segunda-feira, 30 de abril de 2012

62.5 - Leis da Natureza, Necessidade e Acaso


5 - Adiantemos agora algumas palavras tímidas sobre as leis da natureza, sobre a necessidade e sobre o acaso, que tudo isto parece estar presente no universo para seu governo ou desgoverno. Tímidas palavras, com efeito, pois que nada ou muito pouco sabemos sobre estas matérias.
Em vários passos da sua obra, Hans Kung releva a existência de ordem no universo, a constância de leis nele existente, sem as quais ele não poderia subsistir nem acontecer a evolução. Falemos então, por exemplo, da inflexível lei da gravidade, uma das grandes leis que parecem reger o nosso(?) macro universo, falemos e façamos perguntas. Será que, a respeito desta pedrinha que seguro no ar entre os meus dedos, eu posso garantir em termos absolutos que, se a abandonar, ela cairá em terra? Será que a garantia da lei é anterior e mais soberana que os factos a essa lei respeitantes? A lei não foi concebida pelo homem para interpretar os factos? Quer dizer, ao desprender dos meus dedos a pedrinha, eu só posso garantir que, com toda a probabilidade, atendendo a casos anteriores e em circunstâncias habituais, ela cairá! Os factos é que são sempre soberanos, e não a sua interpretação. O ser humano bem os quer interpretar, mas eles também bem lhe poderão fugir!
Mas as coisas tornam-se ainda mais giras quando, com a física quântica e com a biologia molecular, entramos no reino das coisinhas pequeninas do nosso(?) micro universo! Porque aí impera mesmo o acaso, ou, se quisermos, a necessidade do acaso. Aí, as leis da natureza – leis que nós continuamos a fazer, mas não para imperar mas tão só interpretar – são as leis da necessidade do acaso!
Postas então estas e muitas outras coisas sobre a constância das leis que regem o nosso(?) macro e micro universo, Kung entende que, em vez de cairmos no “sem sentido”, na solidão e no desespero, é bom cairmos na razoabilidade confiante da existência de um Deus. Também acho que sim, meu caro Hans, acho que é mesmo muito bom! Mas vivermos esta nossa vida terrena – embora mortal mas ainda assim podendo ser uma delícia -, vivermos solidários com tudo o que nasce e morre para de novo nascer neste universo sem fim, pode não ser assim tão mau, tão desesperante e solitário. E será que, para viver e morrer bem, é necessário “dominarmos” o imenso universo, cingirmo-lo com o cincho dos nossos insignificantes saberes, dos nossos minúsculos sentidos? Por que buscamos tão afanosamente esses inexperienciáveis sentidos: por necessidade intelectual, ou por carência de conforto e por apelo do coração? São esses sentidos implicando realidades não experienciáveis, mais pedidos pela razão, ou mais pela necessidade de afectos?

sexta-feira, 27 de abril de 2012

62.4 - O Caso de Teillard de Chardin


4 - Caminhemos agora de visita a um cemiteriozinho, não outra vez ao soalheiro cemiteriozinho de há tempos (13.2), mas a um outro muito mais longínquo, de companhia com Hans, a ver se encontramos a sepultura onde repousam os restos mortais de uma pessoa querida. E só depois de muito longas viagens e de porfiados esforços, lá encontrámos a tão por nós procurada campa rasa, meio abandonada.
Padre jesuíta francês, professor, iluminado poeta da evolução cósmica, Teillard de Chardin (1881-1955) defendeu pontos de vista demasiado arrojados para o seu tempo, mas quase todos agora aceitos por Hans. Na verdade, também Kung se delicia com a fé e a poesia de Teillard de Chardin, segundo as quais, na evolução das coisas do universo, há algo de mais profundo nelas do que elas próprias.
Segundo Teillard de Chardin, citado por Hans Kung, o próprio Deus não está ainda completamente feito, mas vai-se fazendo e completando na evolução: “também ele é um processo em progressão (…), culminando no Cristo cósmico universal, que é a unidade da realidade de Deus e do mundo em pessoa” (pp. 112-113). Mas tendo em consideração o alto conservadorismo das instituições religiosas, não admira que estas ideias de Teillard e outras suas semelhantes, tenham levado à proibição de circularem na Europa todas as obras científicas do autor, o tenham ainda impedido de ensinar em escolas católicas do mesmo continente, e também levado a ele ser abandonado pela sua congregação religiosa e pela sua amada Igreja Católica. Nos últimos tempos da sua vida, foi a América (USA) que o acolheu, aí tendo ainda leccionado e finalmente morrido e sido sepultado.
Mas também Kung, ele próprio, tem posições demasiado arrojadas para o tradicional conservadorismo da “Congregação da Fé”. Na verdade, ele defende por exemplo “um entendimento dinâmico de Deus”; um Deus “simultaneamente transcendente e imanente ao mundo”; um Deus que “não intervém milagrosamente na história”; em suma, “Deus é a própria dinâmica, ele cria o mundo em si mesmo, ele mantém-no e move-o invisivelmente de dentro” (p. 121).
            Mas se Deus é uma realidade absoluta, eterna e perfeita, como pode estar ele em desenvolvimento? Em que consiste esse seu desenvolvimento? Não lhe traz mais perfeição? Não o situa também no espaço e no tempo? E as criaturas não continuam a ser só criaturas? Não haverá aqui poesia ou falácia metafísica? 

