Olá!
Segundo a sabedoria oriental e não só (15), quando eu vejo-vejo uma flor, eu vejo mesmo uma flor, e não o conceito de flor objectivado numa flor. Com este e outros conceitos é que começa e depois se desenvolve, com mais conceitos e preconceitos e ideologias, o meu “eu mental”! Rigorosamente, porém, eu não sou o “eu mental” que habitualmente trago comigo. Na fonte, eu não sou isso, e é para essa fonte e esse primeiro estado que devo caminhar. E ainda bem que não sou o “eu mental” porque, assim, sem qualquer mediador a interpor-se, eu estou em contacto directo e imediato com a flor.
Uma flor é uma flor, e eu … sou nada! Uma flor não pode ser nada, e eu não posso ser flor. E então, ser nada será mais ou menos do que ser flor? Nem mais nem menos, é diferente!
Quando digo sou nada, estou dizendo que sou consciência de ser nada. Mas eu só posso dizer que sou consciência de ser nada, começando por ser consciência num corpo, e a consciência de um corpo. A partir daí, eu sou a consciência da flor, ou a flor consciencializada. Eu sou a consciência do Universo ou o Universo consciencializado. (7)
Citemos Alberto Caeiro: “Dizes-me: tu és mais alguma cousa / Que uma pedra ou uma planta. / Dizes-me: sentes, pensas e sabes / Que pensas e sentes. / Então as pedras escrevem versos? / Então as plantas têm ideias sobre o mundo? // Sim: há diferença. / Mas não é a diferença que encontras; / Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas: / Só me obriga a ser consciente. // Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei. / Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.” (Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, 271)
Agora, ouçamos Krishnamurti, que está coloquiando com uma jovem amiga: “A dignidade é algo muito raro. Um cargo ou uma posição de respeito dá «dignidade». É como vestir um casaco. O casaco, aquilo que se veste, dá «dignidade». Um título ou uma posição dão «dignidade». Mas se aos homens forem retiradas essas coisas, muito poucos ficarão com aquela qualidade de dignidade que vem com a liberdade interior de se ser nada. (…) A dignidade não pode ser possuída nem cultivada, e estarmos convencidos de que somos «respeitados» é estarmos centrados em nós mesmos, o que é algo insignificante, pequeno. Ser-se nada é estar-se livre dessa ideia. Ser – não dentro de um qualquer estado particular – é a verdadeira dignidade. (…) Feliz é o homem que é nada.” (Cartas a uma jovem amiga, ps 32 e 35)
Mas depois destas Cartas, por muitos anos e lugares em que conferenciou sobre assuntos de espiritualidade, Krishnamurti não se cansou de glosar o assunto em epígrafe – o nada que eu sou -, tal era a importância que lhe dava. Eis alguns desses comentários, que bem merecem ser citados:
“Se não tivéssemos qualquer crença (…) sentir-nos-íamos totalmente perdidos, não era? E não é esta aceitação da crença o disfarce desse medo – do medo de no fundo sermos nada, de sermos vazio? Afinal, uma chávena apenas tem utilidade se estiver vazia (…) Uma crença religiosa ou política impede, obviamente, a compreensão de nós mesmos.” (A Vida, p.61)
“Queremos possuir, porque sem a posse não existimos. As posses são muitas e variadas. (…). Sem as posses o “eu” não existe, o “eu” é a posse, a mobília, a virtude, o nome.” (ob.cit. p.82)
“A criação só pode ter lugar na negação, que não é o oposto do positivo. Ser nada não é a antítese de sermos alguma coisa.” (ob. cit. p.191)
“Não ser nada é o princípio da liberdade. Portanto, se vocês forem capazes de sentir, de investigar isto, descobrirão, à medida que vão tomando consciência, que não são livres, que estão amarrados a muitas coisas diferentes”. (ob. cit. p.384)
“Todos temos medo de “ser nada”, porque todos queremos ser alguma coisa”. (O Sentido da Liberdade, p.46)
(Em razão do nosso “eu”, nós estamos identificados com os rótulos): “a casa, o nome, a mobília, a conta bancária, as nossas opiniões, os nossos estímulos. Somos todas estas coisas – sendo cada uma delas designada por um nome. As coisas tornaram-se importantes, e também os nomes, os rótulos, e portanto o centro é a palavra.” (Mas) “se não há nenhuma palavra, nenhum rótulo, não há centro, não é verdade? Há uma dissolução, um vazio – não o vazio do medo, que é uma coisa completamente diferente. Há um sentir que somos nada. (…) Deixa de haver centro a partir do qual actuamos” (ob.cit. p.236).
