1 - Olá! Já no texto 201, em que abordámos
de uma forma muito breve o tema de Deus
ou Deuses em Ricardo Reis
(Fernando Pessoa), se pôde
subentender um outro tema, aliás correlativo daquele primeiro, e que é o tema
da Fé Religiosa, o qual aqui e agora
abordaremos também com brevidade. Naturalmente que, quando há deuses para os
homens, é porque muitos destes, se não todos, acreditam naqueles e naquilo que
eles nos podem conceder.
Tornemos a
citar 3 versos de Ricardo Reis, já referidos no texto 201: (Eles, os deuses)
/Vêm fazer-nos crer / (…) / Que o mundo é mais extenso / Que o que se vê e
palpa”. Desta forma, ter fé é acreditar que as coisas são mais que coisas (pois
são coisas criadas por Deus) e também, muitas vezes, acreditar que as nossas próprias
ideias são mais que simples conceitos (subjectividades nossas), por se presumir
elas serem as verdadeiras e eternas realidades: Deus, as principais ideias da
nossa alma, etc. É assim todo o nosso mundo metafísico a ser aqui implicitamente
posto em causa, como explicitamente irá fazer o heterónimo Alberto Caeiro no
poema 210.
2 - Mas há em Ricardo Reis uma ode
em que ele explicita com abundância o tema da fé dos crentes (330), ode que,
por isso, não podemos deixar de citar numa sua grande parte:
“Vós que, crentes em Cristos e
Marias, / Turvais da minha fonte as claras águas / Só para me dizerdes / Que há
águas de outra espécie // Banhando prados com melhores horas - / Dessas outras
regiões pra que falar-me / Se estas águas e prados / São de aqui e me agradam?
// Esta realidade os deuses deram / E para bem real a deram externa. / Que serão
os meus sonhos / Mais que a obra dos deuses? // Deixai-me a Realidade do
momento / E os meus deuses tranquilos e imediatos / Que não moram no Vago / Mas
nos campos e rios. // Deixai-me a vida ir-se pagãmente / Acompanhada p’las
avenas ténues / Com que os juncos das margens / se confessam de Pã. // Vivei
nos vossos sonhos e deixai-me / O altar imortal onde é meu culto / E a visível
presença / Dos meus próximos deuses”.
3 - Neste poema, o sujeito poético dirige-se
e interpela os crentes dizendo-lhes que a fé deles turba e perturba as águas claras
desta vida terrena. Ela faz com que as boas coisas e alegrias desta vida nunca
pareçam realmente verdadeiras e boas porque a fé promete coisas e alegrias
muito melhores.
Diz-lhes que esta realidade terrena
é que lhe agrada, uma realidade externa e por isso mesmo um “bem real”. O que o
sonho da fé dos crentes promete são maquinações dos deuses.
Explica que a realidade que lhe
agrada é a realidade do momento, com seus visíveis e próximos e tranquilos
deuses (Ceres, Apolo, Vénus, Pã …), os quais não moram no vago mas “nos campos
e rios”.
Ele deixa a sua vida ir-se pagãmente
… mas essa vida também é de algum modo sagrada! Pois na pagã vida que escolheu
e vive também há um altar e um culto, o culto a esta mesma vida terrena, aos
seus próximos deuses e ao momento do agora que na vida está vivendo.
Esses “inúteis” crentes, enfim, que
se ocupem, como é de sua vontade e lhes pede a sua fé, em sonhar em algo de
melhor do que esta vida, mas que deixem para ele esta vida terrena sem lhe
turvarem as águas, para que possa consolar-se com essas “claras águas”.
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