quinta-feira, 20 de setembro de 2012

92.3-4 O Sofrimento e a Morte Dados em Espectáculo


         3 – O espectáculo do sofrimento e da morte de um ser humano, ou melhor, o sofrimento e a morte de um ser humano dados em espectáculo, não se destinam sempre a ser pasto de prazer ou de simples diversão para quem com isso se quer deliciar ou divertir.
         Segundo a religião cristã – a religião de Paulo (40) -, Jesus, Jesus homem mas também enviado de Deus à humanidade, veio ao mundo para sofrer e morrer e depois ressuscitar, e tudo isto para salvar a referida humanidade. Ele foi condenado à morte – não a morrer com uma injecção letal e sem dor física, à maneira americana, nem bebendo a cicuta, também de forma fisicamente indolor, como aconteceu com aquele luminoso Sócrates ateniense -, mas condenado a morrer cruelmente, lentamente, todo roído de sofrimento, qual cordeiro carregando, para expiação, todos os pecados do mundo. Mas tão cruel espectáculo de sofrimento e de morte – só o sofrimento e a morte podem aparecer aos sentidos humanos e portanto serem-lhes dados como espectáculo –, espectáculo de sofrimento e de morte desse ser humano e divino por todos abandonado e até pelo Deus que o enviou (Mc 15, 34), de todo não era e não é um espectáculo para os humanos se sevarem com as delícias do prazer de o verem e sentirem ou simplesmente imaginarem a sofrer e a morrer lentamente, mas sim um espectáculo para, seguindo em imagens essa primeira e cruenta via-sacra, lhes solicitar piedade e sintonia de sentimentos com esse primeiro sofredor, de modo a poderem depois ressuscitar com ele. Primeiro sofredor, porque tal espectáculo também é para nos dizer que o sofrimento e a morte fazem parte essencial da nossa vida e que, sendo crentes, também nos levarão a vencer a morte, pelos méritos desse primeiro sofredor.
         Embora a instituição religiosa que corporiza essa religião – digamos agora nós – tenha promovido também muitas vezes o cruento espectáculo do sofrimento e da morte, mas para defender doutrinas, castigar não poucas vezes mortalmente os transgressores e incutir medos aos que ficavam vivos. No entanto, mesmo nestes casos, acontecia ela pôr à frente dos olhos dos condenados, no seu cortejo para a morte, a efígie do Jesus crucificado para os ajudar a morrer.

         4 – Mas há ainda uma outra e muito actual e sanguinária forma de fazer sofrer e até morrer seres humanos, com a qual também se dá espectáculo a muitos, a nível global, e se oferece prazer e proveito a alguns … os da alcateia dos mercados financeiros.
         A globalização, desprezando outros valores - como é por exemplo o da diferenciada e muitas vezes rica e bela cultura dos povos, - tem-se feito quase só com base na economia. Ora, isto leva a que os mercados de capitais, que já estiveram no início da globalização, cavalguem agora à solta a situação e imponham ao mundo a sua sórdida (des)ordem. E é assim que se implanta dentro das nações e a nível mundial a única lei, lei pior do que a da selva, a lei da exploração capitalista.
         Eles sugam o sangue dos mais pobres das nações, e das nações mais pobres. E então, para se poderem defender de tal rapina, algumas dessas nações são levadas a criar, em cada uma, um verdadeiro estado de excepção, no qual vale tudo para defender a sua economia: suspendem-se as leis, os cidadãos desaparecem dando lugar aos contribuintes, anula-se a democracia e o próprio Estado de direito desaparece.
         Para completar o cenário, lembremos só mais duas coisas: a primeira é que aos tais mercados desta sociedade materialista e laica nem sequer lhes pode passar pela cabeça pôr à frente dos nossos olhos a tal efígie de Jesus para morrermos abençoados; a segunda é que o III Reich também foi um estado de excepção, um tenebroso estado.

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