II
Perguntas
Vemos
assim que há, muito fácil de operar, o fingimento de milagres de ressurreição
no cinema e no teatro. E será que também haverá ressurreição fora do fingimento
de arte, isto é, na realidade, como Bénard e Mendonça acreditam?
Mas
como será isso possível - perguntemos agora - se o nosso corpo morre, e com ele
morre também toda a nossa vida mental, a qual é a flor ou luz que se acende do
nosso cérebro só enquanto vivo? Como poderá haver lugar para uma real
ressurreição de cada um de nós, se nos faltam os sentidos, os objectos dos
sentidos, ou seja, o mundo em que vivíamos, a palpitação da carne, as emoções,
as faculdades mentais entre as quais a memória, tudo aquilo que enfim nos levou
a criar nesta vida terrena uma inconfundível identidade? Se somos seres humanos, por virmos do húmus, da terra, como poderemos
subsistir deixando de ser humanos,
isto é, desligados da terra, sem o corpo, e por isso sem o cérebro de onde se
nos incendeia a mente, onde se foi formando um “eu” mental irrepetível?
Tal
ressurreição considerada real, proposta por Mendonça e Bénard, será mesmo uma
realidade objectiva, para nós, ou será algo simplesmente objectivado, só
dependente do nosso entusiasmo e do
desejo e do querer, tudo enfim só por nós imaginado?
Bem
sabemos que, para além da nossa subjectividade que deseja e quer tal realidade e
que com ela se entusiasma, há as promessas da religião. Mas também estas
promessas não serão só a projecção objectivada dos desejos de um povo e das
nações? Todos queremos viver e viver, e portanto também vencer a morte a fim de
vivermos para sempre e até muito melhor do que aqui e agora nesta vida mortal. Para
as religiões, por isso, nada é mais fácil, e proveitoso, do que propor esta
crença.
Enfim, haverá real ressurreição para nós,
seres humanos, e por isso por natureza mortais? Se houver, isso só será
possível por intermédio de um verdadeiro milagre, o qual imponha a transgressão
de leis (assim chamadas) que asseguram o regular funcionamento do universo. Mas
tal milagre, só um ser superior, ou Deus, poderá operar. E é então esse Deus
que no princípio criou com leis o universo, o mesmo que, agora, para nós, as
vai transgredir?
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