III
Subamos agora até ao alto do miradouro, onde podemos alargar mais os nossos horizontes, e até, quem sabe, descobrir onde está o umbigo do mundo! E como ainda é um pouco longe e não temos nada que fazer, contemos uma saborosa história. É afinal a historiazinha tantas vezes repetida do instinto e da razão, os quais a Natureza nos concedeu para podermos governar a nossa vida, mas que frequentemente não se entendem entre si lá muito bem! Gaiteiro e namoradeiro e cheio de expedientes como é, muitas vezes o instinto põe mansinha a mão no ombro da razão, segreda-lhe umas coisas com doçura à orelha...e logo os dois vão dançar o vira para o arraial! Até às tantas dançam, primeiro desagarrados e depois agarradinhos. E é então a oportuna altura de o instinto puxar a razão para lugares escusos e aí desafiá-la para mais umas coisitas! E a razão, que por natureza deve gostar da luz mas já está meio entontecida e sonolenta, não resiste ao apelo, e deixa-se levar!
Há encarniçadas guerras simbólicas entre os humanos, algumas delas quase com a idade da própria Humanidade, que, se eles soubessem porque elas se levantam e ganham relevância, o seu impacto seria reduzido ou até de todo desapareceriam. Na generalidade dos casos, é a voz do instinto e do coração, que, sabendo muito bem agenciar a alma e levá-la para o seu campo, assim a põe a travar essas encarniçadas batalhas, as quais para a alma não deviam ter sentido porque só dizem respeito ao instinto e ao coração.
E eis que já chegámos há pouquinho ao alto do mirante, e já ali se põe um menino a dizer que, para além de tantos montes e vales que daqui pode ver e já viu todos, o que ele quer mesmo é ver se descobre e onde está o tal e tão importante umbigo do mundo. Isso mesmo, meu amigo, é isso a que agora vamos. Na antiga Grécia, Apolo era o deus da razão. No frontispício do magnífico templo a ele dedicado, em Delfos, podia ler-se a seguinte inscrição: “Conhece-te a ti mesmo”. Para os gregos de então, que não andavam torturados com as aldrabices das suas contas públicas, o centro do mundo era ali. Ali era o umbigo do mundo. Tal como um bebé, que, antes de nascer, só se pode alimentar pelo umbigo, assim também, depois de nascido, só se poderá alimentar através do auto-conhecimento. Por isso, o mais importante na vida, é conhecermo-nos a nós mesmos, porque é pelo auto-conhecimento que nos alimentamos. O auto-conhecimento, que nunca na vida podemos dar por acabado, é o umbigo pelo qual nos vamos alimentando. Somos feitos, profundamente feitos de instinto ou coração mas também profundamente feitos de razão ou alma, e de frutos que dessas duas fontes nos vêm nós nos alimentamos. Mas o umbigo da alimentação está na razão ou alma, está no auto-conhecimento. Por tudo isto é que a imbecilidade é um vício detestável. Isto, porém, ficará para outra ocasião, muito embora os meninos e as meninas já possam ir congeminando razões.
“Mas ouça lá, meu amigo”, pergunta aquela curiosa menina, “então não seria melhor que, por natureza, nós fôssemos só um mar de emoções que nos fizessem até chorar de alegria, emoções que nos chegam dessa parte mais antiga do nosso ser, e portanto não houvesse necessidade de termos razão ou alma”? Boa pergunta, minha menina, muito boa pergunta! Mas então, para sermos esse mar de emoções de alegria, não teríamos de ser também o seu contrário, isto é, também um mar de emoções de tristeza, de pena e até de luto? E sentir alegrias e tristezas, muito embora elas tenham raízes muitas vezes no corpo, isso não é fruto próprio da razão ou alma? Sem esquecermos, minha curiosa menina, sem esquecermos que a evolução, se bem nos fez assim com corpo de instintos e emoções e coração, também nos fez subir à fria razão e à consciência! Nisto, não podemos mexer, não é? (Eu bem sei que até houve um pensador que afirmou que a evolução fez evoluir demasiado o bicho que havia de dar o ser humano, e isso redundou em que este, se bem que ficasse equipado com mais competências, também ficou com mais problemas. Mas isto, torno a dizer, não podemos alterar!). E se não fôssemos também razão e consciência, e portanto não nos pudéssemos ir conhecendo a nós mesmos, estávamos aqui com esta conversa? E não é também esta conversa toda, para quem escreve e quem lê, uma saborosa alegria que a todos nos está possuindo?
Mas aquele auto-conhecimento - era isto que eu queria acrescentar quando aquela menina falou e fez a pergunta – aquele auto-conhecimento que Apolo e a razão nos facultam, ainda nos dá asas para vislumbrarmos e acedermos a um nível mais sublime de conhecimento! A razão já não chega lá, mas não se opõe a ele e até no-lo pode apontar. Esse nível mais alto de conhecimento e auto-conhecimento, que a razão já não nos dá mas só aponta, é o conhecimento pelo amor. Podemos então dizer que o genuíno umbigo do mundo é o amor. Pelo amor e de amor nos devemos alimentar. Amor que, portanto, além de amor, é também a mais sublime forma de conhecer. A um tempo, o amor é o umbigo e o alimento.
Ainda havemos de voltar a este assunto, se a isso não se opuserem os meninos e as meninas.