terça-feira, 24 de abril de 2012

62.3 - Sobre se Será Possível Conhecermos Deus


3 - Será que nós podemos conhecer Deus, ou ele é um objecto de conhecimento que ultrapassa as nossas capacidades de conhecer?
A este propósito, Hans Kung cita abundantemente o filósofo alemão Kant (séc. 18), seu compatriota, por cujo pensamento tem uma grande afeição. Cita-o, mas também o comenta. Por isso, o que segue são só citações e comentários: citações de Kant e comentários de Kung (p. 64).
Por trás da crítica de Immanuel Kant às provas da existência de Deus, não se esconde, como muitas vezes se julga, uma resignação quanto ao papel da razão. Ela baseia-se, pelo contrário, na convicção ético-religiosa extrema de que devem ser estabelecidos limites à razão (…). No prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura (…) Kant escreve: “Tive por conseguinte de superar o saber, para obter um lugar para a ”. Porque a fé para o crítico Kant, assim como para Rousseau, que ele tinha em alta consideração, era uma verdade do coração, ou melhor, da consciência, para além de todas as reflexões e demonstrações filosóficas: “A fé num Deus e num outro mundo está tão entrelaçada com o meu carácter moral, que, se corro pouco perigo de perder este último, tão-pouco receio que a primeira me possa ser alguma vez arrancada”, assim testemunha o próprio Kant no final da sua Crítica da Razão Pura. Mas, na opinião de Kant, cientificamente as provas da existência de Deus não são possíveis. (…) Também a pergunta pelo começo do mundo no tempo não é possível de resolver, segundo Kant. Porque não? “Todas as nossas conclusões que pretendem levar-nos para além do campo da experiência possível” são “ilusórias e infundamentadas” (p. 65). Kant está convencido de que a razão estende em vão as suas asas para, através do poder do pensamento sobre o mundo dos fenómenos, alcançar as “coisas em si” (algo que é necessário ao pensamento, mas não é transparente!) ou até para encontrar a Deus. (…). Mas (…), tal como faz com as provas em favor da existência de Deus, também Kant recusa as provas contra Deus. Porquê? Porque também elas estão para além do horizonte da experiência. (…) Kant está convencido de que a ideia de Deus é um conceito-limite teoricamente necessário que, tal como uma estrela remota, não é alcançável por um processo cognitivo, mas que poderá ser, ainda assim, visada como objectivo ideal (p. 66).
Deixámo-los falar os dois, e agora é a nossa vez de lhes formularmos perguntas: Se Kant não quer avançar mais com o labor da razão para que a fé não perca nele o seu lugar, isso não é, pelo menos, constranger o funcionamento da razão? Mas de onde e como pode nascer em nós a referida ideia de Deus ou conceito-limite que aparece na consciência, se ela não pode nascer da razão, por Deus ser incognoscível? Só poderá nascer do desejo e do coração! Mas podem as ideias ou conceitos nascer no/do desejo e no/do coração, ou são estes que rejeitam ou agarram as ideias ou conceitos que a razão elabora e a seguir lhes serve? Elaborará a razão o conceito de Deus, a partir da experiência do desejo e do coração? Mas depois, o desejo e o coração vão contentar-se com as ideias ou conceitos, ou querem obter mesmo as correspondentes realidades? Sim, porque ter a ideia de Deus ou esse conceito-limite não é o mesmo que ter a realidade significada, não é verdade? E porque é que esse conceito-limite é de todo necessário para alcançarmos os nossos conhecimentos das realidades deste mundo? Não será só para salvar “as coisas em si” da metafísica? Não formulamos os conceitos só a partir da nossa experiência? E essas realidades experimentadas não são só aquilo que delas nos vai aparecendo, começando pelas suas qualidades primárias, ou são algo mais?
Quer dizer, só se chegará a Deus, pelo salto ou mergulho da fé; e a realidade “Deus” será sempre e só, para os crentes, uma realidade acreditada, embora tenha de haver fundamento racional para essa crença. Fundamento racional, isto é, tudo à maneira de a função racional não ser constrangida e não resultar diminuída nesse processo, mas antes nobilitada, como no texto (14.1) se descreve.

