quinta-feira, 10 de setembro de 2015

323.3 - A Ciência e o Divino

3 – Fiolhais é cientista, mas também é homem religioso. Isto vê-se bem quando ele procura atenuar a rigidez do ateísmo de alguns cientistas – casos de Bohr e de Schrodinger – tentando ver neles o seu possível lado religioso. É por isso que o autor, fazendo bem escolhidas citações destes físicos, conclui que os dois reconhecem “a necessidade de realidades exteriores à realidade material que é objecto do método da ciência” (sublinhado nosso). Que realidades, então, serão essas? Realidades espirituais? Divinas?
Eis alguns segmentos da citação de Schrodinger: “Espanta-me muito a deficiência do quadro científico do mundo à nossa volta. Ele fornece um monte de informações factuais, coloca toda a nossa experiência numa ordem magnificamente consistente, mas não nos dá mais do que um medonho silêncio sobre as pessoas que estão perto do nosso coração, que são o que realmente nos importa. Ele não nos diz uma palavra a respeito do amargo e do doce, do vermelho e do azul, da dor e do prazer físico, do belo e do feio, do bem e do mal, de Deus e da eternidade” (p. 64, sublinhado nosso).
Começa então este físico por se lamentar de que “o quadro científico do mundo real à nossa volta” não nos dá “mais do que um medonho silêncio sobre as pessoas que estão perto do nosso coração, que são o que realmente nos importa”. E nós, a esse lamento, podemos responder perguntando: e terá, a ciência, de dar mais do que dá? Competirá à ciência física quebrar esse medonho silêncio e, em seu lugar, fazer avultar o mundo simbólico que nós e as pessoas (que nos estão perto) criamos com os nossos corações e espíritos? Depois, que “realidades exteriores” há aqui referidas, para além de nós e das pessoas que amamos, todos nós que florescemos da materialidade que também somos? É a isto que ora vamos tentar responder.
Que coisas são, com efeito, o doce e o amargo? Serão mesmo “realidades exteriores à realidade material”? Parece que não, pois que o doce não é uma outra realidade distinta e diferente, para além das realidades de mim e do mel, tal como o amargo, para além de mim e do limão. Em si mesmos, o doce e o amargo não são realidades exteriores a mim, ao mel e ao limão. Sem falarmos dos seus conceitos, o doce e o amargo são sensações minhas, a partir de características do mel e do limão.
O mesmo se diga do vermelho e do azul, do belo e do feio, mudado aquilo que mudar se deve. Sem consistência real, eles só existem na minha realidade humana que sente, e nos reais objectos que, pelas suas características, eu acho que são vermelhos, ou azuis, ou belos, ou feios.
E que dizer da dor e do prazer físico? Eles têm ou são realidades distintas e diferentes, fora de nós e de quaisquer outras coisas que eventualmente no-los possam causar? Quer se fale de dor mental ou física, e também de prazer físico e ainda espiritual, nada disso tem consistência real. O que há realmente são pessoas doridas física e/ou mentalmente, bem como pessoas deleitadas física e/ou espiritualmente, tudo isso motivado ou favorecido por qualquer agente real: nós mesmos, ou fora de nós.
Por outro lado, bem e mal, bom e mau, coisa boa e coisa má, o amor é bom e a injustiça é má, tudo isto são graus de abstracção ou subjectividade, embora em direcção descendente, e portanto caminhando para serem realidades, que de facto ainda não são. Porque o amor só existe realmente em concretos amantes, tal como a injustiça também só é real em concretas pessoas agredidas ou agressoras: as primeiras padecendo, agindo as segundas. Amor e ódio, justiça e injustiça não são propriamente realidades: o que é real são pessoas que amam ou odeiam, que são justas ou injustas. Os valores humanos não são realidades em si mesmos, mas só na concreta realidade dos humanos e também nas realidades da sua circunstância. É por isto que os tribunais, por exemplo, presentificam, também eles, o valor humano da justiça.
Onde estão então as “realidades exteriores à realidade material”, de que fala Fiolhais, como estando presentes nestes dois físicos ateus, e concretamente em Schrodinger? Realidades espirituais? Divinas? Pois nem sequer são realidades em si mesmas! O que acontece é que o ser humano é dotado de mente, sobretudo de espírito. E aquilo que aí se passa, para um físico, até mesmo ateu, é tão inexplicável que até poderia ser divino. Espiritual, é com certeza, e até transcendental, como adiante se verá, mas transcendente não. E é claro que não há só a ciência física, com a qual se olha mais para fora do que para dentro. Para o caso que temos em apreço, existem sobretudo as ciências do espírito.

Ah, mas ainda falta falarmos de Deus e da eternidade, os dois derradeiros elementos de que fala Schrodinger. Da eternidade, podemos já dizer que não existe. O que poderá existir são seres eternos, seres não sujeitos às mudanças medidas pelo tempo. E quanto a Deus, dir-se-á mais adiante.   

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