sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

46 - Uma Prenda

Em solidão, é quando eu posso estar mais acompanhado porque é então que eu me posso encontrar e estar comigo mesmo. O mais íntimo diálogo comigo mesmo é aquele em que eu penso e me vejo a pensar, ou seja, quando penso e tenho consciência de que estou a pensar e do que estou pensando, mesmo auxiliado pelo pensar de outros pensadores. Este viver, esta actividade é o que há de mais espiritual, de mais etéreo, que dá um imenso gozo a quem gosta de se entregar a essa actividade, e conduz até a que esse alguém se esqueça de que está neste mundo material, se esqueça do tempo, se esqueça do seu corpo.
Mas ainda em solidão, eu posso produzir um segundo íntimo diálogo a sós comigo mesmo, mas agora já conscientemente mergulhado no tempo! Isso sucede quando eu, disso tendo consciência, penso e falo mentalmente com o meu self, o meu eu que está no tempo, na história; com o eu que sofre vicissitudes, que nasceu e há-de morrer, que tem instintos, emoções, coração, sonhos … Naquele mais íntimo e primeiro diálogo, os dois interlocutores, como que fora do tempo, entendem-se um com o outro necessariamente, mas aqui, neste segundo caso, nem sempre os dois chegam a um recíproco entendimento.
Neste segundo contexto, nesta actividade do meu pensar em que, num dos interlocutores, avulta o meu corpo, uma das actividades mais deliciosas e salutares é o exercício da respiração, respiração abdominal que é a mais profunda, aquela que os bebés nos ensinam a fazer. Respiração que, nos seus dois movimentos de inspiração e expiração, tanto pode compreender todo o corpo em conjunto como pode focalizar-se ou incidir num só órgão ou região do corpo. Inspirar é trazer a vida, a saúde para o corpo; expirar é expelir o mal-estar, o stress, a doença.
Além de que esta respiração, assim consciente, é o melhor meio de não estarmos distraídos, de não andarmos a vadiar por longes com a nossa imaginação, de estarmos na casinha do nosso corpo. Quanto possível, “mente sã em corpo são”, como já se dizia na antiguidade latina, e também agora nós podemos dizer.
Além de que, ainda, esta respiração, assim feita, é a nossa melhor e primeira meditação! Com efeito, que melhor meditação haverá do que estarmos conscientes da vida a inundar-nos e a renovar-nos?
As aéreas redes sociais, que por aí pululam sobretudo por motivos mercantis, põem as pessoas a falar umas com as outras, sim senhor; mas, que podem as pessoas dizer entre si, nessas redes sociais, se não se habituam a falar intimamente consigo mesmas, com toda a riqueza de humanidade que isso nos oferece? Que substância poderão elas comunicar, se não têm o hábito de estar sós, nessa activa e benfazeja solidão, como acima está descrita?
Este texto é uma prendinha para as meninas e meninos já de avançada idade e residentes no lar onde estive, como também para a sua jovem e dedicada animadora, a de todos querida Ana Filipa. Uma prendinha envolta em papel de luxo, coroado com um lacinho vermelho. Façam favor! Tenho muito gosto!

2 comentários:

  1. É com todo o prazer que recebo esta maravilhosa prenda! Haverá mesmo melhor prenda que as suas sábias palavras?!
    Bem haja ti João
    Ana

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  2. Tenho muito gosto, Ana Filipa. Também agradeço.

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