Enfim, embora não implicando que eu inutilize os conteúdos científicos e práticos da mente, do que eu preciso é da revolução de me sentir e ser o vazio total (A Vida, p.322).
Atendamos ainda ao caso do ateniense Sócrates, o qual foi acusado pelo tribunal da cidade de ter corrompido a juventude, e por isso condenado à morte. Mas Sócrates negou sempre esse crime: nunca desviara dos bons caminhos a juventude! E tinha toda a razão porque, na realidade, Sócrates não ensinava nada, ou melhor, o seu ensino não tinha conteúdos. Perante o tribunal, e quanto aos jovens, Sócrates negou sempre a pés juntos que os tivesse feito maus, mas também nunca afirmou que os tivesse feito bons! Portanto, Sócrates, aos jovens, nem os fez maus nem bons, mas simplesmente os pôs a pensar! O que a seguir viria – fazerem-se bons ou maus – já não era com ele, mas com eles e com as circunstâncias em que viveriam.
Com Platão, porém, as coisas já não foram assim. Este discípulo de Sócrates já intentava ensinar conteúdos, já tinha teorias sobre as coisas e sobre a vida e sobre o sentido que ele julgava ela ter, como se vê bem, por exemplo, no mito da caverna. Neste mundo, nós somos sombras, nós estamos presos na caverna do corpo, muito embora, de quando em vez, vislumbremos lampejos da verdadeira e luminosa realidade que fomos antes, no hiperurânio, e onde havemos de ser de novo. Ora, disto, que é uma teoria, eu já posso dizer que para mim é uma coisa boa ou má, que é razoável ou não.
Se tirarmos a Platão todas as suas teorias, ficaríamos simplesmente com o ensino de Sócrates? Não ficaríamos com certeza porque, a Platão, não interessava directa e formalmente a actividade do pensar, como interessava ao seu mestre, mas a teoria veiculada por tal actividade.
Mas o mais importante, de facto, é pormo-nos a pensar e habituarmo-nos a pensar, como fazia Sócrates; é sentirmos a perplexidade da vida e sabermos lidar com ela; é sabermos governar-nos, assim deixando de ser imbecis. É termos consciência, ou melhor, é sermos conscientes, ou consciência, como nos diz Caeiro, e afinal também Krishnamurti.
Segundo a sabedoria oriental e não só (15), quando eu vejo-vejo uma flor, eu vejo mesmo uma flor, e não o conceito de flor objectivado numa flor. Com este e outros conceitos é que começa e depois se desenvolve, com mais conceitos e preconceitos e ideologias, o meu “eu mental”! Rigorosamente, porém, eu não sou o “eu mental” que habitualmente trago comigo. Na fonte, eu não sou isso, e é para essa fonte e esse primeiro estado que devo caminhar. E ainda bem que não sou o “eu mental” porque, assim, sem qualquer mediador a interpor-se, eu estou em contacto directo e imediato com a flor.
Uma flor é uma flor, e eu … sou nada! Uma flor não pode ser nada, e eu não posso ser flor. E então, ser nada será mais ou menos do que ser flor? Nem mais nem menos, é diferente!
Quando digo sou nada, estou dizendo que sou consciência de ser nada. Mas eu só posso dizer que sou consciência de ser nada, começando por ser consciência num corpo, e a consciência de um corpo. A partir daí, eu sou a consciência da flor, ou a flor consciencializada. Eu sou a consciência do Universo ou o Universo consciencializado. (7)
Citemos Alberto Caeiro: “Dizes-me: tu és mais alguma cousa / Que uma pedra ou uma planta. / Dizes-me: sentes, pensas e sabes / Que pensas e sentes. / Então as pedras escrevem versos? / Então as plantas têm ideias sobre o mundo? // Sim: há diferença. / Mas não é a diferença que encontras; / Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas: / Só me obriga a ser consciente. // Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei. / Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.” (Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, 271)
Agora, ouçamos Krishnamurti, que está coloquiando com uma jovem amiga: “A dignidade é algo muito raro. Um cargo ou uma posição de respeito dá «dignidade». É como vestir um casaco. O casaco, aquilo que se veste, dá «dignidade». Um título ou uma posição dão «dignidade». Mas se aos homens forem retiradas essas coisas, muito poucos ficarão com aquela qualidade de dignidade que vem com a liberdade interior de se ser nada. (…) A dignidade não pode ser possuída nem cultivada, e estarmos convencidos de que somos «respeitados» é estarmos centrados em nós mesmos, o que é algo insignificante, pequeno. Ser-se nada é estar-se livre dessa ideia. Ser – não dentro de um qualquer estado particular – é a verdadeira dignidade. (…) Feliz é o homem que é nada.” (Cartas a uma jovem amiga, ps 32 e 35)
