1 - Este mar imenso e manso que há pouco estava à minha frente, onde vários barquinhos dormiam no líquido azul e de onde meus olhos trouxeram uma profunda calma para a alma, é o mesmo que quando golfa furibundo, revolvendo terra e céu? De certo modo, não! Nestas outras alturas, de barquinhos parados e leves nada se avista nessa imensidão ondulante, e os barcos grandes, quando os há, para não serem devorados pela tempestade, ora lançam âncoras para se firmarem no mar alto quando o porto está fechado, ora fundeiam seguros no abrigo do porto.
Mas agora, deixada já a orla marítima e entrando pelos campos, há por aqui uma multidão de propriedades, terras de minifúndio, cada uma com seu dono. Para delimitar uma propriedade, são necessários geralmente quatro marcos, cada um deles em seu ângulo do terreno. São estes os quatro extremos, são por aqui adiante e por ali os confins e as estremas, cingindo dentro de si a propriedade.
Em termos objectivos, há marcos de vários tamanhos e feitios e materiais. Em terras calcárias e arenosas, como são estas, quase todos se limitam a ser uma não muito grande pedra da mesma sedimentar qualidade. E se essas pedras são moles por natureza, fáceis para serem erodidas pelo tempo e pelas intempéries, isso pouco dirá porque no terreno eles estão quase completamente enterrados e são sempre tratados com respeito pelos proprietários das respectivas terras. Noutros sítios, eles são de outros materiais e tamanhos, havendo mesmo, sobretudo mais antigos, altas pilastras de granito a meter respeito e até a lembrar menires.
2 - Tal como são as minhas propriedades, assim também são as outras coisas que tenho; assim é também o que eu penso sobre determinado assunto, tudo mais ou menos bem definido; assim é ainda aquilo que eu sou ou penso ser. É tudo uma questão de “de-fin-ir” os objectos, de os “de-limit-ar”. “Delimitar” ou “definir” é pôr marcos, ou marcar. Conhecer é marcar devidamente o objecto por e a conhecer.
Ora, se aqueles menires que acima encontrámos, de alguma forma representarem falos, então é com o falo que se marca e se conhece; então um tal Trujillo caribenho tem toda a razão, como se verá adiante, a razão ou as razões dos que afundam na terra e erguem ao céu … o(s) seu(s) menir(es)!
3 - Podemos então perguntar: onde se fundam ou fundeiam seguras as nossas assim ditas verdades, como acontece com os barcos grandes no mar, verdades definidas ou delimitadas, como acontece na terra dos campos? Que verdades fundamentais existem, onde possa fundear segura ou abrigar-se a vida humana?
Em duas figuras humanas, de alguma forma típicas, o Nobel Vargas Llosa dilucida com mão de mestre a intimidade da mente humana, assim desvelando também, nos dois casos vertentes, os fundamentos em que assentam suas mentes. Um exemplar ou figura, o primeiro e mais notado, é Sua Excelência, é o Benfeitor, é o generalíssimo Trujillo; o outro, contracenando com aquele, é o poeta, o doutorzinho, o bajulador, o presidente fantoche Balaguer.
“Acredita em Deus?”, perguntou-lhe Trujillo com alguma ansiedade, no gabinete presidencial; acredita “que há outra vida, depois da morte? O Céu para os bons e o Inferno para os maus? Acredita nisso”? Que às vezes duvidava, respondeu o outro, mas que chegara à conclusão de que não havia alternativa num mundo como o deles. Era preciso acreditar. “Se eu tivesse tido dúvidas, não teria posto de pé este morto”, retorquiu-lhe Trujillo. “Se tivesse esperado por um sinal do Céu antes de agir. Tive de confiar em mim, em mais ninguém, quando foi preciso tomar decisões de vida ou de morte. Algumas vezes, evidentemente, posso ter-me enganado”… E antes de sair do gabinete do presidente Balaguer, sem se despedir, ainda se lembrou de que, nessa noite, no remanso da sua casa de campo, “acariciaria o corpo de uma rapariga nua, terna (…) e teria uma longa e sólida erecção, como as de outrora”, assim anulando remorsos pelo assassinato de muitos opositores, e até de um urologista por simplesmente lhe ter diagnosticado erradamente “uma afecção cancerosa na próstata”, que punha por terra a continuação dos seus sucessos em sexo e o levaria rapidamente à morte.
Ao contrário, portanto, do eunuco e fantoche presidente Balaguer, que funda as suas verdades em Deus, Sua Excelência o Benfeitor e Generalíssimo Trujillho, ditador que exerceu o seu pérfido e nauseabundo ofício por mais de trinta anos na República Dominicana, assenta as suas verdades em si próprio, ou, mais propriamente, no seu membro de macho.
4 - Por seu lado, Martin Heidegger, famoso pensador alemão, ainda tentou o nacional-socialismo de Hitler, para aí encontrar a sua verdade. Encontrou-a? Encontrou ao menos a verdade do amor, em Hannah Arendt? O sinal combinado do acender da luz no seu gabinete de trabalho, dando para o parque – ele a trabalhar entre livros e Hannah entre as flores do parque -, daria a entender que sim, que a recebia àquela sua discípula, e com ela aconteceria, aos dois, o amor! Tal enlace porém não durou muito, soçobrando o amor.
Mas Hannah era muito lúcida, nada menos que o seu antigo mestre e depois amante. Sua alta lucidez bem ficou patente em vários campos do saber, e também neste assunto da verdade ou verdades, que ora nos está prendendo.
