Olá!
Aquela menina pequenina e recente, a qual na Quinta Verde desencalha as escalas de serviço do pessoal, anda aqui, neste final de pequeno-almoço, a ajudar as utentes a sair da sala. Pelas avenidas entre as mesas da sala, como também nas mais largas e longas avenidas dos corredores, várias utentes viajam no seu carrinho de marca Andarilho Adagio, mas viajam tão lentamente que até o próprio caracol as poderia ultrapassar. Se aqui dentro houvesse, como às vezes há na rua, autoridade a impor velocidades mais altas, todas estas viajantes ficariam em terra e deixariam de poder viajar.
Uma engenhosa velhinha destas conseguiu fazer suspender, da barra do seu carrinho, um porta-luvas de papelão onde transporta alguns dos seus mais urgentes pertences. Vai daí que, precisamente hoje, esta menina velhinha enfiou no seu porta-luvas a chávena do seu pequeno-almoço, contravenção que a tal menina recente pôde constatar. E constatando, logo mandou parar a viajante, e sobre o assunto a interpelou: “Ó Dona Assim e Assim, então para onde leva esta caneca”? Ó minha-menina-velhinha- que-vais-a-andar-tão-devagarinho, mas então, para que queres tu a “caneca”? Para a levares para o quarto? Mas para quê? Será para ires de lá bebendo e sempre a enchendo durante a noite de alguma espirituosa bebida, e toda a noite ires cantando “ora zumba na caneca,/ ora na caneca zumba, / o diabo da caneca / toda a noite catrapumba”?!...
Caminho agora por esta silenciosa rua da vila. Brilhante e fresca está a manhã, nestes tempos frios em que festejamos outro início do remontar do sol no firmamento. E de súbito, na berma da estrada, um pequeno montinho de pedrinhas muito brancas. Se me não fossem tão branquinhas as pedrinhas, ali na berma da estrada, eu passava à frente e elas eram-me indiferentes. Mas se uma pedrinha de qualquer cor que fosse me entrasse no sapato, então eu não lhe podia ser indiferente! Teria de parar, tirar e sacudir o sapato, e de novo calçá-lo.
Quando dizemos que algo é bom ou mau para nós, é porque a isso nós não somos indiferentes. Então, algo é bom ou mau em si mesmo, ou somos nós que o fazemos bom ou mau? E se não tivéssemos a liberdade de escolher, ou simplesmente a capacidade mental de ver e escolher e decidir, haveria coisas boas e más? Haveria o mal e o bem? Para aquela vaquinha que além pasta deliciada no prado, também haverá coisas boas e más? Que diferenças haverá entre o caso dela e o nosso, se acaso elas existem? E existindo, as diferenças medir-se-ão só em termos de quantidade ou também de qualidade?
E aqui paro agora, de fronte a um muro alto, voltado para o sol. Que bom para o muro – se o muro pudesse ser como eu – que bom estar assim, neste balbuciante Inverno, voltado para o sol e com tão belo panorama em frente! É claro que, se ele fosse como eu, com este sol de Inverno, teria de pôr também um chapéu na cabeça!
Ali, no meio do muro, à altura de um homem, está um pequeníssimo menino metido em sua redonda casinha e colado ao cimento. Que delicioso será para ele, assim dormindo um sono longo, receber o benfazejo calor através da sua concha! E não obstante, eu cometo o verdadeiro sacrilégio de o desencravar do muro, para o transportar na concha da minha mão.
Pelo caminho, eu vou vendo se ele põe cá para fora a cabeça e os cornitos, a fim de tactear o mundo e ver onde está. Mas, nada! Durante todo o caminho de regresso, nada saiu lá de dentro. E mais: tudo permanece dentro da casinha, sempre protegido por uma película que o continua a isolar totalmente do mundo! De onde deduzo que, para não acordar assim, com muita probabilidade se tratará de um menino já muito velho e doente...