domingo, 22 de abril de 2012

62.2 - Sobre o Tempo e sobre o Espaço


2 - Falemos agora sobre o tempo e sobre o espaço, logo no acto da criação. No livro em apreço, o autor escreve que, na Bíblia, “não se diz que no começo foi a explosão, mas “no começo foi a palavra, o querer, e fez-se luz: e fez-se energia, matéria, espaço e tempo”. E um pouco mais adiante acrescenta: “ de um ponto de vista teológico, o acto da criação é um acto sem tempo, por meio do qual se forma o tempo. E o tempo é tempo criado, tempo-espaço criado, espaço-tempo criado” (pp. 134-5).
Segundo Hans, portanto, Deus criou a energia, a matéria, o espaço e o tempo. Ele formou o tempo, “e o tempo é tempo criado, tempo-espaço criado, espaço-tempo criado”. Mas, perguntemos nós agora: tempo e espaço são mesmo realidades criadas ou são só conceitos nossos, com base nos quais nós medimos os seres criados?
Parece que, realmente, o tempo não existe, e portanto não foi criado! O que, na hipótese da criação, foi criado e realmente existe são as coisas, coisas todas elas feitas de vicissitudes, de mudanças externas e/ou internas, de movimento. Não será então o tempo só a medida das mudanças externas e internas dos seres, a medida desses movimentos segundo o antes e o depois?
Já há muitos anos que não via aquela pessoa, mas agora tornei a vê-la e fiquei desiludido. Como está mudada! Ostentava outrora um rosto tão bonito, tão risonho e brilhante, mas agora o rosto está desfigurado, enrugado, macilento, triste, acabado! É tudo isto um desgaste implacável que à pessoa foi infligido pelo tempo, ou foram as vicissitudes, as mudanças próprias do seu corpo e da sua alma, que eu agora estou medindo pela comparação que faço entre a sua juventude e a sua velhice? O tempo faz crescer e depois corrói as coisas, ou são as coisas que são assim mesmo, as quais crescem e depois entram em crescente corrosão? Quer dizer, o tempo, enquanto tal, será só uma abstracção que só o ser humano pôde conceber, inventando-o como e para medida das mudanças ou movimento dos seres.
O mesmo se poderá dizer em relação ao espaço, porque os corpos é que criam o espaço, criando cada um e também sendo o seu lugar. O espaço não será só a delimitação das coisas, ou as coisas delimitadas? A sua delimitação não será prova de que elas também são o seu espaço? Não foram já Descartes e Galileu que começaram a dizer que a extensão (res extensa) é a principal “qualidade primária” das coisas materiais? Para além delas, quanto a espaço e quanto a tempo, não haverá só os nossos conceitos e as nossas medidas, como são o milímetro e o metro e o quilómetro e os anos-luz? Qualquer coisa que seja material não terá de ser sempre também espacial e temporal? Só Deus, por ser eterno e ser espírito, não precisa de espaço e não é espaço, e está fora deste nascer e crescer e de depois ser corroído até morrer, não sendo portanto sujeito a mudanças. Ou será também a elas e ao espaço sujeito, como Kung parece dizer? Cá em baixo(!) portanto, entre os seres mundanos, é que há mudanças, como nos diz o imortal poeta:”Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (…) Todo o mundo é composto de mudança …”
Na hipótese de criação, portanto, Deus terá criado a energia e a matéria, sim senhor, mas nelas e em todos os seres que delas provieram, lá estão o espaço e o tempo também. Tudo faz o seu lugar ou espaço e é o seu espaço, mesmo, se acaso existe, o anti-corpo do vácuo. Aristóteles, por exemplo, não aceita o vácuo porque, segundo o filósofo, ele teria de ser um espaço vazio, “um lugar privado de corpo”, e a “a natureza não tolera o vazio”.E então, se não há espaço sem corpo nem corpo sem espaço, isso não é porque o espaço é propriedade do corpo? Por outro lado, tudo também está ensopado em vicissitudes, em mudanças, tudo é feito de vicissitudes ou mudanças, e a medida que inventámos para as aferir foi o tempo. Se não fosse o ser humano a medir com o tempo esse movimento, segundo o antes e o depois, nem se falaria do tempo.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

62 - O Princípio de Todas as Coisas, de Hans Kung

Olá, amigas e amigos! Mão amiga chegou-me há tempos um precioso livro, não muito grande, que o amigo e ela já tinham lido com atenção, lido e até sublinhado a vermelho ou azul consoante a maior ou menor importância das passagens. Com este seu gesto amigo e generoso, eles acertaram em cheio nos meus gostos e cuidados, e por isso, logo que pude, entrei na leitura da obra. Sucedeu porém que, para além das objectividades e subjectividades representadas no texto pelo autor e depois devidamente sublinhadas pelo primeiro leitor, eu comecei a sentir necessidade de pegar também no lápis e apor em sublinhado ou nas margens do texto alguns sinais da minha subjectividade. Vai daí que, então, eu tive de pegar num pouco das minhas magras economias para que, em dia de descontos na livraria, eu adquirisse mais um exemplar do livro e assim, à vontade, o pudesse ler e sublinhar e anotar e reler quanto e quantas vezes quiser!
O livro intitula-se “O Princípio de Todas as Coisas”, tem a autoria de Hans Kung e foi publicado nas Edições 70, em 2011, a partir do original alemão de 2005. Neste livro, o autor, filósofo e eminente teólogo católico, bem conhecido especialmente pela sua preocupação ecuménica, intenta pôr em diálogo a religião e a ciência, e bem assim defender que a crença em Deus é o melhor meio de lidarmos com os enigmas do universo e também com os nossos, nós que somos seres humanos desse mesmo universo.
O que aqui neste texto irá sendo apresentado é um despretensioso conjunto de notas meio soltas, talvez até um tanto repetidas, a propósito desse livro. Soltas e não acabadas, por as deixar sujeitas a futuras reformulações.


