sexta-feira, 14 de março de 2014

209. 1-2 - Luís Vaz, F. Pessoa e o Tempo


1 – Olá, amigas e amigos! Um dos temas insistentemente versados ao longo da história cultural do Ocidente é o tema do tempo. A este, tem-se-lhe chamado “o brutamontes do tempo” (ver texto 80), tem-se dito que ele é o carrasco dos seres humanos, e chega-se ao ponto de, indo lá atrás ao fundo da nossa cultura ocidental, fazer dele o grande devorador dos humanos, como fazia o deus Cronos aos seus filhos.
Mas não é o deus Cronos – esse que devorava os seus filhos - quem também nos devora a nós. Não é, antes de mais, porque o deus do tempo não é esse Cronos, mas Chronos. Este é que é o deus do tempo, como ainda se pode ver em vocábulos de outras línguas, e também em palavras antigas da nossa maviosa língua: crónica e cronicões são narrativas históricas segundo a ordem temporal dos acontecimentos narrados, e Herculano, por exemplo, ainda conserva a palavra chronicões, segundo a sua grafia etimológica.
         Na realidade, porém, nem é este Chronos-deus-do-tempo, como também nem o próprio tempo, que nos devoram! O que realmente nos devora, se assim metaforicamente quisermos dizer, são as vicissitudes ou mudanças de que somos intimamente feitos! Mas, se elas nos devoram, se nos vão devorando até ao fim, também elas, antes disso e até ao mesmo tempo, nos fazem nascer e crescer: de bebés a crianças, a adolescentes, jovens e adultos, subindo até à mais alta pujança da vida. E, claro, as mudanças, por serem tão evidentes, bem se vêem no nosso rosto, na fala e em todo o corpo, mas também na mente; e tais vicissitudes ou mudanças medimo-las com o tempo. Assim, o tempo é mera medida que inventámos para medir o nosso externo e interno e sempre vital movimento, e também o movimento do mundo. Somos seres materiais de corpo e com corpo, tal como todo o universo, e por isso todos sujeitos a contínuas mudanças, e aquilo que as mede é a medida do tempo.

         2 – Para falarem do tempo, os gregos antigos tinham pelo menos dois vocábulos: chronos, como já ficou dito, e cairós.
         Chronos é o tempo personificado, e também o tempo em geral e no seu conjunto, com as três vertentes que lhe conhecemos: de presente, passado e futuro.
         Percorrendo passos da literatura grega como um bom dicionário nos mostra, a palavra chronos – substantivo comum – significava o tempo todo inteiro no seu conjunto; a duração do tempo; o tempo de antes, ou passado; o resto do tempo, ou futuro; o tempo presente; o tempo infinito, ou tão longo que não se pode contar; e também se empregava nas expressões o tempo da juventude, houve um tempo em que, o tempo suavizará a dor, longo tempo se escoou depois de, no curso do tempo, naquele tempo, muito (ou pouco) tempo depois (ou antes), por todo o tempo; a duração da vida.

         Quanto a cairós, substantivo comum, ele significava o momento oportuno, uma boa ocasião, oportunidade, vir a propósito. Aristóteles escreveu que a primeira juventude, quando a idade está na sua frescura, é o momento mais favorável para desenvolver o corpo.

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