“Menina enfermeira, trago ali um menino, que deixei na quinta, mas que precisa de ser aqui recolhido no lar. Deve ser muito velhinho e doente”! “Pois é”, diz ela, “mas nós agora só temos lugar para uma menina”! Oh, minha Nossa..., mas então como é que eu agora vou averiguar se ele é menina ou menino? Despontarão os cornitos, de entre um rosto rosado e macio e um cabelo em caracóis, ou de entre um carão de barba rija e umas melenas ao vento? Terá ele uma vozita de flauta ou de flautim emplumada em risadinhas, ou exibirá vozeirão de trombone ou trovão? Dono será ele de umas maminhas levantadas e redondinhas, e o resto do tronco em concha para acolher sementinhas e elas aí germinarem e crescerem, ou será antes, e ao contrário, quem lá pode depositar tais sementes? Haverá, lá dentro, sapato alto para valor acrescentar, ou só sapato raso para não andar descalço?
Mas a insistente enfermeirazinha não se fica só por aquela exigência! “Além disso”, acrescenta ela, “terá de ser apresentado relatório médico, onde constem a idade e as suas principais maleitas”. Oh, minha Nossa Senhora! Por esta é que eu não esperava!... Mas como para grandes males, muitas vezes remédio há, talvez também aqui isso aconteça... Há na quinta, de onde o lar tira o seu nome, restos de poda recente de dois belos aloendros. E assim, num raminho de algumas folhas e rematado por uma flor, eu encontro uma parte da solução, e a outra já vem a caminho! “Menina enfermeira, está aqui o relatório que exigiu, lavrado neste papel que é de sua usança. O menino tem um primo médico e foi este que o lavrou. Está cá tudo o que é preciso. Tem é de ser lido com óculos de muito aumento e até talvez à lupa, porque a letra é muito miudinha!... “
Agora, só resta ir outra vez à quinta, para ver se o menino continua no sítio onde foi posto, e se já está a comer ou ainda continua a dormir. Mas, simplesmente, ele não está! E sondo com cuidado o espaço, num raio cada vez maior, mas não o encontro! Afinal, o caracol não anda assim tão devagar! Como quem aqui viaja em Andarilho Adagio, também não anda assim tão lentamente!
E agora, meninas e meninos, só deixo duas perguntas no ar. Quem disse que não pode haver ternura, ao falarmos da vida? Não estará certo, portanto, aquilo do subtítulo dado a este blog, que nos aponta para o fascínio pela vida, pela vida breve que nos possui, neste planeta azul?
Aquela menina pequenina e recente, a qual na Quinta Verde desencalha as escalas de serviço do pessoal, anda aqui, neste final de pequeno-almoço, a ajudar as utentes a sair da sala. Pelas avenidas entre as mesas da sala, como também nas mais largas e longas avenidas dos corredores, várias utentes viajam no seu carrinho de marca Andarilho Adagio, mas viajam tão lentamente que até o próprio caracol as poderia ultrapassar. Se aqui dentro houvesse, como às vezes há na rua, autoridade a impor velocidades mais altas, todas estas viajantes ficariam em terra e deixariam de poder viajar.
Uma engenhosa velhinha destas conseguiu fazer suspender, da barra do seu carrinho, um porta-luvas de papelão onde transporta alguns dos seus mais urgentes pertences. Vai daí que, precisamente hoje, esta menina velhinha enfiou no seu porta-luvas a chávena do seu pequeno-almoço, contravenção que a tal menina recente pôde constatar. E constatando, logo mandou parar a viajante, e sobre o assunto a interpelou: “Ó Dona Assim e Assim, então para onde leva esta caneca”? Ó minha-menina-velhinha- que-vais-a-andar-tão-devagarinho, mas então, para que queres tu a “caneca”? Para a levares para o quarto? Mas para quê? Será para ires de lá bebendo e sempre a enchendo durante a noite de alguma espirituosa bebida, e toda a noite ires cantando “ora zumba na caneca,/ ora na caneca zumba, / o diabo da caneca / toda a noite catrapumba”?!...
Caminho agora por esta silenciosa rua da vila. Brilhante e fresca está a manhã, nestes tempos frios em que festejamos outro início do remontar do sol no firmamento. E de súbito, na berma da estrada, um pequeno montinho de pedrinhas muito brancas. Se me não fossem tão branquinhas as pedrinhas, ali na berma da estrada, eu passava à frente e elas eram-me indiferentes. Mas se uma pedrinha de qualquer cor que fosse me entrasse no sapato, então eu não lhe podia ser indiferente! Teria de parar, tirar e sacudir o sapato, e de novo calçá-lo.
