domingo, 6 de outubro de 2013

184.3-5 - Um Deus não de mortos mas de Vivos

3 – Mas tal trabalho de desmitificação iniciado por Bultmann devia continuar. E foi mesmo essa tal menina, outrora hóspede e também aluna do professor, uma das pessoas que continuaram essa missão.
Quando essa menina de 17 anos ainda estava na casa deste seu mestre, ela recebeu uma carta do seu pároco a avisá-la do seguinte: “Querida Uta, o professor Bultmann não acredita na ressurreição. Não te deixes influenciar por ele”. E então, pouco tempo depois, à hora frugal da refeição, ela quis tirar esse assunto a limpo: “Senhor professor, é verdade que o senhor não acredita na ressurreição”? E logo ele, em tom amistoso, respondeu: “Uta, tu ainda não podes entender isso bem”!
Mas agora, já depois de Uta RanKe-Heinemann ter estudado teologia em Oxford, Bona, Basileia e Oxford, se ter convertido ao cristianismo católico e lhe ter sido entregue, embora não por muito tempo, a cátedra de “Novo Testamento e História da Igreja Antiga”, em Essen, é agora ela que escreve uma carta ao seu antigo amigo e professor Bultmann, insistindo na mesma pergunta, ou seja, se ele acreditava mesmo na ressurreição dos mortos. Eis então a sua resposta amável, também enviada por carta: “Se Deus é o que sempre vem, então a nossa fé é a fé no Deus que vem a nós na nossa morte”.

4 – De facto, no seu ensino e testemunho, também Uta insiste na realidade da ressurreição. Mas, muito embora para ela a ressurreição em si mesma não seja um mito, a autora considera que ela deve ser entendida de maneira nova, afinal expurgada de algumas lendas que ainda a envolvem e perduram. E depois cita a bela passagem de Mc12,18 e seguintes, onde ela vê, como autênticas, as palavras que se atribuem a Jesus. Vieram ter com ele os saduceus, que não acreditavam na ressurreição, e, sobre o assunto, puseram-lhe uma questão complicada e ardilosa. Mas Jesus, sem se impressionar, responde-lhes nas calmas e sem problemas: “ … E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados”.

5 – Sem aqui intentarmos avaliar o argumento de Bultmann a favor da ressurreição, aliás logo condicionado à partida, nem aqui falarmos de outros sentidos que estas palavras de Jesus podem ter, não nos passe despercebido o pormenor de Uta, a fim de convictamente afirmar a ressurreição, invocar a passagem de um encontro de Jesus com os saduceus, portanto do Jesus histórico, e não qualquer passagem das tradicionais aparições pós-pascais do Cristo ressuscitado.
Não obstante, a quem hoje de novo fizer a mesma pergunta que Uta fez a Bultmann, também se lhe poderá responder perguntando: Porque é que está a fazer essa pergunta? Explicitemos e até desdobremos a pergunta, para que o assunto se torne mais claro: O que é que em nós nos move a fazermos essa pergunta: o desejo e o coração, ou simplesmente a neutra curiosidade mental? Não somos, radicalmente, parte interessada no assunto? E aqui, na sua intimidade, só cada um de nós poderá responder.

Nota: No que toca a este texto, com excepção do ponto cinco, devo informações a Uta Ranke-Heinemann, extraídas do seu livro No y Amén (edição espanhola).


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