domingo, 31 de julho de 2011

TEXTO 26

Queridas amigas e amigos!
Hoje, deixo-vos só com um segmento contextualizado do sempre elucidativo e muitas vezes delicioso diálogo produzido na nossa intimidade e também a ela destinado. É o diálogo que se trava todos os dias dentro de nós entre, por um lado, o instinto e o coração e todo o nosso mundo de emoções, e, por outro lado, a nossa fria razão.
O instinto vai apresentando à razão materiais que ele lhe traz … e esta pergunta: “Que é que trazes aí”? “Trago apetitosa comida e apetitosa bebida, trago sexo, trago muitos divertimentos … Eu gosto muito disto tudo, sabes”? Mas a razão responde: “Vamos lá ver bem o que é que se pode aproveitar disso tudo. Nós precisamos de regular sempre a ingestão de todas essas coisas, entendes? Porque, se regularmos esses apetites, será muito melhor para nós! Podemos gozar muito mais, embora moderadamente, e por muito mais tempo”!
Mas sucede também que a razão – por sua natureza e pelo seu jeito de iluminar e sondar novos mundos que vai conhecendo – sucede também que ela, por seu turno, vai trazendo muitas coisas que afinal fazem a delícia das nossas emoções e são subido prazer para o nosso coração, o qual logo diz: “É tão bonito este filme que me trouxeste! E este livro que estamos a ler! E este imenso mar que está à nossa frente! E esta música que estamos a ouvir … tão pequenina e tão bela! Morro por ouvir esta música! Vamos ouvi-la outra vez”?
E depois de repetidamente ouvirem a música e se comoverem com ela – na realidade, é só o coração que se comove e a razão só observa, embora os dois vivam cada um à sua maneira a delícia que se lhes oferece nesse pedaço de tempo -, o coração insiste e pergunta à razão: “E isso que tens aí, o que é”? “Olha, são crenças que povoam o imaginário da Humanidade: a crença na imortalidade, num Deus Salvador, numa vida eterna e feliz para além da morte” … “Ah”, diz o coração, “é mesmo disso que eu andava à procura! É isso que eu quero! Disso é que eu preciso”! “Eu sei que é isto que queres!”, vai respondendo a razão, “foste até tu que deste o decisivo impulso para que fosse congeminado tudo isso, tudo à medida dos teus desejos e desde o princípio da Humanidade! Mas temos de ver muito bem se estás a ser realista, isto é, ver se isso será mesmo possível”!
Vivemos muito mais do coração do que da razão! O suave e doce perfume de uma rosa ao orvalho da manhã, o indiviso encanto do rosto de uma criança, a silhueta quente de uma jovem mulher, o macio som de uma melodia romântica, a ternura, a tristeza, a alegria, as emoções todas e todos os sonhos e sentimentos, tudo forças, tudo impulsos não poucas vezes até irresistíveis, mais poderosos que esta nossa fria e asséptica razão!... O poeta não diz que é pelo sonho que vamos?
E agora, de entre todas as amigas e amigos que lendo estão este texto, quem se dispõe a continuar aquele diálogo? Ou querem que, se ninguém houver, fiquem inacabados o diálogo e o texto?

domingo, 24 de julho de 2011

NOTA SOLTA

Ontem, um antigo autarca disse, na TV, que ia passar o resto do fim-de-semana “à minha Figueira”. Será que foi pernoitar no casebre de algum casal de velhinhos abandonados? São estes os amigalhaços que lá deixou? Esta a sua Figueira?

