Ainda sobre o “outro mundo”
Olá, amigas e amigos! Olá, jovens nadadores-salvadores nesta corda de praias, a quem especialmente dedico este tosco mas afectuoso texto!
Para mostrar como estes dois nossos mundos - aquele que imediatamente estimula os sentidos e o dos símbolos que inventamos – estão tão interligados que quase se confundem, falemos aqui de figos. “De figos? Oh, são tão bons, os figos! Figos lampos, figos de S. João, pingo de mel, brancos, castanhais …”
Antigamente, na estação que os amadura, as pregoeiras, de canastra à cabeça pelas cidades, até diziam: “Quem quer figos, quem quer almoçar”! São realmente muito agradáveis os figos! São muito saborosos e, de alimentarem tanto, até podem servir sozinhos de almoço. Ora, até aqui, estamos sempre e sobretudo no nosso mundo material e básico ou primeiro e sensível, não é?
Mas agora, vamos ver duas situações em que os figos, sem perderem a sua dimensão sensível – nunca a podem perder -, assumem também, para nós, uma dimensão simbólica, conduzindo-nos para um mundo de entidades abstractas.
É assim a primeira situação: Uma vez, Catão, modelar cidadão e senador da República Romana, ao ver que a cidade de Cartago, ali tão vizinha de Roma, estava a tornar-se muito perigosa para a segurança dos romanos, introduziu no senado um figo e, quando chegou a sua vez de perorar, poisou o figo na estante dos oradores, ao pé de si. “Traz um figo consigo? Um figo maduro e fresco, acabado de apanhar? De onde o trouxe? Que delicioso será esse figo!”, perguntavam e exclamavam os outros senadores, sempre considerando tal fruto ainda só pertença do mundo material ou sensível.
E Catão partiu daí para dizer aos companheiros que tal figo tinha vindo de Cartago naquela precisa manhã, tão perto estava essa cidade africana da sua cidade de Roma, onde estavam, para a qual, portanto, aquela constituía um perigo muito próximo, iminente e mortal. Acabou então o seu discurso com a famosa frase “Delenda est Carthago”, “Cartago tem de ser destruída”, e não se cansou de repeti-la, no senado, assim acabando sempre os seus discursos, até conseguir mover os outros senadores a tomarem todos a decisão de arrasar tal cidade.
A segunda situação em que os figos assumiram uma dimensão simbólica, assim conduzindo também para entidades abstractas, ocorreu este verão, à beira-mar. É costume haver nas praias, mesmo não muito longe umas das outras, dois ou três jovens nadadores-salvadores em cada uma.
Geralmente universitários, às vezes até namorados entre si, os nadadores-salvadores são jovens esforçados e dedicados que, pondo em risco a própria vida, despendem as suas férias ao serviço da comunidade, estando ali também para ganhar uns cêntimos, assim colaborando com os pais no pagamento das despesas da sua preparação académica.
Ali estão, na praia, vigiando pela segurança dos banhistas e também pela salvação dos incautos; ali estão nove horas por dia todos os dias da semana, por vezes com mau passadio, e sob o rigor do sol e do vento e do frio e da chuva.
Ora, esses incautos veraneantes que ali ficariam no mar, para repasto dos peixinhos, saberão agradecer aos nadadores-salvadores a sua vida, ali não perdida e salva? “Olhe,”, diz uma menina salvadora, “como eles saem aflitos da água ou até sem sentidos, não têm disposição ou mesmo possibilidade para nos dizerem nada. Mas há quem volte atrás a agradecer … e até, veja bem, a querer recompensar-nos com dinheiro! É claro que nós não recebemos dinheiro, até porque já recebemos o nosso vencimento, mas apreciamos o seu agradecimento”! “Até seria muito giro que eles, se insistissem e quisessem, vos deixassem por escrito o seu agradecimento! Que sentiriam vocês quando mais tarde, já mamãs, mostrassem esses breves mas tão significativos documentos aos vossos filhos”?