Segundo ela, a cadeia transmissora e também definidora das verdades - cadeia constituída pela Autoridade, Religião e Tradição; e verdades que afinal muitas vezes não passam de “falácias metafísicas” -, essa cadeia quebrou-se, ruindo também o edifício das verdades! Ruiu, mas há que procurar pelos escombros aquilo que pudermos aproveitar. E há de facto neles muito que aproveitar, até algumas jóias muito belas e valiosas, de muito mais valor – digo agora eu - que aquele “anel de rubi” que o cantor quis oferecer à menina!
Mas agora, deixada já a orla marítima e entrando pelos campos, há por aqui uma multidão de propriedades, terras de minifúndio, cada uma com seu dono. Para delimitar uma propriedade, são necessários geralmente quatro marcos, cada um deles em seu ângulo do terreno. São estes os quatro extremos, são por aqui adiante e por ali os confins e as estremas, cingindo dentro de si a propriedade.
Em termos objectivos, há marcos de vários tamanhos e feitios e materiais. Em terras calcárias e arenosas, como são estas, quase todos se limitam a ser uma não muito grande pedra da mesma sedimentar qualidade. E se essas pedras são moles por natureza, fáceis para serem erodidas pelo tempo e pelas intempéries, isso pouco dirá porque no terreno eles estão quase completamente enterrados e são sempre tratados com respeito pelos proprietários das respectivas terras. Noutros sítios, eles são de outros materiais e tamanhos, havendo mesmo, sobretudo mais antigos, altas pilastras de granito a meter respeito e até a lembrar menires.
2 - Tal como são as minhas propriedades, assim também são as outras coisas que tenho; assim é também o que eu penso sobre determinado assunto, tudo mais ou menos bem definido; assim é ainda aquilo que eu sou ou penso ser. É tudo uma questão de “de-fin-ir” os objectos, de os “de-limit-ar”. “Delimitar” ou “definir” é pôr marcos, ou marcar. Conhecer é marcar devidamente o objecto por e a conhecer.
Ora, se aqueles menires que acima encontrámos, de alguma forma representarem falos, então é com o falo que se marca e se conhece; então um tal Trujillo caribenho tem toda a razão, como se verá adiante, a razão ou as razões dos que afundam na terra e erguem ao céu … o(s) seu(s) menir(es)!
3 - Podemos então perguntar: onde se fundam ou fundeiam seguras as nossas assim ditas verdades, como acontece com os barcos grandes no mar, verdades definidas ou delimitadas, como acontece na terra dos campos? Que verdades fundamentais existem, onde possa fundear segura ou abrigar-se a vida humana?
Em duas figuras humanas, de alguma forma típicas, o Nobel Vargas Llosa dilucida com mão de mestre a intimidade da mente humana, assim desvelando também, nos dois casos vertentes, os fundamentos em que assentam suas mentes. Um exemplar ou figura, o primeiro e mais notado, é Sua Excelência, é o Benfeitor, é o generalíssimo Trujillo; o outro, contracenando com aquele, é o poeta, o doutorzinho, o bajulador, o presidente fantoche Balaguer.
“Acredita em Deus?”, perguntou-lhe Trujillo com alguma ansiedade, no gabinete presidencial; acredita “que há outra vida, depois da morte? O Céu para os bons e o Inferno para os maus? Acredita nisso”? Que às vezes duvidava, respondeu o outro, mas que chegara à conclusão de que não havia alternativa num mundo como o deles. Era preciso acreditar. “Se eu tivesse tido dúvidas, não teria posto de pé este morto”, retorquiu-lhe Trujillo. “Se tivesse esperado por um sinal do Céu antes de agir. Tive de confiar em mim, em mais ninguém, quando foi preciso tomar decisões de vida ou de morte. Algumas vezes, evidentemente, posso ter-me enganado”… E antes de sair do gabinete do presidente Balaguer, sem se despedir, ainda se lembrou de que, nessa noite, no remanso da sua casa de campo, “acariciaria o corpo de uma rapariga nua, terna (…) e teria uma longa e sólida erecção, como as de outrora”, assim anulando remorsos pelo assassinato de muitos opositores, e até de um urologista por simplesmente lhe ter diagnosticado erradamente “uma afecção cancerosa na próstata”, que punha por terra a continuação dos seus sucessos em sexo e o levaria rapidamente à morte.
Ao contrário, portanto, do eunuco e fantoche presidente Balaguer, que funda as suas verdades em Deus, Sua Excelência o Benfeitor e Generalíssimo Trujillho, ditador que exerceu o seu pérfido e nauseabundo ofício por mais de trinta anos na República Dominicana, assenta as suas verdades em si próprio, ou, mais propriamente, no seu membro de macho.
4 - Por seu lado, Martin Heidegger, famoso pensador alemão, ainda tentou o nacional-socialismo de Hitler, para aí encontrar a sua verdade. Encontrou-a? Encontrou ao menos a verdade do amor, em Hannah Arendt? O sinal combinado do acender da luz no seu gabinete de trabalho, dando para o parque – ele a trabalhar entre livros e Hannah entre as flores do parque -, daria a entender que sim, que a recebia àquela sua discípula, e com ela aconteceria, aos dois, o amor! Tal enlace porém não durou muito, soçobrando o amor.
Mas Hannah era muito lúcida, nada menos que o seu antigo mestre e depois amante. Sua alta lucidez bem ficou patente em vários campos do saber, e também neste assunto da verdade ou verdades, que ora nos está prendendo.
Segundo ela, a cadeia transmissora e também definidora das verdades - cadeia constituída pela Autoridade, Religião e Tradição; e verdades que afinal muitas vezes não passam de “falácias metafísicas” -, essa cadeia quebrou-se, ruindo também o edifício das verdades! Ruiu, mas há que procurar pelos escombros aquilo que pudermos aproveitar. E há de facto neles muito que aproveitar, até algumas jóias muito belas e valiosas, de muito mais valor – digo agora eu - que aquele “anel de rubi” que o cantor quis oferecer à menina!
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