1 - Olá, amigas e amigos! Lembram-se
daquele Luís Vaz que espalhou a nossa glória por todas as nações, não lembram? Daquele
que, com engenho e arte - isto é, com habilidades naturais mas também com as
qualidades adquiridas da arte e do talento –, cantou e espalhou por “toda a parte”
a nossa gesta marítima da Índia e, a par dela, toda a nossa história pátria até
então?
Pois é! Ele cantou, mas também
chorou! Também chorou e lamentou grandes desmandos em que já nessa altura
andávamos metidos. Ora vejam, por exemplo, logo no final do primeiro canto (estrofe
106); vejam aí o poeta que, para fugir da alta procela que eram as dificuldades
e perigos por que passava – a qual para nós hoje são sobretudo a gula dos
mercados e a ganância do Estado – se lamenta e pergunta: “onde pode acolher-se
um fraco humano, / onde terá segura a curta vida, /que não se arme e se indigne
o céu sereno / contra um bicho da terra tão pequeno?”
Ele canta, sim, canta e espalha a
boa fama de “as armas e os barões assinalados”, mas de todo não canta e só
lamenta aqueles que sucumbem em indignidades, como se vê no canto sétimo
(84-86): “Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse / a quem ao bem comum e do
seu rei / antepuser seu próprio interesse, / immigo da divina e humana lei…//
…Nem quem …veio, / por contentar o rei, no ofício novo, / a despir e roubar o
próprio povo! // Nem quem acha que é justo e que é direito / guardar-se a lei
do rei severamente, / e não acha que é justo e bom respeito / que se pague o
suor da servil gente; nem quem cuida que é prudente taxar, com mão rapace e
escassa, os trabalhos alheios que não” sabe avaliar com justiça.
Porque, na verdade, já então, como se
vê no final do canto oitavo ( 96-99), o que o poeta mais lamenta na pátria é o
muito que “pode o vil interesse e sede immiga / do dinheiro, que a tudo nos
obriga”. O dinheiro e também o ouro, esse “avaro vício”, esse “metal luzente e
louro”, esse que “faz traidores e falsos os amigos;/ “a mais nobres faz fazer
vilezas”, “corrompe virginais purezas”, “os juízos cegando e as consciências”.
2 - Com tudo isto, não é que o vate
despreze o dinheiro e o ouro, em si próprios. O que diz é que, por serem tão
tentadores, por criarem nos humanos tanta fome e tanta sede de cobiça, eles
facilmente corrompem, como já então acontecia. E tanto que, já quase no final
do canto décimo, o poeta parece desanimar no intento do seu canto: “Não mais,
musa, não mais, que a lira tenho / destemperada e a voz enrouquecida, / e não
do canto, mas de ver que venho / cantar a gente surda e endurecida. / O favor
com que mais se acende o engenho / não no dá a pátria, não, que está metida /
no gosto da cobiça e na rudeza / de uma austera, apagada e vil tristeza” (145).
Do abismo do desânimo, porém, ele
ainda se levanta no final do poema, para incutir coragem ao rei – o imberbe
reizinho Sebastião -, ao rei e à sua e nossa nação de então, para continuarem
essa gesta heróica, não fosse acontecer aquilo que não podíamos permitir:
“Fazei, Senhor, que nunca os admirados / alemães, galos, ítalos e ingleses, /
possam dizer que são para mandados, / mais que para mandar, os portugueses” (152).
Parece que, realmente, em
Alcácer-Quibir, o reizinho não cumpriu este pedido heróico e muito menos agora
ele se poderá cumprir – não mandássemos agora nós em ninguém, não fossem mesmo
os outros a mandarem em nós.
3 - Acima de todos, entre os
mandantes, está esse monstro de mil cabeças que dá pelo nome de capitalismo
selvagem, esse demónio que, com todos os seus oficiantes, põe as naus das
nações a pique, sugando-lhes o sangue. Porque o dinheiro, como já noutros
lugares ficou dito (texto 73, por exemplo), é o sangue das nações, com o qual,
por ser sangue, não se pode negociar, pelo menos com usura.
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