Numa dessas praias estão o Jorge e o Tito, que é o namorado da Rosa; a seguir, para sul, estão o Filipe e a Rosa, que é a namorada do Tito; vêm depois na terceira praia o Manuel, o Joaquim e a Maria, que é a namorada do Pedro; finalmente, duas léguas para sul, está o Serafim e o Pedro, que é, como sabemos, o namorado da Maria, sempre tudo nomes fictícios.
Não é de todo fácil ser-se um bom namorado ou uma boa namorada. Os dois devem voar juntos na vida, pois então, juntos mas sempre livres, valorizando assim as suas aptidões e diferenças. Se voarem agarrados um ao outro, presos por ciúmes ou outros embaraços, logo passarão a ficar instáveis no ar, a perder altura de voo, e, se em breve não caírem estatelados em terra, só conseguirão esvoaçar na vida, sem ganharem altura. É certo que haverá sempre nova oportunidade, mas não convém desperdiçar o breve tempo da vida, sobretudo nos projectos que são comuns.
Neste tempo de banhos e de figos – banhos nas ondas do mar e figos vindos, não da cidade de Cartago mas da figueira do quintal -, este andarilho escrevinhador na Net, que por isso está no mundo simbólico, quase todo levitando no ar - todo menos o seu corpo feito de terra -, e que em férias nada tem que fazer a não ser passear na areia e olhar e ouvir e perguntar e embeber-se de azul e pensá-las para executar e depois escrevinhar – e tudo isto já não é pouco -, lembrou-se de mais uma! Lembrou-se de partilhar a generosidade branca (mundo segundo ou simbólico) de uma frondosa figueira (mundo primeiro ou sensível)! “Toma, Tito, são figos! Estes são para vocês aqui, que os outros colegas nadadores também terão os seus”; depois, mais adiante, numa outra saquinha, “Toma, Rosa, não são rosas, não, mas figos para vós os dois, que os outros já têm ou irão ter”; mais adiante ainda: “ Toma, Maria, são figos que mandou a tua amiga Rosa, para vós os três”!
A conclusão é óbvia! Os figos fazem parte do mundo físico, sim senhor, eles são um agradável fruto para comer e saciar, mas também podem integrar o nosso mundo simbólico, na medida em que, por seu intermédio, podemos não só acautelar-nos e até decidir-nos a anular um perigo como fez Catão com os outros senadores, mas também promover a amizade entre as pessoas, como espero tenha acontecido neste mais recente caso. E se, neste ponto da oferta, os jovens estavam com larica como pareciam estar, então até terão chamado aos figos (mundo primeiro ou sensível), um “figo” (mundo segundo ou simbólico)!
Tal envolvência simbólica, aliás, até já tinha começado muito antes, lá no princípio quando nós humanos descobrimos os figos e a árvore que os dava, e a começámos a plantar e depois a comer os seus frutos; lá no princípio quando tirámos do anonimato (das coisas descobertas mas ainda sem nome) tais frutos, impondo-lhes o nome de “figos”: nome que tem um significante (do mundo sensível, sim senhor), mas a apontar para um significado (sempre do mundo mental ou abstracto). Nome com que, portanto, os integrámos logo ao princípio neste nosso mundo simbólico. Em português, o significante “figo” é só um, mas os significados são dois ou mais: o primeiro é o significado básico, do fruto mesmo que vai fazer bem à barriguinha; e o segundo é tudo aquilo que, de ordem mental ou simbólica, nós já associamos ao primeiro ou podemos vir a associar!
Figos no mundo simbólico, para além de concretamente eles nos deixarem a barriguinha consolada, eles e ela constituindo parte do nosso material e primeiro mundo!
Mas afinal, há mesmo dois mundos distintos, ou há só um com bipolar unidade ou com duas faces (material e mental), tal como são afinal as nossas palavras e também nós mesmos – estas e nós fazendo parte do mundo -, mundo como nós o vemos e sentimos?
Olá, caros nadadores e nadadoras, isto é tudo muito giro, não é? É muito giro, não é, Rosa? E tu, Tito, namorado desta bem linda Rosa, não tens também semelhante opinião? E tu, muito bela Maria de namorado mais distante, dedicada Maria que até fazes de enfermeira nos primeiros socorros a mordeduras de rafeiros, não concordas também?
