sexta-feira, 16 de maio de 2014

216.2 (de 3) - Ressurreição

II
Perguntas
Vemos assim que há, muito fácil de operar, o fingimento de milagres de ressurreição no cinema e no teatro. E será que também haverá ressurreição fora do fingimento de arte, isto é, na realidade, como Bénard e Mendonça acreditam?
Mas como será isso possível - perguntemos agora - se o nosso corpo morre, e com ele morre também toda a nossa vida mental, a qual é a flor ou luz que se acende do nosso cérebro só enquanto vivo? Como poderá haver lugar para uma real ressurreição de cada um de nós, se nos faltam os sentidos, os objectos dos sentidos, ou seja, o mundo em que vivíamos, a palpitação da carne, as emoções, as faculdades mentais entre as quais a memória, tudo aquilo que enfim nos levou a criar nesta vida terrena uma inconfundível identidade? Se somos seres humanos, por virmos do húmus, da terra, como poderemos subsistir deixando de ser humanos, isto é, desligados da terra, sem o corpo, e por isso sem o cérebro de onde se nos incendeia a mente, onde se foi formando um “eu” mental irrepetível?
Tal ressurreição considerada real, proposta por Mendonça e Bénard, será mesmo uma realidade objectiva, para nós, ou será algo simplesmente objectivado, só dependente do nosso entusiasmo e do desejo e do querer, tudo enfim só por nós imaginado?
Bem sabemos que, para além da nossa subjectividade que deseja e quer tal realidade e que com ela se entusiasma, há as promessas da religião. Mas também estas promessas não serão só a projecção objectivada dos desejos de um povo e das nações? Todos queremos viver e viver, e portanto também vencer a morte a fim de vivermos para sempre e até muito melhor do que aqui e agora nesta vida mortal. Para as religiões, por isso, nada é mais fácil, e proveitoso, do que propor esta crença.

Enfim, haverá real ressurreição para nós, seres humanos, e por isso por natureza mortais? Se houver, isso só será possível por intermédio de um verdadeiro milagre, o qual imponha a transgressão de leis (assim chamadas) que asseguram o regular funcionamento do universo. Mas tal milagre, só um ser superior, ou Deus, poderá operar. E é então esse Deus que no princípio criou com leis o universo, o mesmo que, agora, para nós, as vai transgredir?

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