TEXTO 25

Caros amigos e amigas, falemos aqui hoje sobre a fé. Antes de mais da fé religiosa, que é aquela que está logo à boca do mundo simbólico de muitos nós, mas também de uma fé outra, não menos importante, que é a nossa fé intra-mundana na vida, que será bom nós valorizarmos.
Escrevendo sobre as principais actividades do espírito humano, que segundo ela serão o “pensar” e o “querer” e o “julgar”, Hannah Arendt diz que, quanto à segunda, o “querer”, ou seja, a “Vontade”, o pensamento da Antiguidade Clássica não a conhecia. E foi precisamente no contexto dos primeiros séculos do cristianismo, de todo não desconhecendo eles essa tradição cultural, que se descobriu essa íntima actividade do nosso espírito, geralmente associada ao coração.
E então, podemos agora nós perguntar: como se podem explicar estas descobertas, precisamente nos alvores do cristianismo? Por mera coincidência, ou porque o coração e a vontade são os dois decisivos ingredientes para a existência da fé?
Visitemos agora aquele Miguel de Unamuno, que já aqui nos fez companhia e que de novo nos continua a dizer que o optimismo é necessário para vivermos, e que a fé – fé na nossa imortalidade, claro está – é um bom suporte para tal optimismo. Chegam a ser dramáticas, mesmo pungentes, as palavras que escolhe para falar deste assunto: “Há que ansiar pela imortalidade, por absurda que nos pareça: mais, há que acreditar nela, de uma maneira ou de outra” (18).
A esta comovente posição, porém, se pode contrapor o que, falando de uma forma impassível e sobre os desejos humanos, a mesma Hannah Arendt noutro passo diz: “Os homens podem desejar o impossível, por exemplo, a vida eterna”.
Na verdade, porque é que o ser humano, que é terra e húmus e esterco, fazendo parte integrante e constituinte da Natureza, há-de ser excepção ao ciclo da vida de tudo o que há vivo na Natureza, onde tudo nasce e cresce e se reproduz e morre, para dar lugar a novos seres? Será por, além de esterco, ele ser também animal simbólico, portanto com a capacidade de voar, ou seja, de congeminar subjectividades que lhe cumpram os seus mais profundos desejos? Mas tudo isso não lhe fica só no reduto da sua mente, sem poder transvazar para o mundo das realidades?
Não obstante, mesmo assim, nós precisamos de ter fé, mas esta será uma fé outra. Ter fé, sim, ter fé na vida, ter fé e confiança na orientação e intencionalidade da Natureza, que é este mundo que nos aparece e ao qual pertencemos (texto 17.3). Será até nesta fé, que também nasce do coração, que podemos encontrar o que de mais íntimo há em nós, a nossa mais profunda intimidade! Com efeito, esta fé, ou confiança, fundada no coração e na vontade (se é que esta não está já naquele) terá de ter necessariamente a anuência da razão, à qual o mundo e a vida aparecem para lhes descobrir, com profundidade e minúcia e na medida do possível, a realidade e o sentido (14.2).

quinta-feira, 21 de julho de 2011

NOTA SOLTA

Todos os nossos bancos e todos os bancos da Europa e do mundo, bancos de dinheiro, devem todos transformar-se em Bancos de Sangue! De sangue?! Sim, de sangue! Porque o dinheiro é o sangue das nações! E com o sangue, ao menos ao menos ninguém pode especular! Dêem-lhes lucros, sim, mas lucros muito bem controlados pelo poder político do povo das nações, o qual é quem dá o sangue!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

TEXTO 24

Caros amigos e amigas!
Depois de aqui falarmos daquela querida figura de Jesus, a quem depois pela fé chamaram Cristo, impõe-se uma pergunta importante: para além de cada um para si e para todos, haverá um salvador para os seres humanos?
No princípio, de acordo com a Bíblia e com a posterior e correspondente tradição religiosa, Deus criou os primeiros seres humanos em estado de inocência, mas eles não tardaram a desobedecer à ordem dada pelo Criador, e por isso caíram em pecado. E como fossem os nossos primeiros pais a cometer essa desobediência, a ela se passou a chamar pecado original.
Original, portanto, porque está na origem do género humano. Tendo embora sido cometido pelos nossos primeiros pais, ele estendeu-se a toda a vindoura Humanidade, e por isso todos os outros seres humanos, com excepção de dois, nascem com ele.
A partir do momento em que tal pecado inicial foi cometido, a Humanidade passou a ser uma Humanidade decaída. E para que este estado de degradação não se perpetuasse, a Humanidade carecia de um Salvador que a elevasse de novo à amizade com Deus. Ora, ainda segundo as fontes já referidas, esse Salvador foi Jesus. Por esta razão, ele e sua mãe, que o gerara virginalmente, foram isentos do pecado original.