Quando dizemos que algo é bom ou mau para nós, é porque a isso nós não somos indiferentes. Então, algo é bom ou mau em si mesmo, ou somos nós que o fazemos bom ou mau? E se não tivéssemos a liberdade de escolher, ou simplesmente a capacidade mental de ver e escolher e decidir, haveria coisas boas e más? Haveria o mal e o bem? Para aquela vaquinha que além pasta deliciada no prado, também haverá coisas boas e más? Que diferenças haverá entre o caso dela e o nosso, se acaso elas existem? E existindo, as diferenças medir-se-ão só em termos de quantidade ou também de qualidade?
E aqui paro agora, de fronte a um muro alto, voltado para o sol. Que bom para o muro – se o muro pudesse ser como eu – que bom estar assim, neste balbuciante Inverno, voltado para o sol e com tão belo panorama em frente! É claro que, se ele fosse como eu, com este sol de Inverno, teria de pôr também um chapéu na cabeça!
Ali, no meio do muro, à altura de um homem, está um pequeníssimo menino metido em sua redonda casinha e colado ao cimento. Que delicioso será para ele, assim dormindo um sono longo, receber o benfazejo calor através da sua concha! E não obstante, eu cometo o verdadeiro sacrilégio de o desencravar do muro, para o transportar na concha da minha mão.
Pelo caminho, eu vou vendo se ele põe cá para fora a cabeça e os cornitos, a fim de tactear o mundo e ver onde está. Mas, nada! Durante todo o caminho de regresso, nada saiu lá de dentro. E mais: tudo permanece dentro da casinha, sempre protegido por uma película que o continua a isolar totalmente do mundo! De onde deduzo que, para não acordar assim, com muita probabilidade se tratará de um menino já muito velho e doente...
“Menina enfermeira, trago ali um menino, que deixei na quinta, mas que precisa de ser aqui recolhido no lar. Deve ser muito velhinho e doente”! “Pois é”, diz ela, “mas nós agora só temos lugar para uma menina”! Oh, minha Nossa..., mas então como é que eu agora vou averiguar se ele é menina ou menino? Despontarão os cornitos, de entre um rosto rosado e macio e um cabelo em caracóis, ou de entre um carão de barba rija e umas melenas ao vento? Terá ele uma vozita de flauta ou de flautim emplumada em risadinhas, ou exibirá vozeirão de trombone ou trovão? Dono será ele de umas maminhas levantadas e redondinhas, e o resto do tronco em concha para acolher sementinhas e elas aí germinarem e crescerem, ou será antes, e ao contrário, quem lá pode depositar tais sementes? Haverá, lá dentro, sapato alto para valor acrescentar, ou só sapato raso para não andar descalço?
Mas a insistente enfermeirazinha não se fica só por aquela exigência! “Além disso”, acrescenta ela, “terá de ser apresentado relatório médico, onde constem a idade e as suas principais maleitas”. Oh, minha Nossa Senhora! Por esta é que eu não esperava!... Mas como para grandes males, muitas vezes remédio há, talvez também aqui isso aconteça... Há na quinta, de onde o lar tira o seu nome, restos de poda recente de dois belos aloendros. E assim, num raminho de algumas folhas e rematado por uma flor, eu encontro uma parte da solução, e a outra já vem a caminho! “Menina enfermeira, está aqui o relatório que exigiu, lavrado neste papel que é de sua usança. O menino tem um primo médico e foi este que o lavrou. Está cá tudo o que é preciso. Tem é de ser lido com óculos de muito aumento e até talvez à lupa, porque a letra é muito miudinha!... “
Agora, só resta ir outra vez à quinta, para ver se o menino continua no sítio onde foi posto, e se já está a comer ou ainda continua a dormir. Mas, simplesmente, ele não está! E sondo com cuidado o espaço, num raio cada vez maior, mas não o encontro! Afinal, o caracol não anda assim tão devagar! Como quem aqui viaja em Andarilho Adagio, também não anda assim tão lentamente!
E agora, meninas e meninos, só deixo duas perguntas no ar. Quem disse que não pode haver ternura, ao falarmos da vida? Não estará certo, portanto, aquilo do subtítulo dado a este blog, que nos aponta para o fascínio pela vida, pela vida breve que nos possui, neste planeta azul?
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