1 - Na pequena introdução ao livro - introdução intitulada “Faça-se a Luz” -, Hans Kung refere mais quatro vezes esse imperativo criador. É a famosa frase do início do Génesis, atribuída pelo bíblico narrador a Deus, com a qual este iniciou a criação do universo, começando pela luz. Mas a luz, a poderosa e enigmática luz, permanece ao longo de todo o livro; o livro está escrito sob o signo da luz; a luz é o seu início e o seu fim!
Einstein não acreditava no Deus bíblico mas tão só num deus imanente à evolução cósmica, como também não pensava que a Bíblia fosse divina, enquanto inspirada por esse Deus. Mas quando o cientista reparou que aquela luminosa explosão inicial (Big-bang) que, em termos científicos, teria dado início ao universo, era semelhante ao “Faça-se Luz” genesíaco, ele ficou muito surpreendido com tão admirável e importante coincidência. Admirável e importante porque isso dava firmeza à sua posição científica, não fosse para ele a Bíblia – ainda assim – um notabilíssimo repositório de sabedoria antiga.
Segundo a narrativa bíblica, o universo começou portanto com a criação da luz. E Hans Kung, que, nos começos do seu texto argumentativo declara que Deus é invisível e ininteligível e indefinível, agora, já como crente e com um grãozinho de poesia épica na sua escrita, confessa que “o bom Deus” é a “plenitude da luz”, “a luz arquetípica”, da qual procedeu esse inicial “Faça-se Luz” e toda a restante criação que veio a seguir. O cosmos, diz ele, não provém “apenas de uma explosão inicial”, mas dessa fonte original, que é a “plenitude da luz”. Ainda para Kung, a luz tem um “significado simbólico e religioso”: por um lado, sendo ela simultaneamente onda e partícula (dois elementos que se excluem mas também se complementam), é uma boa imagem de Deus, que é a um tempo eterno e temporal, distante e muito próximo, justo e misericordioso; por outro lado, a luz é em todas as religiões “uma extraordinária metáfora para designar Deus”. Ficará assim explicado, para Kung, porque é que Deus criou em primeiro lugar a luz, como também é relatado pelo bíblico narrador.
Mas pode apresentar-se aqui uma versão menos transcendente, mais prosaica e terrena, para que a luz venha no topo ou começo da acção criadora. O autor do relato bíblico da criação do universo era um homem crente em Deus criador e escrevia o seu texto para firmar outros nessa fé e fazer mais crentes. E como também era um autor inteligente, ele tinha forçosamente de começar a narrativa pela criação da luz! Pois, se não houvesse luz, como é que todas as outras coisas a criar podiam avultar e ser vistas? Para se criarem e serem vistas as outras coisas, tinha de se criar primeiramente a luz. Mas essa luz também não pode ser demasiada ou intensa porque, se for, ela desfoca a nossa visão das realidades, desfigura-as e até pode cegar.
Tudo muito simples portanto, nesta laica e natural explicação! Ou será, diversamente, que essa luz é a primeira evidência clara de que a luz é mais do que só luz, e portanto também as outras coisas a vir são mais do que só coisas? Neste caso, haveria a “meta-física” das coisas, na qual Hans tanto insiste ao longo de todo o livro. No entanto, e ao contrário, outros filósofos falam de falácias metafísicas, por entenderem que as coisas são só e simplesmente o que delas nos vai aparecendo e nada mais! E se é verdade que, quando vemos as coisas também vemos a luz por serem coisas iluminadas, luz e coisas nada mais parecem ser do que coisas.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