Subamos agora até ao alto do miradouro, onde podemos alargar mais os nossos horizontes, e até, quem sabe, descobrir onde está o umbigo do mundo! E como ainda é um pouco longe e não temos nada que fazer, contemos uma saborosa história. É afinal a historiazinha tantas vezes repetida do instinto e da razão, os quais a Natureza nos concedeu para podermos governar a nossa vida, mas que frequentemente não se entendem entre si lá muito bem! Gaiteiro e namoradeiro e cheio de expedientes como é, muitas vezes o instinto põe mansinha a mão no ombro da razão, segreda-lhe umas coisas com doçura à orelha...e logo os dois vão dançar o vira para o arraial! Até às tantas dançam, primeiro desagarrados e depois agarradinhos. E é então a oportuna altura de o instinto puxar a razão para lugares escusos e aí desafiá-la para mais umas coisitas! E a razão, que por natureza deve gostar da luz mas já está meio entontecida e sonolenta, não resiste ao apelo, e deixa-se levar!
Há encarniçadas guerras simbólicas entre os humanos, algumas delas quase com a idade da própria Humanidade, que, se eles soubessem porque elas se levantam e ganham relevância, o seu impacto seria reduzido ou até de todo desapareceriam. Na generalidade dos casos, é a voz do instinto e do coração, que, sabendo muito bem agenciar a alma e levá-la para o seu campo, assim a põe a travar essas encarniçadas batalhas, as quais para a alma não deviam ter sentido porque só dizem respeito ao instinto e ao coração.
E eis que já chegámos há pouquinho ao alto do mirante, e já ali se põe um menino a dizer que, para além de tantos montes e vales que daqui pode ver e já viu todos, o que ele quer mesmo é ver se descobre e onde está o tal e tão importante umbigo do mundo. Isso mesmo, meu amigo, é isso a que agora vamos. Na antiga Grécia, Apolo era o deus da razão. No frontispício do magnífico templo a ele dedicado, em Delfos, podia ler-se a seguinte inscrição: “Conhece-te a ti mesmo”. Para os gregos de então, que não andavam torturados com as aldrabices das suas contas públicas, o centro do mundo era ali. Ali era o umbigo do mundo. Tal como um bebé, que, antes de nascer, só se pode alimentar pelo umbigo, assim também, depois de nascido, só se poderá alimentar através do auto-conhecimento. Por isso, o mais importante na vida, é conhecermo-nos a nós mesmos, porque é pelo auto-conhecimento que nos alimentamos. O auto-conhecimento, que nunca na vida podemos dar por acabado, é o umbigo pelo qual nos vamos alimentando. Somos feitos, profundamente feitos de instinto ou coração mas também profundamente feitos de razão ou alma, e de frutos que dessas duas fontes nos vêm nós nos alimentamos. Mas o umbigo da alimentação está na razão ou alma, está no auto-conhecimento. Por tudo isto é que a imbecilidade é um vício detestável. Isto, porém, ficará para outra ocasião, muito embora os meninos e as meninas já possam ir congeminando razões.
“Mas ouça lá, meu amigo”, pergunta aquela curiosa menina, “então não seria melhor que, por natureza, nós fôssemos só um mar de emoções que nos fizessem até chorar de alegria, emoções que nos chegam dessa parte mais antiga do nosso ser, e portanto não houvesse necessidade de termos razão ou alma”? Boa pergunta, minha menina, muito boa pergunta! Mas então, para sermos esse mar de emoções de alegria, não teríamos de ser também o seu contrário, isto é, também um mar de emoções de tristeza, de pena e até de luto? E sentir alegrias e tristezas, muito embora elas tenham raízes muitas vezes no corpo, isso não é fruto próprio da razão ou alma? Sem esquecermos, minha curiosa menina, sem esquecermos que a evolução, se bem nos fez assim com corpo de instintos e emoções e coração, também nos fez subir à fria razão e à consciência! Nisto, não podemos mexer, não é? (Eu bem sei que até houve um pensador que afirmou que a evolução fez evoluir demasiado o bicho que havia de dar o ser humano, e isso redundou em que este, se bem que ficasse equipado com mais competências, também ficou com mais problemas. Mas isto, torno a dizer, não podemos alterar!). E se não fôssemos também razão e consciência, e portanto não nos pudéssemos ir conhecendo a nós mesmos, estávamos aqui com esta conversa? E não é também esta conversa toda, para quem escreve e quem lê, uma saborosa alegria que a todos nos está possuindo?
Mas aquele auto-conhecimento - era isto que eu queria acrescentar quando aquela menina falou e fez a pergunta – aquele auto-conhecimento que Apolo e a razão nos facultam, ainda nos dá asas para vislumbrarmos e acedermos a um nível mais sublime de conhecimento! A razão já não chega lá, mas não se opõe a ele e até no-lo pode apontar. Esse nível mais alto de conhecimento e auto-conhecimento, que a razão já não nos dá mas só aponta, é o conhecimento pelo amor. Podemos então dizer que o genuíno umbigo do mundo é o amor. Pelo amor e de amor nos devemos alimentar. Amor que, portanto, além de amor, é também a mais sublime forma de conhecer. A um tempo, o amor é o umbigo e o alimento.
Ainda havemos de voltar a este assunto, se a isso não se opuserem os meninos e as meninas.