1 -Olá, amigas e amigos! Já aqui neste
blog falámos de um caracol (texto 12), doente e velhinho caracol, com as suas
pontinhas batendo à porta e querendo entrar num lar de idosos.
Ele estava colado a um muro alto, em pleno Inverno , mas
verificou-se que já era velhinho e doente. Por isso, ajudámo-lo a chegar a uma
instituição onde se dá guarida a velhinhos e doentes, talvez abrigo onde
pudesse dar entrada, ser assistido e passar o resto dos seus dias.
A enfermeirazinha de serviço recebeu-nos
e, entrelaçando palavras com risinhos, a ela fomos dizendo ao que vínhamos.
Ainda em seu floreado de palavras e risinhos, foi afirmando que só havia uma
vaga, mas só para menina. Ter-se-ia portanto de saber, antes de mais, se ele
era menino ou menina. E não satisfeita de exigências, foi dizendo mais que, sem
minucioso relatório médico, ninguém lá podia entrar. Em suma, exigência sobre
exigência, muitos embaraços difíceis de vencer …
2 – E agora, ainda neste romance
sobre o “Poverello” de Assis, um outro caracol nos aparece, não para entrar num
convento ou num lar de velhinhos, por já velhinho, mas a querer introduzir-se,
imaginem só … no paraíso! Nada menos que no paraíso! (p. 114)
É uma bela e verdadeira canção que
Francisco inventou e que agora vai contar e cantar ao irmão Leão, que por sua
vez no-la está a relatar. O “Pobrezinho” já tinha criado e cantado canções à
lama, à chuva, ao vento … e então, porque não havia de compor e cantar também
uma canção ao caracol?
“- Irmão Leão, compus uma pequena
canção. Queres ouvi-la?
- Não é altura para improvisar
canções, irmão Francisco – respondi agastado.
- Se as não fazemos agora, quando as
faremos, irmão Leão? Escuta: o primeiro pequeno animal que se apresentou à
porta do paraíso foi o caracol. Pedro inclinou-se e acariciou-o com a ponta de
um pau: “Que vens aqui procurar, caracolzinho?” perguntou-lhe. “A
imortalidade”, respondeu o caracol. Pedro soltou uma gargalhada. “A
imortalidade? Que farás tu dela, da imortalidade?” “Não rias”, replicou o
caracol. “Não sou eu uma criatura de Deus? Não sou filho de Deus, como o
arcanjo Miguel? Eu sou o arcanjo Caracol!” “E onde estão as tuas asas de ouro,
as tuas sandálias vermelhas e o teu gládio?” “Estão dentro de mim. Eles dormem
e esperam” “Esperam o quê?” “O grande momento!” ”Mas que grande momento?”
“Isto”, respondeu o caracol. E enquanto dizia esta palavra dava um salto e
entrava no paraíso”.
3 – No primeiro texto (148),
falou-se do Deus que é “a procura de Deus”. No segundo (149), fomos ao encontro
desse Deus. Francisco encontrou-o nos pobres e nos leprosos, mas também nas
ervas do campo. Neste terceiro, estamos constatando que não nos será difícil
encontrar e entrar no paraíso, nessa procura de Deus.
De facto, estamos longe de Deus e do
paraíso, quanto só um saltinho de caracol! Isto é, estamos tão pertinho que,
para entrarmos em Deus e no paraíso, nos bastará um saltinho de caracol, ou
seja, suficiente nos será um novo olhar de alma sobre as coisas e sobre a vida.
Vermos tudo de outra forma, ou vermos com renascida alma. Vermos tudo divino …
na sua profundidade humana. Novo olhar dormindo em nós, sempre à espera que o
acordemos e lhe demos asas.
Tudo isto, porém, só acontecerá se
nos esvaziarmos de nós mesmos, formos pobres, possuídos de fome e sede e tendo
frio e porventura ainda outros sofrimentos, como o “Poverello” teve e nos
ensina. Por si mesmo, o sofrimento não abre essas portas, não é salvador, mas
às vezes é preciso porque só com ele se eleva a têmpera da alma até ao alto ponto
em que, ela própria, as abrirá (texto 147).
Quando Francisco abraçava um pobre
e, acima de tudo, abraçava e beijava os lábios de um rosto a apodrecer, ele
tinha a absoluta certeza de que abraçava e beijava Deus e de que isso era para
si o paraíso.
Não temos muitas certezas. Quando muito,
probabilidades e uma que outra certeza, sim senhor, mas sempre a termos de as
rever. Em certezas, também bom é, de facto, sermos pobres: não termos muitas,
mas só o estritamente necessário, como Francisco. Porque, quanto mais também essa
pobreza cultivarmos, mais ricos seremos em humanidade.
Será que em nós já dormem Deus e o
paraíso? Se assim é – e será mesmo –, basta que os acordemos e vivamos em conformidade. E
então, já aqui no paraíso, como Francisco, comporemos também a nossa canção, e
também haveremos de a cantar e dançar!
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