61 - A Velha Aliança

Vejo com agrado a fundação do “Clube Anglo-Português”, iniciativa de um atento grupo de cidadãos portugueses. Talvez fosse melhor chamar-lhe “Clube Luso-Inglês”, mas também está bem com o nome que lhe deram.
De facto, por variadas razões, nós estabelecemos e mantivemos sempre, apesar de tudo, aliança com os ingleses. Nós sabíamos que não podíamos subsistir como país independente sem nos voltarmos e crescermos para o lado do mar, e também precisávamos de quem nos defendesse dos perigos que nos vinham do continente.
Embora situados na Europa, estes dois países são portanto muito mais marítimos do que continentais. Além de que o pensamento inglês – vê-se agora muito bem – é muito mais realista, equilibrado e saudável do que o pensamento continental. O caso de Bertrand Russell e de Wittgenstein é nisso paradigmático.
De lá, do continente, partindo-se da louca convicção de assentar o pensamento na dúvida sobre o mundo, chegou-nos, em primeiro lugar, o louco e falacioso endeusamento dos conceitos de História, de Progresso e de Humanidade, a empurrar para a frente os seres humanos concretos; depois, em segundo lugar, veio-nos o sistema de pensamento da Razão Total – confuso sistema até para o próprio autor –, com as consequentes Estatolatria e Estatocracia, depois postas em prática por duas diversas e bem sinistras maneiras. Também nos chegou o positivismo, proposto por quem devia estar mais tempo no manicómio; e ainda, agora em nossos dias, aquela tosca figura de SarKomerkel, qual nova e caricata edição do muito antigo andrógino original.
Podemos agora imaginar o sábio e benevolente B. Russell, mestre e confidente de Wittgenstein, recebendo em sua casa a horas mortas, à procura de caminhos para a vida, o rapazola vienense, dessa “cidade de náufragos”. Rapazola que, na sua excessividade em devaneio e linguagem, como conta o seu mestre, chegou a “agradecer a Deus” - quem seria esse Deus – “por o ter preservado da banal saúde mental”.
Mais realista, equilibrado e saudável é o pensamento inglês, e isso indicia que assim é também a sua prática económica, social e política.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

60 - A Economia do Dom

O nosso Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, está de parabéns pela sua ideia de desenhar as rotas ou redes do nosso Património Histórico. Assim ele a consiga pôr no terreno, depois dos referidos desenhos.
Com o restauro de tantas unidades patrimoniais e a construção de estruturas de apoio para viajantes e turistas que queiram vir de visita, todo o país irá mexer! Interessadíssimos nisso estarão também os autarcas, que terão ocasião de acrescentar valor aos seus municípios com tal iniciativa. As próprias universidades poderão também entrar na concretização da ideia, redigindo e oferecendo o texto de guiões ou roteiros para tais visitas, os quais poderão ser mais breves ou mais desenvolvidos, consoante se destinarem a turistas ou a viajantes. Estes últimos, os viajantes da vida, porque apreciam e sabem ver as coisas de uma forma mais demorada, gostarão de ter nas mãos um guia ou roteiro mais circunstanciado.
Disse que as universidades redigiriam e ofereceriam essa sua colaboração. Elas oferecerem mesmo uma coisa dessas é uma ideia muito estranha, não é? É mas, com tal iniciativa, elas poderiam inaugurar entre nós a “economia do dom”! Sabemos muito bem que essa é uma economia utópica; os gorilas dos mercados pasmarão até com tal insensatez. No entanto, aquela oferta universitária podia abrir caminho, como modelo inspirador, para outros comportamentos generosos. Nestes, poderiam contar-se logo os das empresas com mais lucros, assumindo elas o patrocínio parcial ou integral do restauro de uma ou mais peças desse património.
O nosso país ainda vai sendo rico em generosidade, e as suas universidades e as mais rentáveis empresas poderão chegar-se à frente e dar os primeiros exemplos. A nível nacional, a invenção empreendedora, a generosidade e a determinação politica valem muito mais que todo o papel-moeda e arrumariam de vez a ganância virtual dos mercados.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

59 - Surfando no Oceaninho das Palavras de Jesus

1- Olá! É muito difícil, e muitas vezes até impossível, conhecer as exactas palavras e sentenças proferidas por Jesus (textos 23.1, 23.2 e 40). É que os autores dos evangelhos – autores para nós desconhecidos e que nem terão sido testemunhas (pelo menos da maioria) das palavras e factos narrados – não pretenderam escrever biografias de Jesus. Eles não escreveram livros de história, história objectiva e distanciada e completa desse Jesus que existiu historicamente, que falou e operou e fez amigos e discípulos que o foram acompanhando. Não escreveram livros de história, mas sim livros de fé. Eles (e os outros cristãos) foram seduzidos de tal forma por aquele amável Jesus, pelas suas palavras e feitos, que passaram a considerá-lo como o Messias, como o Cristo que as Escrituras tinham prometido para salvar o povo. Jesus, agora também Cristo, deixou de ser para eles uma figura neutra, só objectiva, mas sim alguém que se tornou parte substancial das suas vidas e sobre quem agora se propõem escrever. É sempre assim: se nós fizermos o relato da vida de uma pessoa que muito amámos ou que, ao contrário, muito detestámos, tal relato padecerá sempre de contaminações sentimentais, é tendencioso. O trabalho da razão em deslindar a objectividade dos acontecimentos da vida de cada uma será forçosamente perturbado pela força das emoções.
Os evangelhos são portanto livros escritos por crentes, pelo prazer de escreverem sobre essa amável figura que eles tanto acarinhavam, mas também para se firmarem nessa fé, bem como ainda escritos para fazerem mais crentes. Os que fizeram essas quatro compilações de textos sobre Jesus Cristo tinham em tão alto apreço essa figura que, nelas, muito dificilmente, lhe poderiam atribuir palavras e sentenças que viessem em seu desabono.