Olá, amigas e amigos! Olá, jovens nadadores-salvadores nesta corda de praias, a quem especialmente dedico este tosco mas afectuoso texto!
Para mostrar como estes dois nossos mundos - aquele que imediatamente estimula os sentidos e o dos símbolos que inventamos – estão tão interligados que quase se confundem, falemos aqui de figos. “De figos? Oh, são tão bons, os figos! Figos lampos, figos de S. João, pingo de mel, brancos, castanhais …”
Antigamente, na estação que os amadura, as pregoeiras, de canastra à cabeça pelas cidades, até diziam: “Quem quer figos, quem quer almoçar”! São realmente muito agradáveis os figos! São muito saborosos e, de alimentarem tanto, até podem servir sozinhos de almoço. Ora, até aqui, estamos sempre e sobretudo no nosso mundo material e básico ou primeiro e sensível, não é?
Mas agora, vamos ver duas situações em que os figos, sem perderem a sua dimensão sensível – nunca a podem perder -, assumem também, para nós, uma dimensão simbólica, conduzindo-nos para um mundo de entidades abstractas.
É assim a primeira situação: Uma vez, Catão, modelar cidadão e senador da República Romana, ao ver que a cidade de Cartago, ali tão vizinha de Roma, estava a tornar-se muito perigosa para a segurança dos romanos, introduziu no senado um figo e, quando chegou a sua vez de perorar, poisou o figo na estante dos oradores, ao pé de si. “Traz um figo consigo? Um figo maduro e fresco, acabado de apanhar? De onde o trouxe? Que delicioso será esse figo!”, perguntavam e exclamavam os outros senadores, sempre considerando tal fruto ainda só pertença do mundo material ou sensível.
E Catão partiu daí para dizer aos companheiros que tal figo tinha vindo de Cartago naquela precisa manhã, tão perto estava essa cidade africana da sua cidade de Roma, onde estavam, para a qual, portanto, aquela constituía um perigo muito próximo, iminente e mortal. Acabou então o seu discurso com a famosa frase “Delenda est Carthago”, “Cartago tem de ser destruída”, e não se cansou de repeti-la, no senado, assim acabando sempre os seus discursos, até conseguir mover os outros senadores a tomarem todos a decisão de arrasar tal cidade.
A segunda situação em que os figos assumiram uma dimensão simbólica, assim conduzindo também para entidades abstractas, ocorreu este verão, à beira-mar. É costume haver nas praias, mesmo não muito longe umas das outras, dois ou três jovens nadadores-salvadores em cada uma.
Geralmente universitários, às vezes até namorados entre si, os nadadores-salvadores são jovens esforçados e dedicados que, pondo em risco a própria vida, despendem as suas férias ao serviço da comunidade, estando ali também para ganhar uns cêntimos, assim colaborando com os pais no pagamento das despesas da sua preparação académica.
Ali estão, na praia, vigiando pela segurança dos banhistas e também pela salvação dos incautos; ali estão nove horas por dia todos os dias da semana, por vezes com mau passadio, e sob o rigor do sol e do vento e do frio e da chuva.
Ora, esses incautos veraneantes que ali ficariam no mar, para repasto dos peixinhos, saberão agradecer aos nadadores-salvadores a sua vida, ali não perdida e salva? “Olhe,”, diz uma menina salvadora, “como eles saem aflitos da água ou até sem sentidos, não têm disposição ou mesmo possibilidade para nos dizerem nada. Mas há quem volte atrás a agradecer … e até, veja bem, a querer recompensar-nos com dinheiro! É claro que nós não recebemos dinheiro, até porque já recebemos o nosso vencimento, mas apreciamos o seu agradecimento”! “Até seria muito giro que eles, se insistissem e quisessem, vos deixassem por escrito o seu agradecimento! Que sentiriam vocês quando mais tarde, já mamãs, mostrassem esses breves mas tão significativos documentos aos vossos filhos”?