Quem primeiro teorizou sobre a queda original da Humanidade e a sua posterior salvação foi Paulo de Tarso, um dos primeiros e mais fervorosos convertidos à causa cristã. Assim, em vários pontos das suas cartas dirigidas aos primeiros cristãos, ele associa contrastivamente dois termos: por um lado, Adão, que trouxe à Humanidade o pecado e a morte; por outro, Jesus Cristo, que trouxe a amizade com Deus e a vitória sobre o pecado e a morte.
Isto leva-nos a poder perguntar o seguinte: no caso de Adão não ter cometido realmente tal pecado, dando início a uma Humanidade decaída, ainda haverá razões para sustentarmos que Cristo é o Salvador, resgatando a Humanidade do pecado e elevando-a à amizade com Deus? Ainda haverá motivos para defender a existência do segundo termo do referido contraste, se este termo, segundo Paulo, existe para remediar os males provocados pelo primeiro? Se a Humanidade não decaiu por um primeiro pecado, ainda haverá lugar para ela ser elevada, a partir desse pecado?

De facto, segundo diversa e não menos verosímil opinião, os nossos primeiros pais não cometeram esse pecado inicial nem trouxeram a morte à Humanidade, mas, simplesmente e em vez disso, constataram que eram seres humanos e começaram a agir em conformidade (ver textos 11.2 e 21). Sua especificidade racional, de que com surpresa deram conta, levou-os a agir livremente e a olhar os outros seres da Natureza de forma diferente. Tão diferente que cada um se começou a sentir separado e isolado de todos os outros seres, incluindo os outros seres humanos. Era preciso, portanto, para vencerem essa existencial solidão, que eles se religassem aos outros seres, mas agora de uma outra maneira, de acordo com as suas humanas capacidades. Se religassem através do amor. E nesta religação, Jesus é realmente um mestre sublime da Humanidade, pois que, com o que disse e fez, praticou exemplarmente o amor. O amor – já sabemos – é a forma mais sublime de o ser humano se ligar aos outros seres. Assim, Jesus, mestre sublime ele é. Mas será também Salvador, segundo a concepção de Paulo e da posterior tradição religiosa? Haverá para os humanos salvador, além de cada um para si e para todos?

quinta-feira, 14 de julho de 2011

TEXTO 23.2


11 - Religião e Imortalidade da alma. Cícero (I séc.a.c.), famoso orador e escritor romano, usava de duas formas bem diversas para se referir à religião e à imortalidade da alma. Primeira: quando, em privado, se dirigia à sua esposa Terência, ou fazia a apologia das virtudes tradicionais do povo romano, ele defendia com firmeza a existência e o poder dos deuses, e bem assim a continuação da nossa vida humana para além da morte, a fim de nos podermos juntar aos nossos familiares e amigos já falecidos, e com eles viver para sempre. Segunda: mas, quando discursava em público, o orador não hesitava em tratar a existência de uma vida futura (a imortalidade da alma) “como uma fábula ridícula, à qual ninguém podia dar qualquer atenção”.

12 - Um sonho lindo. Em “O Sonho de Cipião” – uma obra de Cícero, na qual o autor faz a apologia das virtudes tradicionais do povo romano – o velho personagem Cipião diz aos seus dois interlocutores que em breve irá morrer. E aludindo a um vivo sonho que teve, ele declara que a morte não o irá incomodar, pois que é através dela que ele mesmo se irá juntar aos seus familiares e amigos que já morreram. Esta é uma certeza muito firme e existencial para ele! De tal sorte que, se ele estivesse errado nesta sua convicção, ele quereria não se afastar dela, mas nela – mesmo assim – viver até à morte!