2.1 - Por tudo isto, o primeiro critério que temos, razoavelmente seguro, para descobrirmos nos evangelhos lídimas ou inconcussas palavras de Jesus é o seguinte: onde virmos atribuir a Jesus palavras ou sentenças que venham de algum modo em seu desabono, isso será prova de que tais palavras ou sentenças foram realmente proferidas por ele. A intensa luz da evidência documental terá vencido nos autores a sua resistência a cometerem o desabono. Ora, Jesus deve ter errado ao mostrar-se convencido de que estava próximo ou até iminente o fim dos tempos, assim tendo sido entendido pela comunidade cristã nascente, a qual terá pensado que a segunda vinda do Senhor se desse durante a sua geração (Mt, 24 e paralelos). Mas os anos uns sobre outros foram passando, e o Senhor glorificado não aparecia! Jesus deve ter errado, sim, mas, mesmo assim, os evangelhos mantêm essas suas afirmações: enquanto atribuídas a Jesus, apesar de estar enganado, ela são autênticas.
2.1.1 - Daqui decorrem, porém, coisas muito interessantes! Se Jesus estava convencido do iminente fim dos tempos, ele não teria proferido aquelas palavras célebres do evangelho de Mateus (16, 16-19), com as quais ele fundava a sua Igreja para séculos e milénios e dava o seu primado a Pedro! Aliás, estes versículos e seu conteúdo doutrinário não só não constam nos outros três evangelhos, como até nem constam em muitos manuscritos do próprio evangelho de Mateus, produzidos antes do imperador Constantino.
2.1.2 - O mesmo se diga em relação ao passo do final do mesmo evangelho (Mt28,16-20) no qual Jesus, agora já ressuscitado, aparece aos onze remanescentes discípulos e lhes comete a missão universal de fazerem discípulos entre todos os povos. Não sabemos se os onze puderam ouvir a sua voz, já que era a fala de um ressuscitado, nem podendo por isso até ser registada, se o houvesse, em qualquer suporte físico. Mas o que é mais provável - também aqui e pela mesma razão de não ter a intenção de fundar uma sua Igreja para séculos e milénios -, é que Jesus Cristo não as tenha proferido. Aliás, contra a menos verosímil missão de evangelização universalista imposta por Paulo, em vários passos dos evangelhos se ouve Jesus a dizer que tinha vindo só para as “ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Nós não sabemos quem procedeu a esses dois muito importantes aditamentos! Não sabemos, mas podemos fazer uma pergunta: a que cúria de igreja particular – igreja a ocidente, naturalmente – interessava ter o apóstolo Pedro como primeiro bispo, e para mais com o primado em relação a todas as igrejas particulares da Igreja universal, como pedem os dois textozinhos citados de Mateus, aditados ao original desse evangelho? Sobretudo depois de o imperador Constantino, já vivendo no Oriente, ter pretensamente doado a essa mesma igreja particular outras supostas regalias?

2.2 - Mas há um segundo critério para sabermos se determinadas palavras de Jesus são realmente autênticas: quando nos evangelhos se atribuem a Jesus sentenças de doutrina completamente nova, revolucionária mesmo, de todo fora do horizonte cultural do mundo judaico e grego e romano, em cujo seio se operaram esses acontecimentos e se fizeram tais relatos, também isso é prova de que o verdadeiro responsável por essa doutrina é mesmo esse Jesus. As passagens em que Jesus pede para positivamente amarmos os outros como nós nos amamos a nós mesmos, e sobremaneira aquelas em que roga para amarmos mesmo os nossos inimigos, isso são quase utopias, isso são princípios que nunca nenhum de entre os melhores pensadores e mestres do referido mundo cultural tinha descoberto e apresentado para conduta de todos os outros seres humanos! Dos outros e sua, e bem sabemos que foi mesmo isso tudo que Jesus pôs em prática na sua vida! A genialidade de tais princípios não lhe pode ser só atribuída; essa genialidade é sua mesmo, é autêntica!
Jesus fala sempre com autoridade, com segurança, com convicção, surpreendendo a todos pela sua sabedoria. Todos, sobremaneira os mais sabidos judeus dominadores das minúcias da Lei, se admiravam da sabedoria de Jesus. Onde terá ele aprendido, de modo a poder agora propor um ideário tão sublime? À primeira vista, poderia pensar-se ter-se procedido intencionalmente a uma espécie de eucaliptização do espaço cultural à volta de Jesus, de modo a que não fosse possível encontrar mestre ou mestres com quem ele tivesse podido aprender e colhido tão grande sabedoria, precisamente para ter de se recorrer, para cabal explicação, a uma sua condição divina. É que, em parte nenhuma desse mundo cultural houve ou havia quem ensinasse doutrina tão sublime! Mas o caso de um génio é precisamente o de antes dele e ao lado dele não ter havido ou não haver indícios que possam levar a essa genialidade! Não houve nem há indícios, mas a genialidade aparece, o caso está aí! Não foi também este o caso de Galileu? Todos estavam contra ele, sobretudo os sábios dos arcanos bíblicos, olhos severos armados de lunetas contra ele, doutores da Lei do Céu e agora também da Terra! E no entanto, sobre esta Terra que nós pisamos todos os dias, ele não se cansava de dizer “è pur si muove”, “e no entanto ela anda”!

