O amor é um assunto encantador, mas também muito sério. Quando o amor se fica pela superfície ou aparências, e se joga sobremaneira ao nível das paixões que do corpo sobem à alma, então, logo que esse fogo efémero se extingue, também esse amor, que nunca afinal fora amor, em breve cessará. Estejamos porém descansados(!) porque as sacrossantas regras do mercado virão em nosso auxílio, e assim, a mando delas, nos descartaremos da embalagem e do produto gasto ou inútil, e logo conseguiremos novo produto, segundo a última gama de ofertas! Só que, assim, meus meninos e meninas, não sendo o amor uma mercadoria e portanto não estando pronto em algures para levantar e levar, o verdadeiro amor fica-nos cada vez mais distante, e entramos em profunda solidão. Na realidade, o amor não é assunto de aparências mas assunto de fundo. Nem nos vem de fora de nós, mas nasce e cresce desde o centro de nós mesmos. Por isso, o amor não é ser amado, mas é sermos nós a amar. E se amarmos alguém a partir do centro de nós mesmos, e esse alguém nos responder também com amor e a partir do seu centro, então é que teremos a reciprocidade do amor, amarmos e sermos amados. Fromm já nos disse que o amor é amar, isto é, que o amor é uma actividade. Actividade que, além de ser actividade – note-se que a actividade de amar (ou dar) é mais importante que o objecto amado -, é uma actividade que se dirige a cuidar do ser amado, a responsabilizar-se por ele, a respeitá-lo e a conhecê-lo. Esparsas pela sua obra já referida, este autor apresenta muitas outras palavras e expressões a qualificar e a definir o amor: o amor é uma “atitude”, uma “orientação do carácter”, uma “faculdade”, uma “capacidade” um “poder da alma”, uma “actividade” que, nascida no meu “centro”, se dirige para o “centro” do ser que o outro é. Quando um homem diz “eu amo-te” a uma mulher, estas palavras podem vir só da superfície dele e atingir só a superfície dela. Mas se, nos dois e entre os dois, tais palavras estabelecerem uma “relação central”, ou seja, vierem do centro de um ser para o centro do outro ser, então isso é o verdadeiro amor. E neste amor verdadeiro, forçosamente eu amo também todas as outras pessoas incluindo eu próprio e outrossim a vida. Quando tais palavras são proferidas no contexto de uma relação central, “a vontade” – segundo nos diz Simone Weill citada por Fromm – “não as pode impedir”. Mas nós diríamos de outra maneira: não só a razão não no-las pode impedir, como até concorda com elas e apoia esse “ousado mergulho” na transcendência da vida, que os dois estão vivamente experienciando. E então, além de experienciarmos o profundo amor por alguém e pela vida, na qual toda a Humanidade se inclui, experienciamos também o amor por nós mesmos, sobremaneira saboreando esse admirável conúbio entre a razão, por um lado, e o instinto e o coração, por outro. Chama-se “estado oceânico” ao sentimento de fusão e de unidade, o qual é “a essência da experiência mística e a raiz da mais intensa sensação de união com outrem”. O ser humano aparece, na evolução, quando aquele bicho se surpreende a si mesmo ao mergulhar no poço da sua subjectividade, que o faz distinto e separado de todos os outros seres. Tal separação e isolamento terão sido uma terrível sensação de solidão. Mas, tal como ser de solidão, por natureza, o ser humano também é, naturalmente, um ser solidário: aquela congénita imcompletude pode saciar-se com a abundância do amor. É claro que o contraste entre o abismo dessa congénita carência, na solidão, e o abismo dessa abundância, no amor, terá sido, então, em comparação com os tempos que agora correm, menos nítido e informe, pelo motivo de então não existir ainda qualquer refinamento evolutivo da raça humana. Porém, hoje, entre os humanos, campeiam a angústia e até o desespero, por causa da solidão, enquanto é rara a suprema alegria no amor. Aqui está, meninas e meninos, aqui está como duas realidades diversas confluem numa só. No profundo centro de nós mesmos, conhecer é amar, e amar é conhecer. O “ousado mergulho” na transcendência da vida constitui-se do mais profundo amar e conhecer. A esta conclusão chega a tradição cultural ocidental, por exemplo pela mão de Erich Fromm. Nascido em 1900 na Alemanha, onde estudou em várias universidades e se doutorou com 22 anos, Fromm viria a abandonar o seu país-natal, profundamente incomodado com guerras e com o nazismo, radicando-se então nos Estados Unidos e depois tornando-se cidadão deste país. Educado no judaísmo, segundo a tradição da sua família, ele abandonou a religião judaica quando tinha 26 anos. Mais tarde, ele explicou este abandono, nos seguintes termos: “Abandonei as minhas crenças e práticas religiosas porque não quis fazer parte de qualquer instituição que dividisse a raça humana, quer em termos religiosos, quer em termos políticos”. Mas também à mesma conclusão, embora por caminhos diferentes, chega a tradição cultural do Oriente. Mas sobre isto conversaremos noutra ocasião.
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