13 - O desenvolvimento da fé. Flávio Josefo era um judeu nascido poucos anos depois da morte de Jesus, e que nunca foi cristão. E como era um rapaz muito inteligente, os romanos levaram-no para Roma, a fim de que aí escrevesse, em latim, a história dos judeus. Por acaso, na sua obra “Antiguidades Judaicas” (anos 90), ele deixou escrito um parágrafo sobre Jesus. E o curioso é que, tendo as suas obras sido copiadas e conservadas por escrivas cristãos, estes não resistiram à tentação de alterar o tal parágrafo sobre Jesus, de acordo com a fé que já neste tinham! Segundo a revisão que operaram ao texto, eles acrescentaram que 1- “Jesus era o Messias”; 2- que aos discípulos ele apareceu ressuscitado ao terceiro dia, segundo as escrituras; 3- e que, portanto, talvez ele fosse mais do que um simples homem! Ora vejam:

14 - O escritor judeu Flávio Josefo, corrigido e aumentado por escrivas cristãos. “Foi por essa altura que viveu Jesus, um homem sábio «se é que lhe devemos chamar homem». Ele fez obras extraordinárias e era o mestre das pessoas que aceitavam os seus ensinamentos como verdadeiros. Conquistou muitos judeus e gregos. «Era o Messias». Quando Pilatos o condenou à morte na cruz, depois de ter ouvido as acusações que lhe faziam os mais ilustres entre nós, aqueles que lhe tinham entregue o seu coração não abdicaram da sua afeição por ele. «Apareceu-lhes ao terceiro dia ressuscitado, pois os profetas de Deus assim o tinham anunciado, bem como outras maravilhas acerca dele». E o grupo dos cristãos, assim designados por causa dele, não desapareceu até aos dias de hoje”.

15 - Dois caminhos para a divinização de Jesus. No processo para a divinização de Jesus, desenvolvido pela fé dos cristãos, tentaram-se dois caminhos: pelo primeiro, “um homem fazia-se Deus”; pelo segundo, “um deus fazia-se homem”. Foi este segundo caminho que vingou, de acordo com o pensamento do “divino” Platão, e conforme o prólogo do evangelho de João.

16 - O impulso de Constantino. Se Jesus Cristo não fosse posto ao serviço da consolidação do império romano, por Constantino, proclamando que Jesus Cristo era Deus e considerando o cristianismo como a religião oficial do império, bem menor seria a distinção entre o Jesus da história e o Cristo da fé.

17 - Os diversos estratos da fé. Tal como um geólogo, para conhecer a constituição da Terra, precisa de conhecer muito bem as diversas camadas ou estratos de terreno que se foram constituindo e sobrepondo através dos milénios, assim um estudioso de Jesus, para conhecer a verdadeira realidade histórica do seu objecto de estudo, precisa de reconhecer e arredar as diversas camadas ou estratos de fé ou devoção que, ao longo dos tempos e por via de “uma reflexão teológica criativa” se foram constituindo e sobrepondo ao núcleo histórico inicial, que foi aquele Jesus da Galileia … filho de José e Maria.

18 - Quando por exemplo se diz, nos evangelhos, que Jesus foi tentado pelo demónio no deserto da Judeia, isso não é facto histórico realmente acontecido ao Jesus histórico, mas simplesmente “facto” atribuído a Jesus por quem acreditava que Jesus era Cristo, o Ungido, o Salvador. Muito mais que textos históricos, os evangelhos são textos de fé. Eles foram escritos por quem acreditava que Jesus era Cristo, e escritos para fazerem mais crentes nesse objecto de fé. Portanto, os anónimos autores dos evangelhos não eram historiadores, mas sim crentes em Cristo, e é nesta qualidade que produzem estes textos. Por tudo isto é que, nos evangelhos, não é fácil muitas vezes distinguir o que é realmente histórico e o que é simplesmente de fé.

