quinta-feira, 19 de abril de 2012

62 - O Princípio de Todas as Coisas, de Hans Kung

Olá, amigas e amigos! Mão amiga chegou-me há tempos um precioso livro, não muito grande, que o amigo e ela já tinham lido com atenção, lido e até sublinhado a vermelho ou azul consoante a maior ou menor importância das passagens. Com este seu gesto amigo e generoso, eles acertaram em cheio nos meus gostos e cuidados, e por isso, logo que pude, entrei na leitura da obra. Sucedeu porém que, para além das objectividades e subjectividades representadas no texto pelo autor e depois devidamente sublinhadas pelo primeiro leitor, eu comecei a sentir necessidade de pegar também no lápis e apor em sublinhado ou nas margens do texto alguns sinais da minha subjectividade. Vai daí que, então, eu tive de pegar num pouco das minhas magras economias para que, em dia de descontos na livraria, eu adquirisse mais um exemplar do livro e assim, à vontade, o pudesse ler e sublinhar e anotar e reler quanto e quantas vezes quiser!
O livro intitula-se “O Princípio de Todas as Coisas”, tem a autoria de Hans Kung e foi publicado nas Edições 70, em 2011, a partir do original alemão de 2005. Neste livro, o autor, filósofo e eminente teólogo católico, bem conhecido especialmente pela sua preocupação ecuménica, intenta pôr em diálogo a religião e a ciência, e bem assim defender que a crença em Deus é o melhor meio de lidarmos com os enigmas do universo e também com os nossos, nós que somos seres humanos desse mesmo universo.
O que aqui neste texto irá sendo apresentado é um despretensioso conjunto de notas meio soltas, talvez até um tanto repetidas, a propósito desse livro. Soltas e não acabadas, por as deixar sujeitas a futuras reformulações.


1 - Na pequena introdução ao livro - introdução intitulada “Faça-se a Luz” -, Hans Kung refere mais quatro vezes esse imperativo criador. É a famosa frase do início do Génesis, atribuída pelo bíblico narrador a Deus, com a qual este iniciou a criação do universo, começando pela luz. Mas a luz, a poderosa e enigmática luz, permanece ao longo de todo o livro; o livro está escrito sob o signo da luz; a luz é o seu início e o seu fim!
Einstein não acreditava no Deus bíblico mas tão só num deus imanente à evolução cósmica, como também não pensava que a Bíblia fosse divina, enquanto inspirada por esse Deus. Mas quando o cientista reparou que aquela luminosa explosão inicial (Big-bang) que, em termos científicos, teria dado início ao universo, era semelhante ao “Faça-se Luz” genesíaco, ele ficou muito surpreendido com tão admirável e importante coincidência. Admirável e importante porque isso dava firmeza à sua posição científica, não fosse para ele a Bíblia – ainda assim – um notabilíssimo repositório de sabedoria antiga.
Segundo a narrativa bíblica, o universo começou portanto com a criação da luz. E Hans Kung, que, nos começos do seu texto argumentativo declara que Deus é invisível e ininteligível e indefinível, agora, já como crente e com um grãozinho de poesia épica na sua escrita, confessa que “o bom Deus” é a “plenitude da luz”, “a luz arquetípica”, da qual procedeu esse inicial “Faça-se Luz” e toda a restante criação que veio a seguir. O cosmos, diz ele, não provém “apenas de uma explosão inicial”, mas dessa fonte original, que é a “plenitude da luz”. Ainda para Kung, a luz tem um “significado simbólico e religioso”: por um lado, sendo ela simultaneamente onda e partícula (dois elementos que se excluem mas também se complementam), é uma boa imagem de Deus, que é a um tempo eterno e temporal, distante e muito próximo, justo e misericordioso; por outro lado, a luz é em todas as religiões “uma extraordinária metáfora para designar Deus”. Ficará assim explicado, para Kung, porque é que Deus criou em primeiro lugar a luz, como também é relatado pelo bíblico narrador.
Mas pode apresentar-se aqui uma versão menos transcendente, mais prosaica e terrena, para que a luz venha no topo ou começo da acção criadora. O autor do relato bíblico da criação do universo era um homem crente em Deus criador e escrevia o seu texto para firmar outros nessa fé e fazer mais crentes. E como também era um autor inteligente, ele tinha forçosamente de começar a narrativa pela criação da luz! Pois, se não houvesse luz, como é que todas as outras coisas a criar podiam avultar e ser vistas? Para se criarem e serem vistas as outras coisas, tinha de se criar primeiramente a luz. Mas essa luz também não pode ser demasiada ou intensa porque, se for, ela desfoca a nossa visão das realidades, desfigura-as e até pode cegar.
Tudo muito simples portanto, nesta laica e natural explicação! Ou será, diversamente, que essa luz é a primeira evidência clara de que a luz é mais do que só luz, e portanto também as outras coisas a vir são mais do que só coisas? Neste caso, haveria a “meta-física” das coisas, na qual Hans tanto insiste ao longo de todo o livro. No entanto, e ao contrário, outros filósofos falam de falácias metafísicas, por entenderem que as coisas são só e simplesmente o que delas nos vai aparecendo e nada mais! E se é verdade que, quando vemos as coisas também vemos a luz por serem coisas iluminadas, luz e coisas nada mais parecem ser do que coisas.

Sem comentários:

Enviar um comentário