1 - Olá, amigas e amigos! A eleição
de um papa com o nome de Francisco – nome pela cúpula eclesiástica esquecido e
nunca usado para tal efeito – dá-nos ensejo para revisitarmos um muito belo
romance de Nikos Kazantzaki, em português com o título S. Francisco de Assis, (Arcádia, s.d., Lisboa), mas, na edição
original francesa, com o menos pretensioso título Le Pauvre d’Assis, saído a lume em 1957. E como é um livro sobre
essa cativante figura, é de todo natural que também nele se fale muito de Deus.
Quase logo ao princípio, já caminhando
com Francisco e os dois andando já à procura de Deus, o companheiro Leão, aqui
também narrador, pergunta a Francisco: “Como te aparece Deus quando te encontras
só, na obscuridade”? E o “Pobrezinho” responde: “Como um copo de água fresca,
irmão Leão (…) Tenho sede, bebo a água desse copo e fico dessedentado para a
eternidade”. “E alguns anos mais tarde” – conta Leão logo a seguir e em
prolepse narrativa – Francisco continua a dizer-lhe o que Deus é: “Deus é um
incêndio, meu irmão”. (p. 22)
E um pouco mais adiante na
narrativa, Francisco vai dizer ao companheiro, sobre Deus, algo tão importante
quanto surpreendente: “Quem sabe – murmurou ele depois de um curto silêncio –
se Deus não é justamente a procura de Deus”! (p. 34)
2 - Bem sabemos que o grande responsável
por tudo o que se escreve na obra é o seu autor e criador, que, por isso, põe
muito da sua subjectividade (mera subjectividade ou mesmo convicções) naquilo
que as personagens vão dizendo e fazendo. Ainda assim, ele põe na boca da
personagem principal esta quase afirmação arrojada, por, na boca dela, não a
achar disparatada mas verosímil.
É claro que, logo a seguir, o autor
não deixa de pôr surpresa e sobressalto nas duas personagens em virtude do que
acaba de se afirmar, surpresa e sobressalto bem evidentes naquilo que faz
narrar ao narrador e companheiro Leão:
“Estas palavras sobressaltaram-me.
Também Francisco teve medo, pois que escondeu a sua face entre as mãos.
- Que demónio fala pela minha boca?
– gemeu ela, desesperadamente.
No que me respeita, tremia, preso de
estupefacção. Deus seria a procura de Deus? Calámo-nos. Os olhos de Francisco
tinham-se fechado. As suas faces tornaram-se vermelhas e os dentes
entrechocavam-se”.
3 - Tais surpreendentes palavras, da
autoria de Nikos e aqui surpreendentemente atribuídas a Francisco, têm hoje,
entre nós, perfeito cabimento. De facto, Deus, muito embora possa ser de facto
mais, terá de ser também e sobretudo esta procura por ele; é estarmos despertos
para o procurar; é perguntar; deve ser sobretudo duvidar, já que a dúvida é o
nosso principal alimento mental. Quando deixarmos de o procurar, por já termos
absolutas certezas, ele irá fugir-nos de entre os dedos da alma, esfumar-se-á,
desaparecerá. E se algo ficar, isso serão ídolos. Mas vale a pena essa demanda,
vida fora, como já aqui foi dito de forma mais ou menos velada em vários
sítios, de forma muito explícita no texto 18 – Conversando com Francisco (ou José).
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