sexta-feira, 25 de outubro de 2013

187 - Conhecer - Amar - Conhecer pelo Amor

Quando era menino-bebé
- disso tenho (absoluta) certeza –
pelava-me pelo colo de minha mãe
sobretudo do seu lado do coração
batida imemorial bem minha conhecida

E quando ainda menino
- eu andava na primária
era na terceira classe -
também soube com certeza
o professor gostar de mim:
um livrinho guardo ainda
pele mestre oferecido

Vieram ainda, vida fora
mais algumas (absolutas) certezas
mas agora, certezas há muito poucas
mas sim só probabilidades
sobretudo interrogações e dúvidas
esse pão que afinal nos deve alimentar:

Como surgiu para nós esta espantosa dádiva da vida?
embora vida breve que nos habita neste planeta azul?
esse fogo dos deuses aquecendo-nos a nós, humanos?

Não conhecemos em absoluto a realidade dos seres
com este nosso pensamento não real mas só virtual,
mas isso leva-nos a sair de nós, da nossa solidão
e a irmos ao encontro deles, de nós e dos outros;
isso leva-nos ao amor, o qual é por sua vez
o nosso melhor e mais profundo conhecimento



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

186 - Um Búzio Singular


Para quem um dia vive, ou viveu,
mesmo que só por um dia,
a sua vida é eterna!
pelo menos, de algum modo,
dura por todo o tempo do universo

Trazido pelas ondas, na praia,
encontrei um búzio esplêndido,
escultura muito antiga toda em pedra,
cuja história só o sábio tempo conta:
primeiro, por muitos anos viveu
o molusco em sua casinha;
depois, na vazia casinha e por um largo espaço,
nesse torneadinho molde,
foram caindo e endurecendo sedimentos;
e então, já não sendo necessária
para proteger nada nem ninguém,
a casinha molde desaparece,
ficando só a triunfante escultura.
Mas o tempo ainda sabe que esta história
não começa nem acaba assim:
ela se alonga muito para trás
e se estende muito para diante.

Assim nós, também, como o búzio:
elementos físicos mas também simbólicos,
vindos de perto e de longe,
que recolhemos e de que nos apropriamos,
realidades lendas mitos de nós constituintes
e que depois passamos para o futuro
numa cadeia interminável neste universo sem fim.

Assim nós, também, como o búzio,
como o búzio, pelo menos,

ainda que não sejamos os reis da criação.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

185 - Branca Solidão

Quando nós somos abandonados pelos amigos
ou nos abandonamos a nós mesmos
desalentados na vida,
isso é sempre uma negra solidão, mas

Haverá também uma solidão branca?
íntima treva que se abre à luz?
realmente, o ser humano vive em solidão,
não só em relação aos outros seres humanos,
como também dentro de si, no seu eu mental

Pois que, nos dois casos, o ser humano, só conhecendo
através de pensamento não real mas virtual,
nunca pode chegar à verdadeira realidade dos seres:
a realidade dos outros e a realidade de si mesmo!

Até porque tal realidade é a subjectiva realidade
do eu de cada um, esse ente aéreo e fluido,
muito embora ela habitualmente transvase
para a concreta realidade do seu corpo

É mesmo esse corpo, com abraços e beijos e mais,
e com a verbalização do pensamento virtual,
que estabelece a ponte entre os humanos,
assim atenuando a sua existencial solidão

Há assim a solidão que separa cada eu, dos outros,
mas também a solidão que separa cada eu, de si mesmo,
já que os pensamentos que nos auto-configuram
só nos dão aproximações da verdade:
a minha solidão interna advém de o meu eu ser real,
mas a consciência de mim ser só virtual

Ainda assim, nesse meu suposto eu,
nessa minha condição de só quase saber quem sou,
eu posso a sós olhar-me e até falar-me
sobre o mundo sobre os outros sobre mim,
atender também ao subdiálogo entre
os reais desejos do coração
e os virtuais pensamentos da mente,
falar comigo sobre como me desenvolver e reciclar,
sobre o meu corpo que tudo isto me faculta

Também sobre esta tão estupenda maravilha mental
que nós somos, no universo,
ainda que com a íntima e existencial solidão
que nos move para mais perto dos outros e de nós!
                               

Nota: Por este texto, devo informações a Augusto Cury, em A Fascinante Construção do Eu. Obrigado 

domingo, 6 de outubro de 2013

184.3-5 - Um Deus não de mortos mas de Vivos

3 – Mas tal trabalho de desmitificação iniciado por Bultmann devia continuar. E foi mesmo essa tal menina, outrora hóspede e também aluna do professor, uma das pessoas que continuaram essa missão.
Quando essa menina de 17 anos ainda estava na casa deste seu mestre, ela recebeu uma carta do seu pároco a avisá-la do seguinte: “Querida Uta, o professor Bultmann não acredita na ressurreição. Não te deixes influenciar por ele”. E então, pouco tempo depois, à hora frugal da refeição, ela quis tirar esse assunto a limpo: “Senhor professor, é verdade que o senhor não acredita na ressurreição”? E logo ele, em tom amistoso, respondeu: “Uta, tu ainda não podes entender isso bem”!
Mas agora, já depois de Uta RanKe-Heinemann ter estudado teologia em Oxford, Bona, Basileia e Oxford, se ter convertido ao cristianismo católico e lhe ter sido entregue, embora não por muito tempo, a cátedra de “Novo Testamento e História da Igreja Antiga”, em Essen, é agora ela que escreve uma carta ao seu antigo amigo e professor Bultmann, insistindo na mesma pergunta, ou seja, se ele acreditava mesmo na ressurreição dos mortos. Eis então a sua resposta amável, também enviada por carta: “Se Deus é o que sempre vem, então a nossa fé é a fé no Deus que vem a nós na nossa morte”.

