domingo, 27 de setembro de 2015

327 - Uma Escola Singular

Houve outrora a luminosa escola de Apolo,
onde Diónisos, o excessivo, aprendia:

é a perene escola que está dentro de nós

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

326 - Naquele Estio

Após trabalho árduo, num banco se sentou
e, jubilosa, a menina pulou-lhe para o regaço:

a vida às vezes é tão bela que até dói, não é, pai?

domingo, 20 de setembro de 2015

325 - Presença

Corridas as cortinas dos sentidos e calado o pensamento,
entremos na concha do silêncio, e por ele no ser:

viver a partir desse centro, isso é já a perfeição

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

324 - Os Dois Lados da Luz

Feito de tempo, de vicissitudes guardadas na memória,
é o eu. Mas será perene esta luz que de fora o olha?

Ou ela é só a outra face da luz que está por dentro?

domingo, 13 de setembro de 2015

323.4 - A Ciência e o Divino


4 – E eis que chegamos ao caso de Einstein. Partindo de dados do texto do professor de Coimbra, sabe-se que um dia, para desfazer dúvidas sobre aquilo que Einstein, que era judeu, pensava sobre o divino, o rabi de Nova Iorque perguntou-lhe se ele acreditava em Deus, ao que lhe respondeu da maneira seguinte: “Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na ordem harmoniosa de tudo o que existe no mundo, e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos actos dos seres humanos” (p. 67). E noutra ocasião, continuando a fundar-se no judeu Espinosa, Einstein afirmou: “Nós, seguidores de Espinosa, vemos o nosso Deus na maravilhosa ordem e submissão às leis de tudo o que existe, e também na alma disso, tal como se revela nos seres humanos e nos animais. Saber se a crença num Deus pessoal deve ser contestada é uma outra questão”. E pouco depois explica que, para a maioria das pessoas, esta última crença lhe “parece preferível à falta de qualquer visão transcendental da vida” (p. 67), o que manifestamente não é o caso dele, porque já tem esta visão transcendental, assim não precisando de aceitar o Deus pessoal transcendente. Porque ter visão transcendental é diverso de afirmar a transcendência divina: visão transcendental podemos consegui-la só por nossas capacidades naturais, mas o Deus pessoal transcendente, só pela fé se poderá admitir e aceitar.
Ora, como se vê, o Deus de Espinosa (1632-77) e de Einstein é simplesmente um Deus interno ao mundo, e portanto nada mais do que isso. Sendo assim, o Deus destes dois judeus é diferente dAquele Outro do rabi de Nova Iorque, o qual é o Deus tradicional dos judeus, Deus uno, único e pessoal, que se interessa especialmente pelo seu povo. Foi em conformidade com esta última visão de Deus que os confrades religiosos de Espinosa o proscreveram da comum Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Segundo estes – e agora com certeza também segundo o rabi americano – o Deus de Espinosa e de Einstein não é o verdadeiro Deus.
Fiolhais ainda refere que um dia, a quem perguntou ao cientista se ele era uma pessoa religiosa, ele respondeu assim: “Sim, sou, pode dizer isso” (p. 67). Mas é claro que a sua religião é só transcendental, atendendo exclusivamente à maravilhosa realidade do mundo, e não a religião da transcendência divina de um Deus pessoal que se ocupa do destino dos homens.
Einstein é portanto um panteísta: todo o universo e o universo todo é Deus, e Deus nada mais é do que isso. Quanto a ele dizer que é religioso, isso quer dizer que ele vive, com profunda admiração e até comoção e espanto, a profunda consciência do seu panteísmo.

E já que de Deus estamos falando, terminamos também aqui o ponto três. Para além do que disseram o judeu de Amesterdão e agora o judeu Einstein, que mais será Deus? Será Alguém que nós procuramos como aquele que tem sede, sem saber que nada num lago, um lago de água pura? É claro que, se soubermos que nadamos nesse lago, já não temos de/que procurar! É beber dessa água! 

