Eu hei-de nunca mais ir a Lesboa
à Lesboa do faduncho que “partiu
sem dizer adeus nem nada” e disse
que “a culpa era toda minha”;
prefiro o vira do campo e o tiroliro
E os martelos do piano de Chopin
Eu hei-de nunca mais ir à Assembleia
ouvir e ver os residentes
entrechocando as cristas;
prefiro as cabeçadas dos bonecos de
Santo Aleixo,
os juncos das margens das ribeiras
e as cristas dos pinheiros
Eu hei-de nunca mais ir a tribunais
onde as horas param e nunca mais amanhece,
nem aos gabinetes sombrios,
em Lesboa e em Bruxelas,
dos que tomam decisões
à medida só de seus obstinados
entrolhos;
prefiro de novo os meus familiares
pinheiros
subindo ao alto desde o musgo do
chão
E quando chegar a decisiva hora do
voto
votar em branco, mas nulo não,
como é próprio de democrata cidadão,
salvo se aparecer um que outro
abnegado experimentado estadista,
logo lhe levando eu a mais viçosa
rosa
do meu exíguo jardim
E então, já reconciliado com a
capital do meu país,
convidarei todos os grandes da
Europa
a virem sentar-se a contemplar o Ecce Homo:
humilde homem-deus o pintou, se
pintando,
tão antigamente tão
desconhecidamente
agora sobremaneira tão
esquecidamente
Metido num museu antigo e em sua
pintura é só um,
mas cá fora são muitos:
eles andam por aí, andrajosos e
pedintes,
a irem morrendo pelas ruas do meu
país,
da Europa do sul pela do norte
escorraçados,
mais uma incontável multidão dos
outros continentes
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