19 - Religião e superstições. David Hume foi um eminente filósofo do séc. 18 (p.c.) e um profundo estudioso das religiões. E porque em toda a realidade do Universo será patente um propósito, uma intenção, um desígnio, ele entendia que era razoável acreditar-se em Deus, e ter com ele uma relação de espiritualidade. Mas tudo o que numa religião estivesse acima ou fora dessa crença, tudo isso seria superstição.

20 - Mensagem de Jesus: “Deus ama-te. Ele vem sempre ao teu encontro. Pelo amor, fazes parte do Reino de Deus”.
Mensagem laica para um homem de hoje: “Eu sinto-me feliz, como simples mortal, integrado na evolução do universo. O amor é o melhor da evolução.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

NOTA SOLTA

Este é um decisivo momento para que nós e a Europa demos uma valente sapatada nas agências financeiras americanas, e as mandemos … para a sua casa. Lá é que estão bem, a opinar sobre assuntos intestinos, mas sem serem tendenciosas, como não sabem fazer. Elas têm o desplante de andar a mandar perigosamente no dinheiro de quase todo o mundo, esse sangue que pertence ao corpo das economias nacionais para alimentarem os seus povos.
Nós podíamos chamá-las ao Tribunal Internacional dos Direitos do Homem, mas aí, elas diriam a rir, com aquela inocência de crianças que as caracteriza, diriam que só dão meras opiniões, que só produzem simples orientações para consumo de investidores. Diriam aí que são meras opiniões…e riam-se; protestariam que são simples orientações…e continuavam a rir-se …E no entanto, assim se têm afundado nações, e muitas outras se tornaram débeis! E no entanto, essas agências não são alheias a fundos financeiros que, quando os países têm de ir ao mercado vender títulos da sua dívida, estão lá logo a comprá-los, mas fortemente onerados por juros impossíveis em virtude dessas sábias e recentes e propositadas opiniões, orientações afinal sem qualquer fundamento na realidade, como é este o nosso caso.
Temos uma maioria e um governo e um presidente da nação e um presidente da Comissão Europeia que têm todas as condições e também a obrigação de se entenderem e de fazerem ouvir a sua voz em uníssono, juntamente com os nossos parlamentares europeus, nos centros de decisão da Europa. Como disse o nosso presidente, o mimo que as agências nos pregaram agora deve ser o “detonador” para mudanças radicais na organização financeira da Europa.
Vamos a ver, muito confiantes, aquilo que tudo isto vai dar. Aquilo de que são capazes os nossos representantes e a hesitante consciência europeia que não tem tido coragem nem grandeza. Com a urgência que se impõe.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

NOTA SOLTA

Associamo-nos por inteiro à posição do Governo e a outras manifestações contra as decisões da famigerada agência financeira americana. O mesmo se diga em relação à decisão de chamar à Justiça a referida agência (e porque não ao Tribunal Internacional dos Direitos Humanos?). Porque o dinheiro é o sangue das nações, para produzir e comprar, e ninguém deve negociar com o sangue do povo, muito menos poder ser seu onzeneiro ou vinteneiro!
Quando vamos ter na velha Europa – ela que gerou grande parte das grandes economias actuais - leaders políticos que superem egoísmos nacionalistas e não a deixem morrer?

TEXTO 23.1

Olá, amigos e amigas! O texto que se segue – dividido em duas partes só para efeito desta sua publicação – tem por tema geral “O Jesus histórico … e da fé”, e foi elaborado especialmente com base na obra “A Verdadeira História de Jesus” de E. P. Sanders. Foi também dividido em vinte pequenos textos – dez em cada uma das partes a publicar – para mais fácil exame de cada uma das matérias. Segue a primeira parte do texto:

1 - Jesus era judeu. Para os judeus, Deus é inequivocamente masculino e único.