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

323.3 - A Ciência e o Divino

3 – Fiolhais é cientista, mas também é homem religioso. Isto vê-se bem quando ele procura atenuar a rigidez do ateísmo de alguns cientistas – casos de Bohr e de Schrodinger – tentando ver neles o seu possível lado religioso. É por isso que o autor, fazendo bem escolhidas citações destes físicos, conclui que os dois reconhecem “a necessidade de realidades exteriores à realidade material que é objecto do método da ciência” (sublinhado nosso). Que realidades, então, serão essas? Realidades espirituais? Divinas?
Eis alguns segmentos da citação de Schrodinger: “Espanta-me muito a deficiência do quadro científico do mundo à nossa volta. Ele fornece um monte de informações factuais, coloca toda a nossa experiência numa ordem magnificamente consistente, mas não nos dá mais do que um medonho silêncio sobre as pessoas que estão perto do nosso coração, que são o que realmente nos importa. Ele não nos diz uma palavra a respeito do amargo e do doce, do vermelho e do azul, da dor e do prazer físico, do belo e do feio, do bem e do mal, de Deus e da eternidade” (p. 64, sublinhado nosso).
Começa então este físico por se lamentar de que “o quadro científico do mundo real à nossa volta” não nos dá “mais do que um medonho silêncio sobre as pessoas que estão perto do nosso coração, que são o que realmente nos importa”. E nós, a esse lamento, podemos responder perguntando: e terá, a ciência, de dar mais do que dá? Competirá à ciência física quebrar esse medonho silêncio e, em seu lugar, fazer avultar o mundo simbólico que nós e as pessoas (que nos estão perto) criamos com os nossos corações e espíritos? Depois, que “realidades exteriores” há aqui referidas, para além de nós e das pessoas que amamos, todos nós que florescemos da materialidade que também somos? É a isto que ora vamos tentar responder.
Que coisas são, com efeito, o doce e o amargo? Serão mesmo “realidades exteriores à realidade material”? Parece que não, pois que o doce não é uma outra realidade distinta e diferente, para além das realidades de mim e do mel, tal como o amargo, para além de mim e do limão. Em si mesmos, o doce e o amargo não são realidades exteriores a mim, ao mel e ao limão. Sem falarmos dos seus conceitos, o doce e o amargo são sensações minhas, a partir de características do mel e do limão.
O mesmo se diga do vermelho e do azul, do belo e do feio, mudado aquilo que mudar se deve. Sem consistência real, eles só existem na minha realidade humana que sente, e nos reais objectos que, pelas suas características, eu acho que são vermelhos, ou azuis, ou belos, ou feios.
E que dizer da dor e do prazer físico? Eles têm ou são realidades distintas e diferentes, fora de nós e de quaisquer outras coisas que eventualmente no-los possam causar? Quer se fale de dor mental ou física, e também de prazer físico e ainda espiritual, nada disso tem consistência real. O que há realmente são pessoas doridas física e/ou mentalmente, bem como pessoas deleitadas física e/ou espiritualmente, tudo isso motivado ou favorecido por qualquer agente real: nós mesmos, ou fora de nós.
Por outro lado, bem e mal, bom e mau, coisa boa e coisa má, o amor é bom e a injustiça é má, tudo isto são graus de abstracção ou subjectividade, embora em direcção descendente, e portanto caminhando para serem realidades, que de facto ainda não são. Porque o amor só existe realmente em concretos amantes, tal como a injustiça também só é real em concretas pessoas agredidas ou agressoras: as primeiras padecendo, agindo as segundas. Amor e ódio, justiça e injustiça não são propriamente realidades: o que é real são pessoas que amam ou odeiam, que são justas ou injustas. Os valores humanos não são realidades em si mesmos, mas só na concreta realidade dos humanos e também nas realidades da sua circunstância. É por isto que os tribunais, por exemplo, presentificam, também eles, o valor humano da justiça.
Onde estão então as “realidades exteriores à realidade material”, de que fala Fiolhais, como estando presentes nestes dois físicos ateus, e concretamente em Schrodinger? Realidades espirituais? Divinas? Pois nem sequer são realidades em si mesmas! O que acontece é que o ser humano é dotado de mente, sobretudo de espírito. E aquilo que aí se passa, para um físico, até mesmo ateu, é tão inexplicável que até poderia ser divino. Espiritual, é com certeza, e até transcendental, como adiante se verá, mas transcendente não. E é claro que não há só a ciência física, com a qual se olha mais para fora do que para dentro. Para o caso que temos em apreço, existem sobretudo as ciências do espírito.

