1 –
Olá, amigas e amigos! Gosto muito de passear pelos campos, de manhã ou de
tarde, mais no verão que de inverno. Em comparação com a cidade, em suas ruas e
passeios escalavrados e sujos e com tantos sons e movimentos distractores, isto
aqui é quase um paraíso. Aqui, no campo, contempla-se o silencioso verde
matizado da paisagem; as culturas de comer mais perto - umas mais adiantadas
que outras e geralmente irrigadas a partir de ribeiros escoltados de canas -, e
mais longe a cultura de floresta em que sobressaem os pinheiros. Aqui, pelos
campos, também se encontram pessoas sobretudo velhinhas agarradas à enxada ou à
foicinha, com as quais é delicioso conversar.
É
muito bom passear pelos campos, mas, quando a ardência do sol se abate sobre
nós ou o frio e veloz vento e a chuva nos fustigam, é muito melhor recolher-nos
ao abrigo morno da nossa casa. E tal como entro em casa para me proteger das
inclemências exteriores do clima, assim gozando da benfazeja mornidão desse meu
bem conhecido ambiente, assim também, agora para me proteger de outras
inclemências, eu posso entrar na casinha do meu corpo e permanecer em silêncio
nesse abrigo que a natureza me deu para viver. Na verdade, mais áspero e veloz
que o vento é o nosso pensamento, e não está sempre em nossas mãos o seu
controlo e sossego; também muitas vezes a ardência das paixões nos castiga e
será bom saber orientá-las.
2 –
Agora a minha mente, ou melhor, agora eu estou dentro da casinha do meu corpo.
O meu pensamento, em vez de vaguear por longes, lá por fora desta casinha,
nasce e logo poisa amorosamente neste meu organismo vivo, mas também em cada
órgão em particular, sobremaneira os mais frágeis, os que requerem mais
atenção, mais energia saudável para se recomporem. Não vai sozinho o
pensamento. Ele leva consigo novas inspirações profundas para animarem esta
casinha viva e todas as suas partes, lançando depois fora, em expirações
profundas, todas as negatividades que se foram acumulando. Nesta confortável
mornidão interior, em presença do impassível espírito, também se pode aplacar o
calor das paixões da alma. De todas as paixões da alma, não, porque entre todas
uma há que, em cumplicidade da alma com o espírito, uma paixão, a do amor, se
exceptua e sobreleva, para abraçar cada órgão e todo o corpo, para abraçar o
mundo e, antes de tudo, para me abraçar a mim mesmo.
3 –
Quando estamos em nossas casas fazemos reparações e limpezas, preparamos
refeições, comemos, arrumamos, trabalhamos, descansamos, vivemos e convivemos.
É o que, de forma semelhante e genérica, podemos fazer também dentro da casinha
do nosso corpo. Nós em nossas casas, nas ruas tal e tal, mas nós também na
casinha do nosso corpo. Em nossas casas, preparamos e comemos as refeições para
alimentarmos o nosso corpo e cada órgão em particular, que, todos eles,
trabalham todos os dias dia e noite para nós. E então, se é assim, como é que é
possível mesmo à hora das refeições, em que os estamos a alimentar, nós andarmos
vagueando com o pensamento por muito longe da casinha do corpo, em vez de
estarmos com eles e os acompanharmos? Vá,
eu agora estou a dar de comer ao meu corpo, e é bom que aquilo que lhe estou
dando lhe faça bom proveito. Este alimento aqui é muito bom para o coração, e
por isso lhe irá fazer muito bem …
De forma semelhante podemos proceder
quando exercitamos o corpo, ou sobremaneira quando fazemos exercícios de
relaxamento. Não podemos esquecer também que profundos exercícios de respiração
- sobretudo conscientes que é o mesmo que estarmos presentes nessa acção - não
só purificam como também renovam o corpo e a alma.
Enquanto, lá de dentro, prestarmos
atenção a nós mesmos e ao nosso corpo, o pensamento não se pira, disperso e
vadio, para fora de nós e da nossa casinha. Além de carinhosa e cuidadosa e
poderosa, esta nossa atenção é também amorosa. Por isso, não lhe será difícil
agenciar o ágil pensamento a permanecer o mais possível dentro dessa casinha.
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