sábado, 27 de julho de 2013

171 - O Sabor das Horas

Tudo decorre de os seres não terem substância,
ou, pelo menos, nunca lha podermos descobrir:
“os atributos” de um ser “dizem tudo acerca dele”,
nada adiantando ter ele “um núcleo incognoscível”.
Ela, a substância dos seres, é uma “falácia metafísica”:
para nós, os seres são só os atributos que
deles nos vão aparecendo
por experiência vulgar ou científica

Locke (1632-1704), perante os seus discípulos,
questionava muito sobre ela, a substância dos seres,
mas não a chegou a negar;
com os seus discípulos, e logo depois com Hume (1711-1776)
é que se chegou à terrível conclusão
de não haver nos seres a inacessível substância,
assim sendo só o que deles nos aparece

Pouco tempo depois, o piedoso Kant (1724-1804),
tentando repor a abalada ordem tradicional
- não fossem o nosso corpo e o nosso espírito,
à míngua das suas incorruptíveis substâncias,
privados de continuarem, fora do tempo, vivos e idênticos –
apresenta esta mesma doutrina, mas de uma maneira nova:

“Há o fenómeno eu e o fenómeno objecto”,
(que podemos observar)
“mas estes escondem um verdadeiro eu
e uma verdadeiracoisa-em-si”,
que jamais podem ser observados.”

Pouco tempo se parou, “neste abrigo de caminho”,
logo se vendo que “era inútil supor
a existência da “coisa-em-si”, não sendo ela senão
a velha substância tornada mais incognoscível ainda”.

O que então há, agora, para mim,
são as realidades deste mar e deste céu,
também do vasto mundo, como me vão aparecendo,
e bem assim e de igual modo o rosto airoso ou triste
de pessoas conhecidas e desconhecidas;
para mim que também sou só a realidade
que me aparece/apareço a mim mesmo,
um eu que é só um frágil feixe de percepções,
essa flor ou luz a brotar de um corpo vivo,
também este só como eu o percepciono,
eu gozando o belo e o bom e o verdadeiro,
eu e delícia efémeros e frágeis,
ainda que seja pois, pela eternidade de um só dia


Devo a Hannah Arendt e a Bertrand Russell, o melhor desta doutrina



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