segunda-feira, 12 de novembro de 2012

108 - Já Lá Dizia Luís Vaz


1 - Olá, amigas e amigos! Lembram-se daquele Luís Vaz que espalhou a nossa glória por todas as nações, não lembram? Daquele que, com engenho e arte - isto é, com habilidades naturais mas também com as qualidades adquiridas da arte e do talento –, cantou e espalhou por “toda a parte” a nossa gesta marítima da Índia e, a par dela, toda a nossa história pátria até então?
Pois é! Ele cantou, mas também chorou! Também chorou e lamentou grandes desmandos em que já nessa altura andávamos metidos. Ora vejam, por exemplo, logo no final do primeiro canto (estrofe 106); vejam aí o poeta que, para fugir da alta procela que eram as dificuldades e perigos por que passava – a qual para nós hoje são sobretudo a gula dos mercados e a ganância do Estado – se lamenta e pergunta: “onde pode acolher-se um fraco humano, / onde terá segura a curta vida, /que não se arme e se indigne o céu sereno / contra um bicho da terra tão pequeno?”
Ele canta, sim, canta e espalha a boa fama de “as armas e os barões assinalados”, mas de todo não canta e só lamenta aqueles que sucumbem em indignidades, como se vê no canto sétimo (84-86): “Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse / a quem ao bem comum e do seu rei / antepuser seu próprio interesse, / immigo da divina e humana lei…// …Nem quem …veio, / por contentar o rei, no ofício novo, / a despir e roubar o próprio povo! // Nem quem acha que é justo e que é direito / guardar-se a lei do rei severamente, / e não acha que é justo e bom respeito / que se pague o suor da servil gente; nem quem cuida que é prudente taxar, com mão rapace e escassa, os trabalhos alheios que não” sabe avaliar com justiça.
Porque, na verdade, já então, como se vê no final do canto oitavo ( 96-99), o que o poeta mais lamenta na pátria é o muito que “pode o vil interesse e sede immiga / do dinheiro, que a tudo nos obriga”. O dinheiro e também o ouro, esse “avaro vício”, esse “metal luzente e louro”, esse que “faz traidores e falsos os amigos;/ “a mais nobres faz fazer vilezas”, “corrompe virginais purezas”, “os juízos cegando e as consciências”.

2 - Com tudo isto, não é que o vate despreze o dinheiro e o ouro, em si próprios. O que diz é que, por serem tão tentadores, por criarem nos humanos tanta fome e tanta sede de cobiça, eles facilmente corrompem, como já então acontecia. E tanto que, já quase no final do canto décimo, o poeta parece desanimar no intento do seu canto: “Não mais, musa, não mais, que a lira tenho / destemperada e a voz enrouquecida, / e não do canto, mas de ver que venho / cantar a gente surda e endurecida. / O favor com que mais se acende o engenho / não no dá a pátria, não, que está metida / no gosto da cobiça e na rudeza / de uma austera, apagada e vil tristeza” (145).
Do abismo do desânimo, porém, ele ainda se levanta no final do poema, para incutir coragem ao rei – o imberbe reizinho Sebastião -, ao rei e à sua e nossa nação de então, para continuarem essa gesta heróica, não fosse acontecer aquilo que não podíamos permitir: “Fazei, Senhor, que nunca os admirados / alemães, galos, ítalos e ingleses, / possam dizer que são para mandados, / mais que para mandar, os portugueses” (152).
Parece que, realmente, em Alcácer-Quibir, o reizinho não cumpriu este pedido heróico e muito menos agora ele se poderá cumprir – não mandássemos agora nós em ninguém, não fossem mesmo os outros a mandarem em nós.

3 - Acima de todos, entre os mandantes, está esse monstro de mil cabeças que dá pelo nome de capitalismo selvagem, esse demónio que, com todos os seus oficiantes, põe as naus das nações a pique, sugando-lhes o sangue. Porque o dinheiro, como já noutros lugares ficou dito (texto 73, por exemplo), é o sangue das nações, com o qual, por ser sangue, não se pode negociar, pelo menos com usura.

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