segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

199 - Auto de Natal e dos Reis Magos

Primeiro Acto
De longo vestido descendo até aos pés, cajado na mão direita e uma bolsinha na esquerda, a Pastorinha vai ao encontro de mais pastores e fala com eles:

Andam à procura, como eu, vocês? (…) Eu ando à procura de um menino que nasceu! (…) É o menino desejado! Não sabem quem é o Desejado? (…) Então, eu vou explicar. Segundo escrituras antigas, é um menino que acaba de nascer por aqui, nesta região. Ele é o Desejado das nações, porque é ele quem nos vem salvar.
Digam-me, pois: não sabem nada sobre esse nascimento? (…) Então, estão a dizer-me que tem havido por aqui muitas pessoas mortas e estropiadas de guerra, e que também nada sabem sobre esse menino, que é filho de uma virgem e nasceu numa gruta abandonada?
(…) Ah, mas se aqui perto, há pouco, morreu um menino numa cabana trespassado por uma bala ou uma lança, ao pé de sua mãe, não pode ser esse de quem eu ando à procura. Porque antes de morrer, ele há-de viver, ensinar e fazer milagres, e só depois morrer, para nos salvar!

Segundo Acto
Vê-se agora que vêm chegando, em suas montadas, três reis, os reis magos. Vê-se logo que são reis pelas reais coroas que trazem na cabeça, e também se vê que querem fazer perguntas, mas a Pastorinha também:

Que vindes fazer, Suas Altezas Reais, que vindes fazer por aqui? Vindes à procura do menino prometido que há-de salvar as nações? (…) Ora eu que pensava que vinham guiados por uma estrela para encontrar o Salvador prometido e oferecer-lhe presentes, e vós dizeis-me que vindes é fugidos de guerras, e que tal estrela não era outra coisa senão um risco de fogo no céu, arma teleguiada para vos matar!
(…) Não sabeis nada, então, do Prometido às nações, e agora me dizeis também que, vós próprios, como reis de nações, também prometeis por vezes coisas aos vossos súbditos, só por eles as desejarem!

Terceiro Acto
Parece agora que a Pastorinha está sozinha em palco: a nós, e também a ela, isso parece. No entanto, todos vamos verificar – ela também - que não é assim! Porque a Pastorinha, de facto, fala com alguém:

(…) Ah, sim, agora estou a ver a importância que temos de dar ao nosso auto-conhecimento! (…) Isso mesmo: antes ou até ao mesmo tempo que procuramos saber se há para nós um Desejado ou até um Desejado e Prometido Salvador divino, é preciso conhecermo-nos a nós mesmos: vermos sobretudo a força dos nossos desejos, e a distância que há entre eles e a sua concretização - às vezes possível, outras não - , em realidades objectivas. (…) Exactamente! E então a pergunta que neste caso me parece que deverá ser feita é: há, de facto, em Cristo-que-é-o-Jesus-da-fé, um real Salvador divino para a humanidade, ou somos nós que simplesmente o desejamos, e depois objectivamos e no-lo prometemos a nós mesmos?
(…) Isto é – atrevo-me eu própria a concluir -, auto-conhecer-nos já é ir operando, continuamente, o nosso renovado nascimento, ir apresentando ao mundo esse contínuo e vivo Auto de Natal em que o enredo é a nossa própria vida. Vida auto-conhecida, tanto quanto possível, sempre aberta ao contínuo milagre desta vida que nos possui, sem excluirmos continuar a olhar – notemos bem - para essa “desejada promessa divina”. E quanto mais nos auto-conhecermos, mais a realidade das coisas estará ao nosso alcance.

Aqui, corre-se o pano, o qual foi só imaginário, pois que o Auto se imaginou só para ser lido, e não para ser representado.


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