2.3 - “Rabi(s)” eram os mestres da Palestina, no tempo de Jesus. Assim eram designados os doutores da Lei, mas também Jesus: os seus discípulos também lhe chamavam “rabi”. Era próprio de um “rabi” dominar muito bem as doutrinas da sua especialidade, de modo que ele não aceitava correcções ao seu próprio magistério, sugeridas sobretudo por pessoas não instruídas: um rabi não se enganava, nem mudava de ideias. Com Jesus, porém, apesar de o sabermos sempre dotado da maior autoridade e segurança em tudo o que dizia, isso não acontecia assim: ele aceitava mudar de ideias e corrigir a sua doutrina. Tal peculiaridade, portanto, constitui-se como novo critério.
Numa digressão de Jesus com os discípulos já fora da Palestina (Mt 15, 21-28), veio ter com ele uma mulher cananeia – portanto não judia mas pagã – que clamava alto e insistia com ele, rogando-lhe ajuda para uma filha muito doente. Ao princípio, Jesus não responde aos seus apelos, mas depois, com tamanha insistência, ele é levado a dizer-lhe que não tinha sido enviado “senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”, não sendo portanto justo que se tomasse “o pão dos filhos para o lançar aos cachorros”. Ao que ela logo retorquiu: “É verdade, Senhor, mas até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos”. Perante tão poderosa resposta, o mestre Jesus emendou a mão, mudou de ideias, e a menina ficou curada nesse instante.
Embora o passo narrativo se apresente um tanto estilizado, assim denunciando um arranjo de ordem formal pela rara beleza do discurso, a verdade é que a marca de Jesus e do seu magistério está nele bem evidente.

2.4 - Mas há pelo menos mais um outro critério, para se nos tornar evidente a autenticidade das palavras e atitudes de Jesus.
Além de saber sempre muito bem o que devia dizer e fazer, ele costumava ser uma pessoa muito calma, uma pessoa doce. Não obstante, naquele episódio dos “vendilhões do templo”(Mt 21,12-17), Jesus passou-se, levantou-se-lhe a tampa, armou escândalo, perdeu a sua habitual compostura doce. A quem interessava inventar este acontecimento, de que os quatro evangelhos dão conta, de modo a que, embora a Jesus atribuído, não fosse realmente autêntico? Não lhe trouxe este seu procedimento enormes inimizades entre os sequazes da religião oficial judaica? Não terá Jesus ditado ali a sua sentença de morte?
O evangelho de João, esse muito e mais que todos evangelho espiritual, é o mais acutilante e determinado na narração do acontecimento. Estando próxima a Páscoa, Jesus entrou no templo de Jerusalém para orar e também para estar com as pessoas que acorressem ao seu encontro. Mas perante o espectáculo com que os seus olhos logo se depararam, ele não resistiu, ele não pôde ter mão em si! Com um chicote de cordas, Jesus expulsa do templo os vendedores com os seus bois e ovelhas a vender, e bem assim os cambistas, derramando as moedas pelo chão e derribando-lhes as mesas. “Tirai isso daqui! Não façais da casa do meu Pai uma feira”!
Não procederia Jesus hoje da mesma maneira, com a mesma sanha e decisão, perante as bancas do mercado de capitais? Onde está hoje o templo profanado? Onde está o covil de ladrões? Não estarão nesta “ordem financeira” globalizada, sem rosto nem humanidade, que rapina o sagrado sangue das nações?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Âncoras, Marcos e Verdades

1 - Este mar imenso e manso que há pouco estava à minha frente, onde vários barquinhos dormiam no líquido azul e de onde meus olhos trouxeram uma profunda calma para a alma, é o mesmo que quando golfa furibundo, revolvendo terra e céu? De certo modo, não! Nestas outras alturas, de barquinhos parados e leves nada se avista nessa imensidão ondulante, e os barcos grandes, quando os há, para não serem devorados pela tempestade, ora lançam âncoras para se firmarem no mar alto quando o porto está fechado, ora fundeiam seguros no abrigo do porto.
Mas agora, deixada já a orla marítima e entrando pelos campos, há por aqui uma multidão de propriedades, terras de minifúndio, cada uma com seu dono. Para delimitar uma propriedade, são necessários geralmente quatro marcos, cada um deles em seu ângulo do terreno. São estes os quatro extremos, são por aqui adiante e por ali os confins e as estremas, cingindo dentro de si a propriedade.
Em termos objectivos, há marcos de vários tamanhos e feitios e materiais. Em terras calcárias e arenosas, como são estas, quase todos se limitam a ser uma não muito grande pedra da mesma sedimentar qualidade. E se essas pedras são moles por natureza, fáceis para serem erodidas pelo tempo e pelas intempéries, isso pouco dirá porque no terreno eles estão quase completamente enterrados e são sempre tratados com respeito pelos proprietários das respectivas terras. Noutros sítios, eles são de outros materiais e tamanhos, havendo mesmo, sobretudo mais antigos, altas pilastras de granito a meter respeito e até a lembrar menires.