2 - O nome “Jesus Cristo” tem duas componentes: uma, histórica (Jesus), e a outra, de fé (Cristo). “Jesus” é o nome de um ser humano que existiu historicamente, mas “Cristo” (nome grego) ou “Messias” (nome hebraico), que querem dizer “Ungido”, são nomes que os crentes deram a “Jesus” – portanto nomes de fé – por pensarem que nele se cumpriam as promessas de salvação que Deus operou para o seu povo, segundo o que diz a Bíblia. “Jesus”, o ser humano histórico, terá nascido em Nazaré, de uma relação normal entre homem e mulher, terá tido irmãos … e morreu na cruz. Mas “Jesus Cristo”, precisamente por ser considerado “o salvador” e portanto “Cristo”, fez-se nascer segundo a Bíblia em Belém, filho de uma virgem, foi tentado pelo demónio no deserto … e apareceu ressuscitado.

3 - Podemos estabelecer o confronto entre a missão de João Baptista e a missão de Jesus. João era um asceta, mas Jesus comia e bebia com os ímpios; João pregava o arrependimento, enquanto que Jesus pregava o amor: “os cegos vêem, os surdos ouvem …”; João dizia: “mudem agora de vida ou serão destruídos”, ao passo que Jesus dizia simplesmente “Deus ama-vos”; Para João, a ovelha perdida tem de se decidir a regressar, enquanto que para Jesus, o pastor é que vai à procura da ovelha perdida; João acentuava o cumprimento da Lei (arrependimento, restituição, sacrifício …), mas Jesus, muito embora se não opusesse à obediência à Lei, achava que a sua missão é que era decisiva: segui-lo era mais importante que cumprir a Lei (podendo nós assim entender que, para ele, a lei não era divina). Portanto, sem intermediários e com toda a autoridade, Jesus põe-nos em contacto directo com o Deus do amor.

4 - Quem é Jesus, segundo os três títulos que a si foram aplicados: “Cristo” (ou “Messias”), “Filho de Deus” e “Filho do Homem”. Foram-lhe aplicados, mas não ficamos a saber com exactidão o que Jesus pensava de si próprio e da sua relação com Deus, tendo por base a sua utilização dos referidos títulos: primeiro, porque então não havia definições claras destas três expressões; depois, porque não sabemos se Jesus atribuiu a si próprio cada um dos três títulos em causa. Aliás, os três títulos – cada um e os três em conjunto – parece não terem agradado completamente a Jesus, talvez por se limitarem a um estrito âmbito legal, e ele próprio se considerar acima da Lei.

5 - Quem é Jesus, para além dos três títulos acima referidos. Felizmente, nós dispomos de informações melhores do que os três títulos citados, para sabermos o que Jesus pensava de si próprio e da sua missão. Segundo Jesus, os seus doze discípulos representavam as doze tribos de Israel e haviam de as julgar no fim dos tempos. Ora, não só ele estava acima dos doze, como ainda a sua própria missão era de absoluta importância, a ponto de a resposta à sua mensagem estar acima das respostas de cumprimento da Lei. Jesus fala e age em nome de Deus, com toda a autoridade, sem intermediários. O encargo que recebera, de falar em nome de Deus, baseava-se num sentimento de intimidade pessoal com a divindade. Íntimo de Deus, mas não Deus, dado o monoteísmo judaico em que se inseria. Ele foi executado por ser considerado “Rei dos Judeus”. Segundo a consciência que tinha de si próprio, ele era o Vice-Rei do “Reino de Deus”, que é o mesmo que “Reino do Amor”

6 - Pilatos responsável. A responsabilidade pela morte de Jesus é de Pilatos, muito embora este pudesse seguir parecer de Caifás, a quem competia trazer mais ou menos na ordem os Judeus. Se Pilatos nos parece tentar evitar a morte de Jesus, isso deve-se a que os primeiros cristãos (e os autores das narrativas evangélicas com eles) queriam estar nas boas graças dos romanos! Assim, os verdadeiros “deicidas” seriam os judeus. Os primeiros cristãos procuram evitar desentendimentos com os romanos, à custa dos judeus.

