Primeiro Acto
De longo vestido
descendo até aos pés, cajado na mão direita e uma bolsinha na esquerda, a
Pastorinha vai ao encontro de mais pastores e fala com eles:
Andam à procura, como eu, vocês? (…) Eu ando à procura de um
menino que nasceu! (…) É o menino desejado! Não sabem quem é o Desejado? (…)
Então, eu vou explicar. Segundo escrituras antigas, é um menino que acaba de
nascer por aqui, nesta região. Ele é o Desejado das nações, porque é ele quem
nos vem salvar.
Digam-me, pois: não sabem nada sobre esse nascimento? (…)
Então, estão a dizer-me que tem havido por aqui muitas pessoas mortas e
estropiadas de guerra, e que também nada sabem sobre esse menino, que é filho
de uma virgem e nasceu numa gruta abandonada?
(…) Ah, mas se aqui perto, há pouco, morreu um menino numa
cabana trespassado por uma bala ou uma lança, ao pé de sua mãe, não pode ser
esse de quem eu ando à procura. Porque antes de morrer, ele há-de viver,
ensinar e fazer milagres, e só depois morrer, para nos salvar!
Segundo Acto
Vê-se agora que vêm
chegando, em suas montadas, três reis, os reis magos. Vê-se logo que são reis
pelas reais coroas que trazem na cabeça, e também se vê que querem fazer
perguntas, mas a Pastorinha também:
Que vindes fazer, Suas Altezas Reais, que vindes fazer por
aqui? Vindes à procura do menino prometido que há-de salvar as nações? (…) Ora
eu que pensava que vinham guiados por uma estrela para encontrar o Salvador prometido e oferecer-lhe presentes, e vós
dizeis-me que vindes é fugidos de guerras, e que tal estrela não era outra
coisa senão um risco de fogo no céu, arma teleguiada para vos matar!
(…) Não sabeis nada, então, do Prometido às nações, e agora
me dizeis também que, vós próprios, como reis de nações, também prometeis por
vezes coisas aos vossos súbditos, só por eles as desejarem!
Terceiro Acto
Parece agora que a Pastorinha está
sozinha em palco: a nós, e também a ela, isso parece. No entanto, todos vamos
verificar – ela também - que não é assim! Porque a Pastorinha, de facto, fala
com alguém:
(…) Ah, sim, agora estou a ver a importância que temos de
dar ao nosso auto-conhecimento! (…) Isso mesmo: antes ou até ao mesmo tempo que
procuramos saber se há para nós um Desejado ou até um Desejado e Prometido Salvador divino, é preciso
conhecermo-nos a nós mesmos: vermos sobretudo a força dos nossos desejos, e a
distância que há entre eles e a sua concretização - às vezes possível, outras
não - , em realidades objectivas. (…) Exactamente! E então a pergunta que neste
caso me parece que deverá ser feita é: há, de facto, em
Cristo-que-é-o-Jesus-da-fé, um real Salvador divino para a humanidade, ou somos
nós que simplesmente o desejamos, e depois objectivamos e no-lo prometemos a
nós mesmos?
(…) Isto é – atrevo-me eu própria a concluir -,
auto-conhecer-nos já é ir operando, continuamente, o nosso renovado nascimento,
ir apresentando ao mundo esse contínuo e vivo Auto de Natal em que o enredo é a
nossa própria vida. Vida auto-conhecida, tanto quanto possível, sempre aberta
ao contínuo milagre desta vida que nos possui, sem excluirmos continuar a olhar
– notemos bem - para essa “desejada promessa divina”. E quanto mais nos
auto-conhecermos, mais a realidade das coisas estará ao nosso alcance.
Aqui, corre-se o pano,
o qual foi só imaginário, pois que o Auto se imaginou só para ser lido, e não
para ser representado.
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