Caros amigos e amigas, falemos aqui hoje sobre a fé. Antes de mais da fé religiosa, que é aquela que está logo à boca do mundo simbólico de muitos nós, mas também de uma fé outra, não menos importante, que é a nossa fé intra-mundana na vida, que será bom nós valorizarmos.
Escrevendo sobre as principais actividades do espírito humano, que segundo ela serão o “pensar” e o “querer” e o “julgar”, Hannah Arendt diz que, quanto à segunda, o “querer”, ou seja, a “Vontade”, o pensamento da Antiguidade Clássica não a conhecia. E foi precisamente no contexto dos primeiros séculos do cristianismo, de todo não desconhecendo eles essa tradição cultural, que se descobriu essa íntima actividade do nosso espírito, geralmente associada ao coração.
E então, podemos agora nós perguntar: como se podem explicar estas descobertas, precisamente nos alvores do cristianismo? Por mera coincidência, ou porque o coração e a vontade são os dois decisivos ingredientes para a existência da fé?
Visitemos agora aquele Miguel de Unamuno, que já aqui nos fez companhia e que de novo nos continua a dizer que o optimismo é necessário para vivermos, e que a fé – fé na nossa imortalidade, claro está – é um bom suporte para tal optimismo. Chegam a ser dramáticas, mesmo pungentes, as palavras que escolhe para falar deste assunto: “Há que ansiar pela imortalidade, por absurda que nos pareça: mais, há que acreditar nela, de uma maneira ou de outra” (18).
A esta comovente posição, porém, se pode contrapor o que, falando de uma forma impassível e sobre os desejos humanos, a mesma Hannah Arendt noutro passo diz: “Os homens podem desejar o impossível, por exemplo, a vida eterna”.
Na verdade, porque é que o ser humano, que é terra e húmus e esterco, fazendo parte integrante e constituinte da Natureza, há-de ser excepção ao ciclo da vida de tudo o que há vivo na Natureza, onde tudo nasce e cresce e se reproduz e morre, para dar lugar a novos seres? Será por, além de esterco, ele ser também animal simbólico, portanto com a capacidade de voar, ou seja, de congeminar subjectividades que lhe cumpram os seus mais profundos desejos? Mas tudo isso não lhe fica só no reduto da sua mente, sem poder transvazar para o mundo das realidades?
Não obstante, mesmo assim, nós precisamos de ter fé, mas esta será uma fé outra. Ter fé, sim, ter fé na vida, ter fé e confiança na orientação e intencionalidade da Natureza, que é este mundo que nos aparece e ao qual pertencemos (texto 17.3). Será até nesta fé, que também nasce do coração, que podemos encontrar o que de mais íntimo há em nós, a nossa mais profunda intimidade! Com efeito, esta fé, ou confiança, fundada no coração e na vontade (se é que esta não está já naquele) terá de ter necessariamente a anuência da razão, à qual o mundo e a vida aparecem para lhes descobrir, com profundidade e minúcia e na medida do possível, a realidade e o sentido (14.2).
Escrevendo sobre as principais actividades do espírito humano, que segundo ela serão o “pensar” e o “querer” e o “julgar”, Hannah Arendt diz que, quanto à segunda, o “querer”, ou seja, a “Vontade”, o pensamento da Antiguidade Clássica não a conhecia. E foi precisamente no contexto dos primeiros séculos do cristianismo, de todo não desconhecendo eles essa tradição cultural, que se descobriu essa íntima actividade do nosso espírito, geralmente associada ao coração.
E então, podemos agora nós perguntar: como se podem explicar estas descobertas, precisamente nos alvores do cristianismo? Por mera coincidência, ou porque o coração e a vontade são os dois decisivos ingredientes para a existência da fé?
Visitemos agora aquele Miguel de Unamuno, que já aqui nos fez companhia e que de novo nos continua a dizer que o optimismo é necessário para vivermos, e que a fé – fé na nossa imortalidade, claro está – é um bom suporte para tal optimismo. Chegam a ser dramáticas, mesmo pungentes, as palavras que escolhe para falar deste assunto: “Há que ansiar pela imortalidade, por absurda que nos pareça: mais, há que acreditar nela, de uma maneira ou de outra” (18).
A esta comovente posição, porém, se pode contrapor o que, falando de uma forma impassível e sobre os desejos humanos, a mesma Hannah Arendt noutro passo diz: “Os homens podem desejar o impossível, por exemplo, a vida eterna”.
Na verdade, porque é que o ser humano, que é terra e húmus e esterco, fazendo parte integrante e constituinte da Natureza, há-de ser excepção ao ciclo da vida de tudo o que há vivo na Natureza, onde tudo nasce e cresce e se reproduz e morre, para dar lugar a novos seres? Será por, além de esterco, ele ser também animal simbólico, portanto com a capacidade de voar, ou seja, de congeminar subjectividades que lhe cumpram os seus mais profundos desejos? Mas tudo isso não lhe fica só no reduto da sua mente, sem poder transvazar para o mundo das realidades?
Não obstante, mesmo assim, nós precisamos de ter fé, mas esta será uma fé outra. Ter fé, sim, ter fé na vida, ter fé e confiança na orientação e intencionalidade da Natureza, que é este mundo que nos aparece e ao qual pertencemos (texto 17.3). Será até nesta fé, que também nasce do coração, que podemos encontrar o que de mais íntimo há em nós, a nossa mais profunda intimidade! Com efeito, esta fé, ou confiança, fundada no coração e na vontade (se é que esta não está já naquele) terá de ter necessariamente a anuência da razão, à qual o mundo e a vida aparecem para lhes descobrir, com profundidade e minúcia e na medida do possível, a realidade e o sentido (14.2).
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