3 – O
espectáculo do sofrimento e da morte de um ser humano, ou melhor, o sofrimento
e a morte de um ser humano dados em espectáculo, não se destinam sempre a ser
pasto de prazer ou de simples diversão para quem com isso se quer deliciar ou
divertir.
Segundo a
religião cristã – a religião de Paulo (40) -, Jesus, Jesus homem mas também enviado
de Deus à humanidade, veio ao mundo para sofrer e morrer e depois ressuscitar,
e tudo isto para salvar a referida humanidade. Ele foi condenado à morte – não
a morrer com uma injecção letal e sem dor física, à maneira americana, nem
bebendo a cicuta, também de forma fisicamente indolor, como aconteceu com
aquele luminoso Sócrates ateniense -, mas condenado a morrer cruelmente,
lentamente, todo roído de sofrimento, qual cordeiro carregando, para expiação,
todos os pecados do mundo. Mas tão cruel espectáculo de sofrimento e de morte –
só o sofrimento e a morte podem aparecer aos sentidos humanos e portanto
serem-lhes dados como espectáculo –, espectáculo de sofrimento e de morte desse
ser humano e divino por todos abandonado e até pelo Deus que o enviou (Mc 15,
34), de todo não era e não é um espectáculo para os humanos se sevarem com as
delícias do prazer de o verem e sentirem ou simplesmente imaginarem a sofrer e
a morrer lentamente, mas sim um espectáculo para, seguindo em imagens essa
primeira e cruenta via-sacra, lhes solicitar piedade e sintonia de sentimentos
com esse primeiro sofredor, de modo a poderem depois ressuscitar com ele.
Primeiro sofredor, porque tal espectáculo também é para nos dizer que o
sofrimento e a morte fazem parte essencial da nossa vida e que, sendo crentes,
também nos levarão a vencer a morte, pelos méritos desse primeiro sofredor.
Embora a
instituição religiosa que corporiza essa religião – digamos agora nós – tenha
promovido também muitas vezes o cruento espectáculo do sofrimento e da morte,
mas para defender doutrinas, castigar não poucas vezes mortalmente os
transgressores e incutir medos aos que ficavam vivos. No entanto, mesmo nestes
casos, acontecia ela pôr à frente dos olhos dos condenados, no seu cortejo para
a morte, a efígie do Jesus crucificado para os ajudar a morrer.
4 – Mas há ainda
uma outra e muito actual e sanguinária forma de fazer sofrer e até morrer seres
humanos, com a qual também se dá espectáculo a muitos, a nível global, e se
oferece prazer e proveito a alguns … os da alcateia dos mercados financeiros.
A globalização,
desprezando outros valores - como é por exemplo o da diferenciada e muitas
vezes rica e bela cultura dos povos, - tem-se feito quase só com base na
economia. Ora, isto leva a que os mercados de capitais, que já estiveram no
início da globalização, cavalguem agora à solta a situação e imponham ao mundo a
sua sórdida (des)ordem. E é assim que se implanta dentro das nações e a nível
mundial a única lei, lei pior do que a da selva, a lei da exploração
capitalista.
Eles sugam o sangue dos mais pobres das
nações, e das nações mais pobres. E então, para se poderem defender de tal
rapina, algumas dessas nações são levadas a criar, em cada uma, um verdadeiro
estado de excepção, no qual vale tudo para defender a sua economia:
suspendem-se as leis, os cidadãos desaparecem dando lugar aos contribuintes, anula-se
a democracia e o próprio Estado de direito desaparece.
Para completar
o cenário, lembremos só mais duas coisas: a primeira é que aos tais mercados
desta sociedade materialista e laica nem sequer lhes pode passar pela cabeça
pôr à frente dos nossos olhos a tal efígie de Jesus para morrermos abençoados;
a segunda é que o III Reich também foi um estado de excepção, um tenebroso
estado.
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