Numa dessas praias estão o Jorge e o Tito, que é o namorado da Rosa; a seguir, para sul, estão o Filipe e a Rosa, que é a namorada do Tito; vêm depois na terceira praia o Manuel, o Joaquim e a Maria, que é a namorada do Pedro; finalmente, duas léguas para sul, está o Serafim e o Pedro, que é, como sabemos, o namorado da Maria, sempre tudo nomes fictícios.
Não é de todo fácil ser-se um bom namorado ou uma boa namorada. Os dois devem voar juntos na vida, pois então, juntos mas sempre livres, valorizando assim as suas aptidões e diferenças. Se voarem agarrados um ao outro, presos por ciúmes ou outros embaraços, logo passarão a ficar instáveis no ar, a perder altura de voo, e, se em breve não caírem estatelados em terra, só conseguirão esvoaçar na vida, sem ganharem altura. É certo que haverá sempre nova oportunidade, mas não convém desperdiçar o breve tempo da vida, sobretudo nos projectos que são comuns.
Neste tempo de banhos e de figos – banhos nas ondas do mar e figos vindos, não da cidade de Cartago mas da figueira do quintal -, este andarilho escrevinhador na Net, que por isso está no mundo simbólico, quase todo levitando no ar - todo menos o seu corpo feito de terra -, e que em férias nada tem que fazer a não ser passear na areia e olhar e ouvir e perguntar e embeber-se de azul e pensá-las para executar e depois escrevinhar – e tudo isto já não é pouco -, lembrou-se de mais uma! Lembrou-se de partilhar a generosidade branca (mundo segundo ou simbólico) de uma frondosa figueira (mundo primeiro ou sensível)! “Toma, Tito, são figos! Estes são para vocês aqui, que os outros colegas nadadores também terão os seus”; depois, mais adiante, numa outra saquinha, “Toma, Rosa, não são rosas, não, mas figos para vós os dois, que os outros já têm ou irão ter”; mais adiante ainda: “ Toma, Maria, são figos que mandou a tua amiga Rosa, para vós os três”!
A conclusão é óbvia! Os figos fazem parte do mundo físico, sim senhor, eles são um agradável fruto para comer e saciar, mas também podem integrar o nosso mundo simbólico, na medida em que, por seu intermédio, podemos não só acautelar-nos e até decidir-nos a anular um perigo como fez Catão com os outros senadores, mas também promover a amizade entre as pessoas, como espero tenha acontecido neste mais recente caso. E se, neste ponto da oferta, os jovens estavam com larica como pareciam estar, então até terão chamado aos figos (mundo primeiro ou sensível), um “figo” (mundo segundo ou simbólico)!
Tal envolvência simbólica, aliás, até já tinha começado muito antes, lá no princípio quando nós humanos descobrimos os figos e a árvore que os dava, e a começámos a plantar e depois a comer os seus frutos; lá no princípio quando tirámos do anonimato (das coisas descobertas mas ainda sem nome) tais frutos, impondo-lhes o nome de “figos”: nome que tem um significante (do mundo sensível, sim senhor), mas a apontar para um significado (sempre do mundo mental ou abstracto). Nome com que, portanto, os integrámos logo ao princípio neste nosso mundo simbólico. Em português, o significante “figo” é só um, mas os significados são dois ou mais: o primeiro é o significado básico, do fruto mesmo que vai fazer bem à barriguinha; e o segundo é tudo aquilo que, de ordem mental ou simbólica, nós já associamos ao primeiro ou podemos vir a associar!
Figos no mundo simbólico, para além de concretamente eles nos deixarem a barriguinha consolada, eles e ela constituindo parte do nosso material e primeiro mundo!
Mas afinal, há mesmo dois mundos distintos, ou há só um com bipolar unidade ou com duas faces (material e mental), tal como são afinal as nossas palavras e também nós mesmos – estas e nós fazendo parte do mundo -, mundo como nós o vemos e sentimos?
Olá, caros nadadores e nadadoras, isto é tudo muito giro, não é? É muito giro, não é, Rosa? E tu, Tito, namorado desta bem linda Rosa, não tens também semelhante opinião? E tu, muito bela Maria de namorado mais distante, dedicada Maria que até fazes de enfermeira nos primeiros socorros a mordeduras de rafeiros, não concordas também?
Gostei muito deste texto.
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