coração -, aqui deixamos uma outra posição, bem diversa da de Kant e de Kung, defendida por muitos mas aqui explicitada nas palavras do filósofo Fernando Savater, extraídas da sua obra “A Vida Eterna” (p.69): “Como poderia (a morte) ser um mal, se ela é necessária e inevitável? (…) Só é um verdadeiro mal o capricho tortuoso da vontade humana que se opõe à harmonia ordenada do universo” (citado no texto 1 deste blog).
Mas ainda há uma outra posição ou terceira via – melhor diríamos anti-via, por comparação com as duas primeiras -  já vislumbrada aqui em diversos textos ( por exemplo 16), a via do poeta cantor das Old Ideas, Leonard Cohen, falando do seu mestre budista de 104 anos lúcidos, sem nada ainda conceder à velhice: “Este velho professor nunca fala de religião. Trata do estudo da natureza das coisas, do modo como sujeito e objecto se separam e do modo como se encontram. (…) Não há dogma, não há adoração. É apenas uma forma de viver em comunidade e ser extremamente cuidadoso e atento aos próprios sentimentos e aos sentimentos dos outros. É mais esse tipo de actividade do que algo que possamos associar à religião. Não há fé, não há crença. Há apenas actividade”. E a um insistente jornalista que lhe perguntava “o que será na sua próxima vida”, Cohen, sorrindo, responde:”Se existir uma tal coisa, gostaria de regressar como o cão da minha filha” (“Expresso” de 4 de Fevereiro de 2012).
Muito em voga está uma última posição - tão em voga que até já se infiltrou em estratos religiosos conservadores - segundo a qual, na religião, não há lugar para a verdade e para a falsidade. É a posição em que predominam águas de “pensamento débil” pós-moderno, de acento religioso, nas quais navegam Vattimo e também Unamuno, com a sua “vontade de acreditar”, e ainda navega a imortal personagem D. Quixote, criada por Cervantes para ser o “Cavaleiro da Triste Figura”, mas que, aos olhos de Unamuno, em vez de louco é sábio, e portanto modelo intelectual e ético. Assim, o que na religião importa não são as suas verdades ou falsidades, mas só a sua intrínseca beleza e a beleza dos seus rituais, aliadas à conveniência social de a ela e a eles aderirmos. Tal como, precisamente, também não se pergunta pela verdade ou falsidade quando se está perante um poema ou um pôr-do-sol. Sem verdades ou falsidades, a religião e os seus rituais serão portanto só e simplesmente entidades belas e também convenientes em termos sociais: celebrar-se-á então, sobremaneira, a jubilosa entrada e presença de uma criança no seio da sua família e no círculo de amigos mais próximo; também a jubilosa notícia do amor entre dois jovens a quererem declarar que vão constituir família e que nessa condição desejam ser aceites pelos amigos e pela sociedade; ainda a ocasião da sentida morte de uma pessoa querida, altura em que a sua vida se manifesta na sua globalidade e plenitude e se entranha na vida dos amigos e conhecidos, se acaso a vida dela tiver sido um exemplo de humanidade a seguir, assim continuando a viver dentro deles. A religião será então como que um jardim suspenso, sem objectivas raízes de realidades significadas de que possa derivar, mas ainda assim um jardim belo e também apetecível pela sua conveniência (ver texto 35).
Mas é claro que estas e outras considerações pós-modernas de tal posição, para além de não serem facilmente aceitáveis em termos epistemológicos, também estão bem longe de poderem ser aceitas pela tradição religiosa do Vaticano, com o seu inconcusso depósito de verdades de fé, a remeterem para objectivas realidades.
E quanto à profunda e sincera obra de Hans Kung – tão sincera ela é que parece um testamentário grito de fidelidade e honra – deixamos simplesmente uma pergunta: para quê a nossa tão aguda necessidade de conhecermos “o princípio de todas as coisas”, se, das próprias coisas, ainda tão pouco sabemos? Mas tudo fica em aberto, pois não é assunto para encerrarmos mas talvez para a ele um dia voltarmos (ver texto 18), tal como o oceano que, depois de avançar para terra, se recolhe brincando com o rosário das suas conchas profundas, e com elas meditando, para depois, de novo, se chegar à praia e abraçar a terra.

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