1 - Olá, amigas e amigos! Helena
Blavatsky (Rússia, 1831 – Londres, 1891) foi uma senhora de rara sensibilidade
e espiritualidade. Tendo viajado por muitas terras do mundo, permaneceu por
sete anos no Tibete entre os grandes mestres espirituais budistas, que, depois,
a incumbiram de trazer essa sabedoria milenar para o Ocidente. Como iremos ver,
é uma sabedoria um tanto diversa da nossa sabedoria ocidental, se assim, a esta
e sobretudo em nossos dias, lhe pudermos chamar.
A Voz do Silêncio é o título do primeiro de três “fragmentos” de uma pequenina obra de
H.B., e também o título da própria obrinha, traduzida para a nossa língua por
Fernando Pessoa. Sobre este livrinho, que a autora escreveu num repente por ter
de memória todo o seu conteúdo, o qual, depois, inspirou muitos escritores e
cientistas, o nosso poeta tradutor disse: “Abalou-me a um ponto que eu julgaria
impossível”.
Por meio de citações dele extraídas,
entremos então sem mais delongas nesse primeiro fragmento, deixando para depois
o trabalho de comparar as duas referidas sabedorias:
1.1 – A Voz do Silêncio é um conjunto de instruções para quem quiser “ouvir
a voz de Nada, o Som sem som, e compreendê-la”:
1.2 – Que tu sejas só a forma do barro, quando ainda só unida ao espírito do
oleiro – o Falador Silencioso -, antes de ele plasmar o teu barro. “Antes
que a Alma possa ouvir, tem de se tornar surda; para que possa compreender e
recordar, ela deve primeiro unir-se ao Falador Silencioso”. Unir-se a Ele como
a forma do teu barro, quando ainda está só no espírito do oleiro, antes de o
criar.
1.3 – Mata os teus desejos e pensamentos, e apaga o teu eu mental.
Torna-te indiferente aos objectos de percepção, não dando atenção aos sentidos.
Vigia o “produtor de pensamentos”, aquele que acorda a ilusão. Quando deixares
de ouvir os muitos, poderás divisar o Um: o som interior que mata o exterior.
Mata a mente, que é a grande assassina do Real. “Antes que a mente da tua alma
possa compreender, deve a flor da personalidade ser esmagada em botão”.
“0s sábios não se demoram nas
regiões de prazer dos sentidos; não dão ouvidos às vozes musicais da ilusão”.
1.4 – Para matares os desejos e os
pensamentos, e apagar o eu mental, terás
de cultivar a compaixão. Ela leva-te à paz e à felicidade, na terra do silêncio
e do “não-ser”. Ela é a “semente da libertação do renascer”.
1.5 – Abandona a tua personalidade e individualidade, para depois te
perderes na Personalidade, na plena consciência espiritual de onde irradiaste,
para seres “faúlha perdida no meio do fogo, gota dentro do oceano, raio de luz
sempre presente tornado o Todo e o fulgor eterno”. “Se queres chegar ao vale da
felicidade, fecha os teus sentidos à grande e cruel heresia da separação, que
te afasta dos outros”.
1.6 - “Não podes caminhar no Caminho, enquanto não te tornares, tu próprio,
esse Caminho” “Só chegado bem ao fim, podes ouvir a Voz do Silêncio”.
1.7 – “Vê! tornaste-te a luz,
tornaste-te o som, és o teu Mestre e o teu Deus. Tu próprio és o objecto da tua
busca: a voz sem falha, que ressoa através de eternidades, isenta de
mudança e de pecado, os sete sons em Um, a VOZ DO SILÊNCIO”.
2 – A propósito do Deus dos místicos
ocidentais, já aqui falámos do livrinho A
Nuvem do Não-Saber, escrito por um monge anónimo, em finais do século XIV, com
o propósito de ensinar os seus discípulos no caminho para Deus (ver texto 78).
Por isso, pode perguntar-se: a
sabedoria oriental dos antigos mestres budistas, presente em A Voz do Silêncio pode comparar-se com a
sabedoria dos monges a Ocidente, concretamente com a doutrina de A Nuvem do Não-Saber?
2.1 - Entremos pelas semelhanças, que mais serão do que as
diferenças. Nos dois casos, há um discípulo ou peregrino, e portanto também um
mestre e uma peregrinação a empreender. Ora, havendo o binómio “mestre e
discípulo”, isso implicará no texto a preferência pela tradição e não pelo
livre exame (das Escrituras); a preferência pelo ouvir e não pelo ver; pela fé
e não pela razão; pelo coração e não pelo intelecto.
Por outro lado, com o binómio “peregrino e peregrinação”
vem a travessia da escuridão da noite e do pecado (em que o peregrino pecador
está mergulhado) em direcção ao reino da luz, divina luz. Isto, com o acúmulo
de que as religiões, para valorizarem aquele estado luminoso final que propõem,
acentuam o mais possível a escuridão desta vida terrena.
E tudo isto, num caso e noutro, veiculado e
servido por um discurso pedagógico e coloquial, ricamente figurado, metafórico,
mesmo encantatório, para prender intensamente os afectos dos iniciados, que só
para estes se dirige o discurso. Para os afectos, pelo menos dos que seguem a
sabedoria ocidental.
2.2 - Mas também há diferenças, das quais são de referir
algumas. No fim do caminho, ainda nos dois casos, vai ouvir-se a Voz do
Silêncio, mas, enquanto em “A Voz do
Silêncio” se ordena “mata os teus desejos e pensamentos e apaga o eu mental”,
em “A Nuvem do Não-Saber” diz-se ao discípulo “Toda a tua vida deve ser
um desejo”; enquanto no primeiro, ao fim do caminho, estará o autoconhecimento
daquele que caminhou e que é ele o próprio caminho e também o seu deus, no
segundo parece estar a alteridade do Deus Pessoal; e assim, enquanto no
primeiro, se perde a individualidade do caminhante na Personalidade cósmica, no
segundo, parece não perder-se.