domingo, 21 de abril de 2013

148 - Sobre o Pobre de Assis


1 - Olá, amigas e amigos! A eleição de um papa com o nome de Francisco – nome pela cúpula eclesiástica esquecido e nunca usado para tal efeito – dá-nos ensejo para revisitarmos um muito belo romance de Nikos Kazantzaki, em português com o título S. Francisco de Assis, (Arcádia, s.d., Lisboa), mas, na edição original francesa, com o menos pretensioso título Le Pauvre d’Assis, saído a lume em 1957. E como é um livro sobre essa cativante figura, é de todo natural que também nele se fale muito de Deus.
Quase logo ao princípio, já caminhando com Francisco e os dois andando já à procura de Deus, o companheiro Leão, aqui também narrador, pergunta a Francisco: “Como te aparece Deus quando te encontras só, na obscuridade”? E o “Pobrezinho” responde: “Como um copo de água fresca, irmão Leão (…) Tenho sede, bebo a água desse copo e fico dessedentado para a eternidade”. “E alguns anos mais tarde” – conta Leão logo a seguir e em prolepse narrativa – Francisco continua a dizer-lhe o que Deus é: “Deus é um incêndio, meu irmão”. (p. 22)
E um pouco mais adiante na narrativa, Francisco vai dizer ao companheiro, sobre Deus, algo tão importante quanto surpreendente: “Quem sabe – murmurou ele depois de um curto silêncio – se Deus não é justamente a procura de Deus”! (p. 34)

2 - Bem sabemos que o grande responsável por tudo o que se escreve na obra é o seu autor e criador, que, por isso, põe muito da sua subjectividade (mera subjectividade ou mesmo convicções) naquilo que as personagens vão dizendo e fazendo. Ainda assim, ele põe na boca da personagem principal esta quase afirmação arrojada, por, na boca dela, não a achar disparatada mas verosímil.
É claro que, logo a seguir, o autor não deixa de pôr surpresa e sobressalto nas duas personagens em virtude do que acaba de se afirmar, surpresa e sobressalto bem evidentes naquilo que faz narrar ao narrador e companheiro Leão:
“Estas palavras sobressaltaram-me. Também Francisco teve medo, pois que escondeu a sua face entre as mãos.
- Que demónio fala pela minha boca? – gemeu ela, desesperadamente.
No que me respeita, tremia, preso de estupefacção. Deus seria a procura de Deus? Calámo-nos. Os olhos de Francisco tinham-se fechado. As suas faces tornaram-se vermelhas e os dentes entrechocavam-se”.

3 - Tais surpreendentes palavras, da autoria de Nikos e aqui surpreendentemente atribuídas a Francisco, têm hoje, entre nós, perfeito cabimento. De facto, Deus, muito embora possa ser de facto mais, terá de ser também e sobretudo esta procura por ele; é estarmos despertos para o procurar; é perguntar; deve ser sobretudo duvidar, já que a dúvida é o nosso principal alimento mental. Quando deixarmos de o procurar, por já termos absolutas certezas, ele irá fugir-nos de entre os dedos da alma, esfumar-se-á, desaparecerá. E se algo ficar, isso serão ídolos. Mas vale a pena essa demanda, vida fora, como já aqui foi dito de forma mais ou menos velada em vários sítios, de forma muito explícita no texto 18 – Conversando com Francisco (ou José).

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