7 - Ressurreição de Jesus. Embora a ressurreição não faça parte “da história do Jesus histórico”, sabemos que os seus seguidores experienciaram a ressurreição dele, ainda que não saibamos “que realidade suscitou estas experiências”. Eles acreditaram no Jesus ressuscitado, o qual havia de vir em breve, glorioso, implantar o Reino de Deus. Mas o Senhor tardava em chegar!..., e por isso é que a reflexão criativa dos cristãos se foi avolumando desde logo. Assim, já no texto dos evangelhos, nós temos de arredar diversas camadas de fé cristã, para descobrirmos o núcleo histórico da figura de Jesus!

8 - Familiares de Jesus. Os familiares de Jesus tiveram muitas dificuldades em aceitar a passagem do Jesus da história para o Cristo da fé, mas depois aceitaram-na.

9 - Os evangelhos. Embora sejam anónimos, os quatro evangelhos foram atribuídos a quatro figuras importantes entre os primitivos cristãos (Mateus, Marcos, Lucas e João), para que assim gozassem de uma sólida autoridade. Partindo de perícopas e de proto-evangelhos já existentes, os evangelhos foram organizados e escritos por crentes em Jesus Cristo, para firmarem na fé outros que já acreditavam e para fazerem mais crentes. Por isso é que, valorizando especialmente os elementos relacionados com a fé em Cristo, se pode dizer que os evangelhos são mais livros de fé em Cristo, do que livros da história da vida de Jesus.

10 - A ressurreição e a divindade de Jesus, atribuídas a Jesus pelos cristãos, são os pontos em que, a respeito do mesmo Jesus, judeus e cristãos nunca se entenderam.

domingo, 3 de julho de 2011

TEXTO 22

BILHETE-POSTAL A MÁRIO

Meu caro Mário,

Não é por desprimor que lhe envio só bilhete-postal, considerando que a outras pessoas mandei cartas. Envio-lhe só bilhete-postal porque, enquanto outras pessoas mandaram cartas a Deus, o Mário mandou só bilhete-postal.
Nessa pequenina mas muito bela missiva, o Mário invoca Deus, da seguinte maneira: “Meu Pai, meu Filho, meu Espírito Santo”.
Permita-me então que lhe formule algumas perguntas simples: como é que sabe que Deus é Pai e Filho e Espírito Santo? Talvez responda que o sabe por elementos que tira dos livros sagrados, não é? Mas a Bíblia será de facto o repositório da Palavra de Deus, ou ela é simplesmente produto da inteligência espiritual da humanidade?
Se os antigos pensavam que, quando trovejava, era Deus que estava a ralhar, porque não há-de pensar-se hoje que Deus nos fala na palavra da Bíblia? Não é até este Deus muito mais à medida do homem, mais humanizado, utilizando até a sua linguagem? E no entanto, essas palavras da Bíblia podem muito bem ser só palavras humanas!
Se se escolher a segunda alternativa, que parece a mais provável, sobrevêm-nos ainda mais perguntas: Quando a Bíblia diz que Deus criara o homem à sua imagem e semelhança, não estará ela também, profundamente, a dizer que é o homem que está “criando” um deus à sua imagem? Não estará o homem – que também produz verbo mental e que também pode amar – a atribuir a Deus aquelas suas propriedades, embora em grau absoluto?
Como escritor que é, já com certeza terá sentido muita alegria com os filhos literários que vai criando! Ora, isso que se passa consigo terá semelhanças com a trindade de Deus, ou é a trindade de Deus que é imaginada à semelhança do que sente o escritor, em relação à sua obra? Será possível, enfim, dizer algo de Deus, e até imaginá-lo, se ele é o Inefável?
São muito belas as palavras do seu bilhete-postal, que dirige a Deus. Mas será que podemos ir a Deus por palavras e imagens mentais, ou será Ele que pode vir ao nosso encontro, no meio do silêncio da alma, para aquém ou para além das palavras e das imagens? E se vier, não será possível simplesmente amá-lo, e nesse amor o conhecer, no meio do silêncio?
Com muita atenção,
João.