A ele o
criou Deus e o pôs no centro,
mesmo no
centro de um jardim, da Terra e do Universo
e lhe disse
para dominar a Terra
e ele, o
homem, assim confortado de poder
e olhando
para os astros dos céus
girando em
suas rotas sempre em torno
de si mesmo
e da Terra, sempre fixa no centro,
não teve
mão que não exclamasse
como os
céus narram a glória do criador
Mas a linha
ou roda do tempo deu em trazer intrusos
que deram
em escangalhar esta ordem:
qual é o
centro do sistema do mundo, a Terra ou o Sol?
e Júpiter
não tem satélites? não tem manchas o Sol,
não
remediadas ou esquecidas pelo criador?
caem os
corpos sempre à mesma velocidade
ou de
acordo com a sua massa?
E a tudo a dita
ordem reagia impondo a consulta
das sábias
e tradicionais autoridades
a Bíblia os
teólogos os dogmas Aristóteles
porque
delas seria, não dos audazes intrusos
a última e
inconcussa sentença
Caro
intruso Galileu Galilei:
tu que
encravaste as engrenagens em que rodavam as esferas
descentrando
o Universo e reduzindo os humanos
à sua quase
insignificância neste universo imenso,
tu que
apontaste defeitos ao Sol
e puseste à
volta dele o chão em movimento
assim
abalando os fundamentos das tradicionais autoridades,
tu que
conhecias partindo da observação de particulares
e não
descendo de princípios teóricos e gerais,
tu que
cegaste de cansaço por tanto olhares
pela luneta
para os céus,
que fizeste
tu ao resto da tua vida?
de que a
alimentaste nesses cinco bem medidos anos
reduzido à
cegueira e ao silêncio
pelos donos
da sacrossanta ordem vigiado até à morte?
Bem
imaginamos nós o que fizeste
e de que
fizeste alimento para viver:
sem poderes
ler nem escrever nem observar os céus
sem poderes
ter amigos e familiares de ti em torno
cego
sozinho no silêncio
depois de
abjurares as tuas ideias científicas
por império
da sacrossanta ordem religiosa,
bem
imaginamos que te alimentaste de paz,
da alma
paz, da úbere paz que te adveio
de teres
seguido sempre a luz da razão que o
criador te deu
para te
dedicares à desordem do olhar
- desordem
porque livre e porque partindo do particular e porque
as poucas certezas
adquiridas se podem sempre reformular –
paz que te
adveio de teres seguido sempre a tua consciência
como aliás
aconselhava, não obrigando nem oprimindo,
aquela
autoridade grega
Tão fecunda
paz foi ela que
no ano em
que morreste
nesse exacto
ano nasceu um outro intruso
também
audaz intruso, Newton de seu nome
engrossando
a onda da desordem científica
Sem comentários:
Enviar um comentário