segunda-feira, 12 de março de 2012

54 - Surfando no Oceano da Palavra Poética - III

Olá! No derradeiro texto da sua “Obra Poética”, o qual leva o título de “O que sei de Poesia”, um poeta nosso, especialmente aludindo a opiniões de amigos e poetas ou citando-os mesmo, procura definir “poesia”. E então, entre o mais, ele escreve: 1 – “a poesia é (…) uma forma de mediação”, convocando “as forças benfazejas”, ou tentando ”exorcizar as forças maléficas”; 2 – é “um presságio do sul”; 3 – é “uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo”; 4 – “a poesia é para mudar a vida”.
Não aprecio especialmente as duas primeiras definições, nem a última; mas já aceito a terceira, embora com um reparo: que a poesia é uma “encantada e encantatória tentativa de captar a essência do mundo”, ela é; mas uma tentativa “desesperada”, eu não penso que ela seja.
A poesia pura não é arma, não é instrumento de mudança, mas sim puro prazer para fruir, pura delícia feita de palavras, embora se possa admitir que o gozo dessa delícia – e muitos a poderão gozar – possa ajudar depois a mudanças mesmo políticas. Porque a poesia pura, tal como a nossa vida, não são meios para nada, mas só fins de si mesmas e para si mesmas.

Quando um artesão se põe a fabricar uma flauta para ganhar dinheiro para o seu passadio, isso é bem diferente de quando um artista se põe a usar a mesma flauta, mas só por prazer! É certo que o artista também pode usá-la para ganhar dinheiro, mas não é disso que aqui se trata. Aqui, é só pegar-lhe e tocá-la por prazer, por mero gozo da delícia que nasce dos seus sons e melodias. Aqui, a acção de tocar flauta extingue-se em si mesma, é por si mesma, é fim e não meio para atingir outro fim.
Assim também sucede com as palavras que inventámos. Elas servem para isto e servem para aquilo e aqueloutro, mas também simplesmente elas podem não servir para nada … porque na poesia elas simplesmente são esse tecido verbal para ser gozado! A poesia é a oferta de prazer de um jardim de flores e sentidos a desvendar, muitas vezes até surpreendentes, ou uma sala de segredos que poderão ressoar e abrir-se em mundos originais e belos, segredos sempre metidos em suas “conchas puras”, as nossas benditas palavras.

A poesia é, pela palavra, o encontro com um mundo fontal e quase mítico, em que tudo esteja bem, em que tudo seja bom. Ela é o encontro gozoso com a vida, a possibilitação verbal do “fascínio pela vida, pela vida breve neste planeta azul”, fascínio que deve acontecer a toda a gente. Ela nasce do nosso corpo (pelo seu ritmo, musicalidade, eufonias e emoções), nasce também da alma (pela variedade dos sentimentos) e nasce ainda do espírito (pela invenção das exactas palavras), destinando-se, ela própria, a poesia pura, a ser gozo conjunto do espírito e da alma e do corpo. Delícia total, total prazer para ser gozado pelo homem todo! E então, como é que é possível este precioso bem, possuído e gozado por alguém, não se difundir facilmente a outrem? Com o sabor da poesia, a vida torna-se mais gostosa. Eugénio e Sophia, entre outros, são poesia pura.

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