Mas depois destas Cartas, por muitos anos e lugares em que conferenciou sobre assuntos de espiritualidade, Krishnamurti não se cansou de glosar o assunto em epígrafe – o nada que eu sou -, tal era a importância que lhe dava. Eis alguns desses comentários, que bem merecem ser citados:
“Se não tivéssemos qualquer crença (…) sentir-nos-íamos totalmente perdidos, não era? E não é esta aceitação da crença o disfarce desse medo – do medo de no fundo sermos nada, de sermos vazio? Afinal, uma chávena apenas tem utilidade se estiver vazia (…) Uma crença religiosa ou política impede, obviamente, a compreensão de nós mesmos.” (A Vida, p.61)
“Queremos possuir, porque sem a posse não existimos. As posses são muitas e variadas. (…). Sem as posses o “eu” não existe, o “eu” é a posse, a mobília, a virtude, o nome.” (ob.cit. p.82)
“A criação só pode ter lugar na negação, que não é o oposto do positivo. Ser nada não é a antítese de sermos alguma coisa.” (ob. cit. p.191)
“Não ser nada é o princípio da liberdade. Portanto, se vocês forem capazes de sentir, de investigar isto, descobrirão, à medida que vão tomando consciência, que não são livres, que estão amarrados a muitas coisas diferentes”. (ob. cit. p.384)
“Todos temos medo de “ser nada”, porque todos queremos ser alguma coisa”. (O Sentido da Liberdade, p.46)
(Em razão do nosso “eu”, nós estamos identificados com os rótulos): “a casa, o nome, a mobília, a conta bancária, as nossas opiniões, os nossos estímulos. Somos todas estas coisas – sendo cada uma delas designada por um nome. As coisas tornaram-se importantes, e também os nomes, os rótulos, e portanto o centro é a palavra.” (Mas) “se não há nenhuma palavra, nenhum rótulo, não há centro, não é verdade? Há uma dissolução, um vazio – não o vazio do medo, que é uma coisa completamente diferente. Há um sentir que somos nada. (…) Deixa de haver centro a partir do qual actuamos” (ob.cit. p.236).
Enfim, embora não implicando que eu inutilize os conteúdos científicos e práticos da mente, do que eu preciso é da revolução de me sentir e ser o vazio total (A Vida, p.322).
Atendamos ainda ao caso do ateniense Sócrates, o qual foi acusado pelo tribunal da cidade de ter corrompido a juventude, e por isso condenado à morte. Mas Sócrates negou sempre esse crime: nunca desviara dos bons caminhos a juventude! E tinha toda a razão porque, na realidade, Sócrates não ensinava nada, ou melhor, o seu ensino não tinha conteúdos. Perante o tribunal, e quanto aos jovens, Sócrates negou sempre a pés juntos que os tivesse feito maus, mas também nunca afirmou que os tivesse feito bons! Portanto, Sócrates, aos jovens, nem os fez maus nem bons, mas simplesmente os pôs a pensar! O que a seguir viria – fazerem-se bons ou maus – já não era com ele, mas com eles e com as circunstâncias em que viveriam.
Com Platão, porém, as coisas já não foram assim. Este discípulo de Sócrates já intentava ensinar conteúdos, já tinha teorias sobre as coisas e sobre a vida e sobre o sentido que ele julgava ela ter, como se vê bem, por exemplo, no mito da caverna. Neste mundo, nós somos sombras, nós estamos presos na caverna do corpo, muito embora, de quando em vez, vislumbremos lampejos da verdadeira e luminosa realidade que fomos antes, no hiperurânio, e onde havemos de ser de novo. Ora, disto, que é uma teoria, eu já posso dizer que para mim é uma coisa boa ou má, que é razoável ou não.
Se tirarmos a Platão todas as suas teorias, ficaríamos simplesmente com o ensino de Sócrates? Não ficaríamos com certeza porque, a Platão, não interessava directa e formalmente a actividade do pensar, como interessava ao seu mestre, mas a teoria veiculada por tal actividade.
Mas o mais importante, de facto, é pormo-nos a pensar e habituarmo-nos a pensar, como fazia Sócrates; é sentirmos a perplexidade da vida e sabermos lidar com ela; é sabermos governar-nos, assim deixando de ser imbecis. É termos consciência, ou melhor, é sermos conscientes, ou consciência, como nos diz Caeiro, e afinal também Krishnamurti.
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