quarta-feira, 3 de julho de 2013

167 - A Fecunda Desordem do Olhar

A ele o criou Deus e o pôs no centro,
mesmo no centro de um jardim, da Terra e do Universo
e lhe disse para dominar a Terra
e ele, o homem, assim confortado de poder
e olhando para os astros dos céus
girando em suas rotas sempre em torno
de si mesmo e da Terra, sempre fixa no centro,
não teve mão que não exclamasse
como os céus narram a glória do criador

Mas a linha ou roda do tempo deu em trazer intrusos
que deram em escangalhar esta ordem:
qual é o centro do sistema do mundo, a Terra ou o Sol?
e Júpiter não tem satélites? não tem manchas o Sol,
não remediadas ou esquecidas pelo criador?
caem os corpos sempre à mesma velocidade
ou de acordo com a sua massa?

E a tudo a dita ordem reagia impondo a consulta
das sábias e tradicionais autoridades
a Bíblia os teólogos os dogmas Aristóteles
porque delas seria, não dos audazes intrusos
a última e inconcussa sentença

Caro intruso Galileu Galilei:
tu que encravaste as engrenagens em que rodavam as esferas
descentrando o Universo e reduzindo os humanos
à sua quase insignificância neste universo imenso,
tu que apontaste defeitos ao Sol
e puseste à volta dele o chão em movimento
assim abalando os fundamentos das tradicionais autoridades,
tu que conhecias partindo da observação de particulares
e não descendo de princípios teóricos e gerais,
tu que cegaste de cansaço por tanto olhares
pela luneta para os céus,
que fizeste tu ao resto da tua vida?
de que a alimentaste nesses cinco bem medidos anos
reduzido à cegueira e ao silêncio
pelos donos da sacrossanta ordem vigiado até à morte?

Bem imaginamos nós o que fizeste
e de que fizeste alimento para viver:
sem poderes ler nem escrever nem observar os céus
sem poderes ter amigos e familiares de ti em torno
cego sozinho no silêncio
depois de abjurares as tuas ideias científicas
por império da sacrossanta ordem religiosa,
bem imaginamos que te alimentaste de paz,
da alma paz, da úbere paz que te adveio
de teres seguido sempre  a luz da razão que o criador te deu
para te dedicares à desordem do olhar
- desordem porque livre e porque partindo do particular e porque
as poucas certezas adquiridas se podem sempre reformular –
paz que te adveio de teres seguido sempre a tua consciência
como aliás aconselhava, não obrigando nem oprimindo,
aquela autoridade grega

Tão fecunda paz foi ela que
no ano em que morreste
nesse exacto ano nasceu um outro intruso
também audaz intruso, Newton de seu nome
engrossando a onda da desordem científica




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