4 – De facto, no seu ensino e testemunho, também Uta insiste na realidade da ressurreição. Mas, muito embora para ela a ressurreição em si mesma não seja um mito, a autora considera que ela deve ser entendida de maneira nova, afinal expurgada de algumas lendas que ainda a envolvem e perduram. E depois cita a bela passagem de Mc12,18 e seguintes, onde ela vê, como autênticas, as palavras que se atribuem a Jesus. Vieram ter com ele os saduceus, que não acreditavam na ressurreição, e, sobre o assunto, puseram-lhe uma questão complicada e ardilosa. Mas Jesus, sem se impressionar, responde-lhes nas calmas e sem problemas: “ … E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados”.

5 – Sem aqui intentarmos avaliar o argumento de Bultmann a favor da ressurreição, aliás logo condicionado à partida, nem aqui falarmos de outros sentidos que estas palavras de Jesus podem ter, não nos passe despercebido o pormenor de Uta, a fim de convictamente afirmar a ressurreição, invocar a passagem de um encontro de Jesus com os saduceus, portanto do Jesus histórico, e não qualquer passagem das tradicionais aparições pós-pascais do Cristo ressuscitado.
Não obstante, a quem hoje de novo fizer a mesma pergunta que Uta fez a Bultmann, também se lhe poderá responder perguntando: Porque é que está a fazer essa pergunta? Explicitemos e até desdobremos a pergunta, para que o assunto se torne mais claro: O que é que em nós nos move a fazermos essa pergunta: o desejo e o coração, ou simplesmente a neutra curiosidade mental? Não somos, radicalmente, parte interessada no assunto? E aqui, na sua intimidade, só cada um de nós poderá responder.

Nota: No que toca a este texto, com excepção do ponto cinco, devo informações a Uta Ranke-Heinemann, extraídas do seu livro No y Amén (edição espanhola).


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

184.1-2 Um Deus não de Mortos mas de Vivos

1 – Olá, amigas e amigos! No tempo em que a Europa tresandava de horrores por causa dos nazis (1939-45), o mestre Rudolfo Bultmann (1884-1976), com a concordância da família onde já havia duas filhas, hospedava em sua casa uma menina a quem passou a dar explicações sobre Platão: a discípula traduzia os textos exercitando-se na língua, e ele explicava-lhe o maravilhoso mundo das ideias platónicas. Do facto de sua mãe já ter sido aluna de Bultmann, numa faculdade cristã evangélica, decorria a amizade que reciprocamente se tinham. E como, naquele perturbado ano de 44, ela não tinha onde pôr em segurança a filha para continuar os estudos, pediu-lhe que temporariamente a recebesse em sua casa, onde veio a residir até ao fim da guerra.
A esse tempo, Bultmann já se tinha tornado famoso pelo seu trabalho de desmitificação dos textos bíblicos, nomeadamente dos evangelhos, a ponto de, por via disso, já ser maltratado pelas comunidades religiosas, que assim viam desfigurada a mensagem bíblica conforme a tinham recebido e desejavam que continuasse a ser.
Foi sempre assim em toda a história da humanidade: quando esta suspeita de em si própria ter aparecido um Messias, logo nele começando a depositar as suas esperanças, não tarda muito que, para o engrandecer – quanto maior ele for, maiores e mais fundadas podem ser as esperanças –, ela lhe pegue ou o revista de lendas e de mitos. Bem sabemos que são lendas e mitos, mas é a isso que a multidão se agarra, não só por essas coisas lhe serem e servirem de mui bom sabor, como também por entender que, só com elas, pode ganhar força salvadora o seu Messias. Tinha pois o professor, de facto, muito terreno para limpar. 

2 – Nesse seu trabalho de desmitificação dos evangelhos, sobressai o que se reporta à tentativa de encontrar as genuínas palavras proferidas por Jesus. Isto é: de toda a doutrina, de todas as palavras que os evangelhos atribuem a Jesus, qual é, quais são as que, realmente, com suficiente certeza, se podem a ele atribuir? (ver aqui texto 59)
Sem agora explicitarmos as razões que o levaram às suas conclusões – e para darmos exemplos -, ele atribui com segurança a Jesus duas passagens do Sermão da Montanha. Em Mt 5,39-41, Jesus diz: “Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém quiser pleitear contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa. E se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas”. Quase logo a seguir, em Mt 5, 43-48, Jesus diz “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. Porque, se amais os que vos amam, que recompensa havereis de ter? Não fazem já isto os cobradores de impostos? E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos com é perfeito o vosso Pai celeste”.

De acordo com Bultmann, portanto, são de atribuir com certeza a Jesus as palavras acabadas de citar, extraídas do seu Sermão da Montanha.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

183 - O Sono do Bebé

Olá, amigas e amigos! Quando o bebé ia cumprir o seu primeiro aniversário, o tio Júlio fez chegar às mãos da mamã, dentro de um envelope, uns bilhetes não muitos de um tal BCE, a que fez juntar um cartãozinho com um pequeno texto. É assim o seu teor:

Olha, mamã, neste dia dos meus anos – é ainda só um, mas hão-de vir a ser muitos – o tio Júlio mandou-me uns papéis, ainda não sei bem para quê. Guarda-os. Podem ser úteis para alguma coisa. Agora, quero dormir.
Ainda não sei assinar com o meu nome. Tens de me ensinar, ou as manas, ou o papá. Agora, já estou a dormir. Nem sei como é que estas últimas palavras aqui aparecem escritas, comigo já a dormir.
Mas agora que já não durmo outra vez mas só dormito, estou a ver como vai ser bom ver tantas coisas na vida, umas giras mas outras talvez não! Estou muito curioso. Agora, vai mais uma soneca, para compensar estas falhas.