2 - Tal como são as minhas propriedades, assim também são as outras coisas que tenho; assim é também o que eu penso sobre determinado assunto, tudo mais ou menos bem definido; assim é ainda aquilo que eu sou ou penso ser. É tudo uma questão de “de-fin-ir” os objectos, de os “de-limit-ar”. “Delimitar” ou “definir” é pôr marcos, ou marcar. Conhecer é marcar devidamente o objecto por e a conhecer.
Ora, se aqueles menires que acima encontrámos, de alguma forma representarem falos, então é com o falo que se marca e se conhece; então um tal Trujillo caribenho tem toda a razão, como se verá adiante, a razão ou as razões dos que afundam na terra e erguem ao céu … o(s) seu(s) menir(es)!

3 - Podemos então perguntar: onde se fundam ou fundeiam seguras as nossas assim ditas verdades, como acontece com os barcos grandes no mar, verdades definidas ou delimitadas, como acontece na terra dos campos? Que verdades fundamentais existem, onde possa fundear segura ou abrigar-se a vida humana?
Em duas figuras humanas, de alguma forma típicas, o Nobel Vargas Llosa dilucida com mão de mestre a intimidade da mente humana, assim desvelando também, nos dois casos vertentes, os fundamentos em que assentam suas mentes. Um exemplar ou figura, o primeiro e mais notado, é Sua Excelência, é o Benfeitor, é o generalíssimo Trujillo; o outro, contracenando com aquele, é o poeta, o doutorzinho, o bajulador, o presidente fantoche Balaguer.
“Acredita em Deus?”, perguntou-lhe Trujillo com alguma ansiedade, no gabinete presidencial; acredita “que há outra vida, depois da morte? O Céu para os bons e o Inferno para os maus? Acredita nisso”? Que às vezes duvidava, respondeu o outro, mas que chegara à conclusão de que não havia alternativa num mundo como o deles. Era preciso acreditar. “Se eu tivesse tido dúvidas, não teria posto de pé este morto”, retorquiu-lhe Trujillo. “Se tivesse esperado por um sinal do Céu antes de agir. Tive de confiar em mim, em mais ninguém, quando foi preciso tomar decisões de vida ou de morte. Algumas vezes, evidentemente, posso ter-me enganado”… E antes de sair do gabinete do presidente Balaguer, sem se despedir, ainda se lembrou de que, nessa noite, no remanso da sua casa de campo, “acariciaria o corpo de uma rapariga nua, terna (…) e teria uma longa e sólida erecção, como as de outrora”, assim anulando remorsos pelo assassinato de muitos opositores, e até de um urologista por simplesmente lhe ter diagnosticado erradamente “uma afecção cancerosa na próstata”, que punha por terra a continuação dos seus sucessos em sexo e o levaria rapidamente à morte.
Ao contrário, portanto, do eunuco e fantoche presidente Balaguer, que funda as suas verdades em Deus, Sua Excelência o Benfeitor e Generalíssimo Trujillho, ditador que exerceu o seu pérfido e nauseabundo ofício por mais de trinta anos na República Dominicana, assenta as suas verdades em si próprio, ou, mais propriamente, no seu membro de macho.

4 - Por seu lado, Martin Heidegger, famoso pensador alemão, ainda tentou o nacional-socialismo de Hitler, para aí encontrar a sua verdade. Encontrou-a? Encontrou ao menos a verdade do amor, em Hannah Arendt? O sinal combinado do acender da luz no seu gabinete de trabalho, dando para o parque – ele a trabalhar entre livros e Hannah entre as flores do parque -, daria a entender que sim, que a recebia àquela sua discípula, e com ela aconteceria, aos dois, o amor! Tal enlace porém não durou muito, soçobrando o amor.
Mas Hannah era muito lúcida, nada menos que o seu antigo mestre e depois amante. Sua alta lucidez bem ficou patente em vários campos do saber, e também neste assunto da verdade ou verdades, que ora nos está prendendo.
Segundo ela, a cadeia transmissora e também definidora das verdades - cadeia constituída pela Autoridade, Religião e Tradição; e verdades que afinal muitas vezes não passam de “falácias metafísicas” -, essa cadeia quebrou-se, ruindo também o edifício das verdades! Ruiu, mas há que procurar pelos escombros aquilo que pudermos aproveitar. E há de facto neles muito que aproveitar, até algumas jóias muito belas e valiosas, de muito mais valor – digo agora eu - que aquele “anel de rubi” que o cantor quis oferecer à menina!