3 – Mas tal trabalho de
desmitificação iniciado por Bultmann devia continuar. E foi mesmo essa tal
menina, outrora hóspede e também aluna do professor, uma das pessoas que
continuaram essa missão.
Quando essa menina de 17 anos ainda
estava na casa deste seu mestre, ela recebeu uma carta do seu pároco a avisá-la
do seguinte: “Querida Uta, o professor Bultmann não acredita na ressurreição.
Não te deixes influenciar por ele”. E então, pouco tempo depois, à hora frugal
da refeição, ela quis tirar esse assunto a limpo: “Senhor professor, é verdade
que o senhor não acredita na ressurreição”? E logo ele, em tom amistoso,
respondeu: “Uta, tu ainda não podes entender isso bem”!
Mas agora, já depois de Uta
RanKe-Heinemann ter estudado teologia em Oxford, Bona, Basileia e Oxford, se
ter convertido ao cristianismo católico e lhe ter sido entregue, embora não por
muito tempo, a cátedra de “Novo Testamento e História da Igreja Antiga”, em
Essen, é agora ela que escreve uma carta ao seu antigo amigo e professor
Bultmann, insistindo na mesma pergunta, ou seja, se ele acreditava mesmo na
ressurreição dos mortos. Eis então a sua resposta amável, também enviada por
carta: “Se Deus é o que sempre vem, então a nossa fé é a fé no Deus que vem a
nós na nossa morte”.
4 – De facto, no seu ensino e
testemunho, também Uta insiste na realidade da ressurreição. Mas, muito embora
para ela a ressurreição em si mesma não seja um mito, a autora considera que
ela deve ser entendida de maneira nova, afinal expurgada de algumas lendas que
ainda a envolvem e perduram. E depois cita a bela passagem de Mc12,18 e
seguintes, onde ela vê, como autênticas, as palavras que se atribuem a Jesus.
Vieram ter com ele os saduceus, que não acreditavam na ressurreição, e, sobre o
assunto, puseram-lhe uma questão complicada e ardilosa. Mas Jesus, sem se
impressionar, responde-lhes nas calmas e sem problemas: “ … E acerca de os
mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como
Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de
Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? Não é um Deus de mortos, mas de
vivos. Andais muito enganados”.
5 – Sem aqui intentarmos avaliar o
argumento de Bultmann a favor da ressurreição, aliás logo condicionado à
partida, nem aqui falarmos de outros sentidos que estas palavras de Jesus podem
ter, não nos passe despercebido o pormenor de Uta, a fim de convictamente
afirmar a ressurreição, invocar a passagem de um encontro de Jesus com os
saduceus, portanto do Jesus histórico, e não qualquer passagem das tradicionais
aparições pós-pascais do Cristo ressuscitado.
Não obstante, a quem hoje de novo
fizer a mesma pergunta que Uta fez a Bultmann, também se lhe poderá responder
perguntando: Porque é que está a fazer essa pergunta? Explicitemos e até desdobremos
a pergunta, para que o assunto se torne mais claro: O que é que em nós nos move
a fazermos essa pergunta: o desejo e o coração, ou simplesmente a neutra
curiosidade mental? Não somos, radicalmente, parte interessada no assunto? E
aqui, na sua intimidade, só cada um de nós poderá responder.
Nota: No que toca a este texto, com
excepção do ponto cinco, devo informações a Uta Ranke-Heinemann, extraídas do
seu livro No y Amén (edição
espanhola).
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