sexta-feira, 22 de abril de 2011

TEXTO 16

Olá, meninas e meninos!
Trago aqui comigo no bolso uma coisinha que queria mostrar às meninas e aos meninos! Quero mostrar, mas há-de ser ali, no meio daquele bosque, entre altas e frondosas árvores, onde estamos muito mais à vontade e tranquilos. Pronto, já cá estamos. Então, é assim. Eu trago aqui no bolso um pedaço de cartão dobrado ao meio, remanescência de uma caixa de medicamento. E porque estava desocupado de escritas de um dos lados e portanto vazio e limpo, eu pude escrever lá uns tantos pensamentos de sabedoria oriental, que agora posso facilmente transportar comigo para ler e saborear quando quiser. É sabedoria milenar, muito antiga, mais antiga mesmo que a sabedoria ocidental, e se o ser humano é humano tanto aqui como lá, porque é que nós não podemos aprender também com ela, nós que estamos neste ocidental cantinho?
Mas o que é que estamos a ouvir? Olhem, é além, naquele pinheiro manso! Parece um par de pegas, todas branquinhas e pretas, e de rabo muito comprido. E são mesmo! Meninas e meninos, não são as aves que nos distraem da conversa; as nossas palavras é que delas nos distraem!
Na página da direita eu pude sintetizar, muito brevemente, três pequeninas histórias. Da primeira, escrevi só: o monge do “A sério?”. Era um monge budista muito bem afamado pela sua espiritualidade, a cuja pregação muitas pessoas acorriam, e que até oferecia em particular a sua ajuda a quem isso lhe pedia. Entre os discípulos a quem particularmente prestava ensinamentos, figurava uma garotinha bonita, com notórios predicados à vista – não só dele mas sobretudo de outros – e talvez também com alguns predicados escondidos, e por isso muito imaginados. Porque os paninhos com que ela se cobria seriam menos para mostrar do que para esconder, já que eram sobretudo para podermos imaginar! É que, nestes assuntos, se ostensivamente escancaramos o real, assim não dando pasto à imaginação, esse real a breve trecho redundará em desilusão! Mas para o monge, ainda assim, tal real, que já não pode iludir por não ser imaginado, talvez deva continuar a ser “forma” e por isso ainda ilusão! É o que vamos ver.
Prestava então o monge àquela mocinha, lições particulares de espiritualidade. E tudo correu muito bem, até que a menina intermitentemente deu em faltar, e depois nunca mais voltou. Aconteceu então que, passados mais alguns meses, ela viu-se obrigada a dizer aos seus pais que estava grávida, e que o bebé que em breve iria nascer do seu corpo era também filho do monge! Quando nasceu o bebé, alguém contou ao vento esta transbordante alegria, e como o vento toca em todas as direcções, toda a gente soube logo daquela paternidade, e o monge perdeu toda a sua boa reputação. Furiosos tinham ficado os avós, que agora com o menino nascido não estiveram com paninhos quentes! Levaram o bebé para casa do monge, e a este disseram: “Este menino é teu filho.”. “A sério?”, perguntou ele. E os avós continuaram: “Como é teu filho, ficas com ele. Toma-o!” E o monge ficou com o menino e foi-o tratando com extremoso afecto.
Um ano mais tarde, roída de remorso, a mãe do menino confessou aos seus pais que, afinal, o pai da criança era o filho do merceeiro da esquina! Logo os três foram ter com o monge e disseram: “Afinal, o senhor não é o pai do menino! Pedimos desculpa e vimos buscar a criança”. “A sério?”, perguntou o monge. E devolveu-lhes o bebé. Assim, caros meninos e meninas, talvez convenha nós fazermos como o monge, que “não” criava “resistência” aos acontecimentos que se relacionavam consigo, não ficando à mercê deles mas aceitando o que é.
Que é aquilo além, sobre aquele castanheiro bravo? Deixem-me ver bem. Olhem, são popas! “Popas? Eu quero ver as popas!”, interveio uma menina. Sim, são popas. Não vêem as cristas ou popas na cabeça delas?
Da segunda história, escrevi tão-somente: o sábio do lacónico “Talvez”. Era um sábio para quem as coisas que lhe iam acontecendo na vida não eram boas nem más. Simplesmente lhe aconteciam. “Teres recuperado a saúde foi uma coisa muito boa para ti, não foi”? “Talvez”, respondia ele. “Aquele acidente que há dias tiveste foi uma coisa horrível, não foi”? “Talvez”, respondia. Tal como ele, também nós podemos não julgar o que nos acontece, mas simplesmente aceitá-lo, simplesmente estar em sintonia com ele.
Para a terceira, escolhi a pequena frase “Tudo isto irá passar”. Era um rei que se sentia muito desanimado e triste, e por isso precisava de algo que lhe desse o equilíbrio, a serenidade e a sabedoria necessárias para poder levar uma vida boa. Andou por todo o reino á procura de sábios e prometeu fortunas a quem o pudesse ajudar, até que finalmente encontrou um que se dispôs a ajudá-lo, mas sem querer receber nada em troca porque tal ajuda não podia ter preço. Umas semanas volvidas, o sábio foi ao palácio real, e entregou ao rei um anel em ouro onde estava inscrita esta pequenina frase: “Tudo isto irá passar”. Nada é permanente na vida! As nossas tristezas e dores não durarão sempre, mas as grandes alegrias também sempre terão fim! A “impermanência” é a grande lição para a vida.
Que coisa bonita estou a ver ali, nos ramos daquela mimosa! São melros, pela certa. “Melros”? Sim, melros. Não vêem que são pretos e de bico amarelo? Só faltava agora eles cantarem para nós! E não é que cantaram mesmo, em delicioso trinado?
Vamos agora à página da esquerda, onde escrevi só umas coisas muito breves, aqui e agora um tanto desenvolvidas. Há a “consciência das coisas” (as percepções dos sentidos, as emoções e os pensamentos) e a “consciência dessa consciência”. Com esta nos vem uma grande “paz interior”, uma “paz-alerta”, enquanto, como em filme, aquelas impermanentes coisas estão passando, em primeiro plano. Com ela sentimos a nossa própria “presença”, o nosso “espaço interior”, o nosso “Eu subjacente” que se enche do silêncio do Universo!
Mas voltemos ainda ali, àquelas historiazinhas, e peguemos de novo nelas. “Não resistas, não julgues e tudo isto irá passar” são três degraus para descer em direcção à profundidade do silêncio! Será isto, meninas e meninos, será isto a apologia da inacção, do descompromisso e da fuga? No primeiro degrau, atendemos às emoções; no segundo, ao pensamento; e no terceiro sintonizamos por inteiro com o rio da vida! Será isto a apologia do descompromisso e da morte, ou será a vivência do “agora”, isto que é o “estar” e não o ir? Sintonizar com o rio da vida será ir, ou é só e simplesmente sintonizar? Eu vou nas águas do tempo, mas “sou só sintonização” com elas! Eu sou, indo. Só indo nas águas do tempo, eu posso estar no abrigo do “agora”. Frágil abrigo é este, sem dúvida, mas, ainda assim abrigo, onde sem medos me posso eternamente abrigar!
Um arrulhar de rolas, delicioso e breve, inunda agora todo o bosque. E a envolver o espaço, só permanece um profundo e acolhedor silêncio.

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