domingo, 22 de abril de 2012

62.2 - Sobre o Tempo e sobre o Espaço


2 - Falemos agora sobre o tempo e sobre o espaço, logo no acto da criação. No livro em apreço, o autor escreve que, na Bíblia, “não se diz que no começo foi a explosão, mas “no começo foi a palavra, o querer, e fez-se luz: e fez-se energia, matéria, espaço e tempo”. E um pouco mais adiante acrescenta: “ de um ponto de vista teológico, o acto da criação é um acto sem tempo, por meio do qual se forma o tempo. E o tempo é tempo criado, tempo-espaço criado, espaço-tempo criado” (pp. 134-5).
Segundo Hans, portanto, Deus criou a energia, a matéria, o espaço e o tempo. Ele formou o tempo, “e o tempo é tempo criado, tempo-espaço criado, espaço-tempo criado”. Mas, perguntemos nós agora: tempo e espaço são mesmo realidades criadas ou são só conceitos nossos, com base nos quais nós medimos os seres criados?
Parece que, realmente, o tempo não existe, e portanto não foi criado! O que, na hipótese da criação, foi criado e realmente existe são as coisas, coisas todas elas feitas de vicissitudes, de mudanças externas e/ou internas, de movimento. Não será então o tempo só a medida das mudanças externas e internas dos seres, a medida desses movimentos segundo o antes e o depois?
Já há muitos anos que não via aquela pessoa, mas agora tornei a vê-la e fiquei desiludido. Como está mudada! Ostentava outrora um rosto tão bonito, tão risonho e brilhante, mas agora o rosto está desfigurado, enrugado, macilento, triste, acabado! É tudo isto um desgaste implacável que à pessoa foi infligido pelo tempo, ou foram as vicissitudes, as mudanças próprias do seu corpo e da sua alma, que eu agora estou medindo pela comparação que faço entre a sua juventude e a sua velhice? O tempo faz crescer e depois corrói as coisas, ou são as coisas que são assim mesmo, as quais crescem e depois entram em crescente corrosão? Quer dizer, o tempo, enquanto tal, será só uma abstracção que só o ser humano pôde conceber, inventando-o como e para medida das mudanças ou movimento dos seres.
O mesmo se poderá dizer em relação ao espaço, porque os corpos é que criam o espaço, criando cada um e também sendo o seu lugar. O espaço não será só a delimitação das coisas, ou as coisas delimitadas? A sua delimitação não será prova de que elas também são o seu espaço? Não foram já Descartes e Galileu que começaram a dizer que a extensão (res extensa) é a principal “qualidade primária” das coisas materiais? Para além delas, quanto a espaço e quanto a tempo, não haverá só os nossos conceitos e as nossas medidas, como são o milímetro e o metro e o quilómetro e os anos-luz? Qualquer coisa que seja material não terá de ser sempre também espacial e temporal? Só Deus, por ser eterno e ser espírito, não precisa de espaço e não é espaço, e está fora deste nascer e crescer e de depois ser corroído até morrer, não sendo portanto sujeito a mudanças. Ou será também a elas e ao espaço sujeito, como Kung parece dizer? Cá em baixo(!) portanto, entre os seres mundanos, é que há mudanças, como nos diz o imortal poeta:”Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (…) Todo o mundo é composto de mudança …”
Na hipótese de criação, portanto, Deus terá criado a energia e a matéria, sim senhor, mas nelas e em todos os seres que delas provieram, lá estão o espaço e o tempo também. Tudo faz o seu lugar ou espaço e é o seu espaço, mesmo, se acaso existe, o anti-corpo do vácuo. Aristóteles, por exemplo, não aceita o vácuo porque, segundo o filósofo, ele teria de ser um espaço vazio, “um lugar privado de corpo”, e a “a natureza não tolera o vazio”.E então, se não há espaço sem corpo nem corpo sem espaço, isso não é porque o espaço é propriedade do corpo? Por outro lado, tudo também está ensopado em vicissitudes, em mudanças, tudo é feito de vicissitudes ou mudanças, e a medida que inventámos para as aferir foi o tempo. Se não fosse o ser humano a medir com o tempo esse movimento, segundo o antes e o depois, nem se falaria do tempo.

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