domingo, 29 de março de 2015

285.2

2 - Na remota altura em que temporariamente estive num lar – não logo ao princípio mas um pouco mais para diante, - a enfermeirazinha, uma das três jovens já referidas, abeirou-se delicadamente de mim e disse mais ou menos isto: “O senhor João anda muito isolado: junta-se pouco aos outros residentes”. De facto, eu tinha já passado a desagregar-me do rebanho pastoreado pela psicóloga nas horas comunitárias, e a refugiar-me no meu quarto. É que, como começasse a ver vários utentes a passarem-se dos carretos, tive receio de também descarrilar e por isso mergulhei na leitura. Não na leitura de novelas leves ou semelhantes coisas que pedem pouca atenção e nenhuma elaboração mental, mas na leitura de livros de bons pensadores que um generoso amigo me enviava emprestados, os quais me obrigavam a pensar profundamente, e até algumas vezes a dizer para mim: “Eh pá, eu nunca tinha pensado nisto"! É uma grande felicidade alguém surpreender-se a dizer a si mesmo esta ou outra expressão semelhante. Elas são indício de uma descoberta que fazemos, muitas vezes até sobre nós mesmos, enfim sobre a nossa comum condição humana. Quem fala destas descobertas que fazemos com a ajuda de bons mestres, também pode por outro lado referir as perguntas e dúvidas que aí nos ficam sem resposta, talvez mais tarde encontrada ou simplesmente nunca.

Quando me contactou, a enfermeira pensava que eu me isolava no quarto, mas não. Aí, lendo o livro que estava à minha frente, eu estava mais acompanhado do que muitas vezes no salão com os outros utentes, se bem que fossem todos amorosos. Podemos sentir-nos isolados numa grande assembleia ou multidão, e muito bem acompanhados quando estamos sozinhos.

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