Ah, mas ainda falta falarmos de Deus e da eternidade, os dois derradeiros elementos de que fala Schrodinger. Da eternidade, podemos já dizer que não existe. O que poderá existir são seres eternos, seres não sujeitos às mudanças medidas pelo tempo. E quanto a Deus, dir-se-á mais adiante.   

terça-feira, 8 de setembro de 2015

323.2 - A Ciência e o Divino

2 – Fez bem Fiolhais em relacionar os citados cientistas físicos com o contexto socio-cultural em que viviam, para nele averiguar das suas crenças. É que um cientista, enquanto tal, nunca pode chegar à certeza, e muito menos à verdade de que Deus existe ou não existe, pela simples razão de que a ciência física não pode ter como objecto de estudo o Deus que é Transcendente a este mundo sensível em que vivemos. Por isso, sozinha, a ciência não pode ser determinante e decisiva para conduzir o cientista a essa existência ou não existência, embora aqui deva afirmar-se que o pode influenciar para uma ou outra dessas duas direcções.
O que portanto será geralmente determinante e decisivo, neste caso, será o contexto socio-cultural em que cada um desses homens (por acaso cientistas) vivia, sobretudo se a tal contexto se juntar o impulso pessoal do coração que leva à fé, (portanto à crença de que Deus existe ou não existe), levando uns desses homens a acreditar que Ele existe, e outros que não existe. Mas a ciência, como já foi dito, pode ajudar numa ou noutra direcção, como terá acontecido com Schrodinger.


domingo, 6 de setembro de 2015

323.1 (de 4) - A Ciência e o Divino

1 - Olá, amigas e amigos! Com o título em epígrafe escreveu Carlos Fiolhais um artigo, publicado na obra Deus Ainda Tem Futuro?, coordenada por Anselmo Borges. Carlos Fiolhais é um insigne cientista e professor de Física na Universidade de Coimbra, e acontece que, em tal texto científico, ele também se manifesta como crente. Qual é a relação entre ciência, nomeadamente a ciência física, e o divino, isto é, a religião? Pode um verdadeiro cientista, sobretudo um físico, ser também religioso? Ser crente de qualquer uma das conhecidas religiões monoteístas não colide com as conclusões de algumas investigações científicas? Ser cientista físico é determinante para ser ou não ser crente?
Por informações do texto, sabemos que Galileu (1564-1642), Newton (1642-1727), Planck (1858-1947) e Broglie (1892-1987), para além de terem sido físicos eminentes, eram também crentes no Deus das religiões monoteístas. Mas o professor de Coimbra tem o cuidado de escrever que “o enquadramento social se revela determinante para a opção religiosa” destes cientistas, ou que, por palavras semelhantes, “a envolvência social e cultural é determinante na manifestação individual do fenómeno religioso”. Era portanto natural que, por esta razão, os quatro físicos referidos fossem crentes, como também terá sido natural – acrescentamos agora nós – que Bohr (1885-1962), um outro físico famoso, não fosse “uma pessoa religiosa, podendo ser considerado ateu”, já que o seu ambiente socio-cultural dinamarquês assim seria também. Quer dizer, para os cinco cientistas, a ciência não terá sido decisiva para a sua opção religiosa ou não religiosa. Para todos, por igual, foi determinante o ambiente em que viviam.
Já o mesmo não aconteceu com Schrodinger (1887-1961) - famoso físico que vem a seguir no texto de Fiolhais –, o qual foi ateu à semelhança de Bohr, apesar de ter nascido, crescido e vivido em ambientes católicos, na Áustria e na Irlanda. Porque é que, neste caso, o ambiente socio-cultural não foi determinante? Não terá sido porque o cientista considerou que a ciência não se dava bem com a religião? E porque é que não se apresenta ao menos um físico que, em ambiente ateu, tenha sido crente? Não haverá nenhum? Bem sabemos que, sobretudo em tempos idos, por ser demasiado fechado, se não opressivo, era muito difícil romper com o ambiente social e cultural. Mas Schrodinger parece ter rompido.

Fiolhais também refere Heisenberg (1901-76) e Max Born (1882-1970), os dois alemães, os quais seguiram a regra geral: eram crentes, tendo vivido em contexto cristão. Mas, entre os cientistas já citados, ainda refere Einstein (1879-1955), remetendo embora o seu tratamento para mais adiante, em virtude de o considerar um caso especial. E era de facto um caso especial, não só porque ele não acreditava no Deus único e pessoal - como acreditavam os crentes cientistas referidos -, como também não se dizia ateu, como dois dos citados se diziam. Ele afirmava que tinha um Deus, mas esse Deus era outro, e que até tinha religião, mas também ela era diversa. Iremos ver à frente o que isso será.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

322 - A Dança do Ser

Entrei no presente, mas sou feito de passado:
Como pode pôr-se o novo numa vasilha velha?
Quem celebra, no agora, tal festim?