Voltemos agora ao deus imanente, e interpelemos o autor sobre este assunto, pois que temos muitas perguntas para fazer.
Falo para ti, José, falo para ti como primeiro e último responsável por toda a narrativa, por tudo quanto vão dizendo as personagens, e também o narrador. Dizes a certa altura, que o universo se foi prodigiosamente afinando, com muitos e incríveis acasos e golpes de muitas sortes milionárias, se foi afinando para facultar a existência de vida na Terra, sobremaneira a vida humana. “De certo modo”, diz uma personagem, “é como se o universo sempre soubesse que nós vínhamos aí”. É este o princípio antrópico. Mas então, digo agora eu, o universo foi-se afinando até que surgisse a Humanidade, e depois, já com a Humanidade integrada em si, começou (ou continuou) a desafinar-se com cataclismos naturais, com guerras de extermínio de povos, com campos de concentração e mais outros e numerosos horrores? É isso, é? Sim, porque também o mal moral era evitável! Não podia o ser humano ser dotado de liberdade mas optando sempre pelo bem, por aquilo que o promove e o liberta? Pelos vistos, esse deus imanente ainda não conseguiu ser livre assim, pois não?
Falas das extraordinárias e de todo improváveis coincidências “que são absolutamente imprescindíveis para que haja vida na Terra”. Mas tu sabes que os cientistas não excluem a hipótese de haver vida em outros sítios deste imenso universo em expansão…E havendo, nesses sítios se encontrariam as mesmas ou outras incríveis coincidências para que a vida aí fosse possível. E de coincidência em coincidência…elas iam deixando de ser incríveis e quase se banalizariam! Estamos habituados a ver as coisas com os nossos olhinhos da Terra, mas se as imaginarmos numa perspectiva universal, elas assumem outras dimensões. E então, o nosso espanto por essas ocorrências será menor, e as conclusões doutrinárias serão outras!
E porque é que, na Terra, a evolução há-de acabar no ser humano, e não viabilizar um ser mais perfeito? Unamuno já se queixara de o ser humano ter evoluído demasiado. E então, agora, não se poderá dar o caso de aparecer um José que não se queixe mas, ao contrário, se entusiasme com esses estupendos avanços da evolução, a ponto de cá na Terra aparecer uma nova espécie de vida melhor que a raça humana, e pelos humanos criada mas só de pura inteligência artificial, como se propõe no romance?
Agora, sobre o determinismo e ainda a liberdade, sempre na imanência divina e segundo a narrativa: determinismo que tudo domina na evolução; liberdade que não existe para o ser humano.
Repara bem, José, repara bem na minha mão no ar, onde tenho presa entre dois dedos uma pedrinha. Se eu desprender dela os meus dedos, a pedrinha irá fatalmente cair, segundo o determinismo da lei da gravidade? Mas não é a lei uma simples conceptualização que deriva de acontecimentos, que são anteriores e muito mais importantes que a lei? Só a partir de nós e das coisas é que podemos conhecer. Por isso, não há leis nem legisladores, antes de nós e das coisas. Nós é que, depois, formulamos a lei. Aquela pedrinha que se desprende dos meus dedos não tem nenhuma lei atrás dela, já feita por alguém, que a obrigue a cair. O que há é a grandíssima probabilidade de ela seguir o exemplo das anteriores, que, na mesma situação, também caíram. Antes de ela cair, nada mais posso saber. Mas, por conhecer essa grande probabilidade, é que eu posso dizer: sim, ela vai cair. Ora, isto não nos levará a repensar tudo o que dizemos sobre determinismo e sobre quem o determina?
Por outro lado, não será possível conciliar o determinismo macrocósmico ou universal com a liberdade humana, incluindo a liberdade no microcósmico, que é indeterminável? Será que a necessidade não deixa uma fresta aberta à liberdade?
E já que estamos falando de liberdade, porque é que, por vezes, assumimos com frontalidade e dignidade, mesmo contra a nossa reputação social, termos perpetrado uma acção indigna, a não ser porque somos livres e responsáveis? Apesar de nos ser difícil assumir tal atitude, isso não nos vai dar uma profunda alegria? “Não temos liberdade, mas temos um deus”, segundo tu dizes no teu livro. Mas então, que deus é esse, que nem nos dá uma centelha de liberdade? Também ele a não tem, não é? Ou será que, pelo contrário, temos liberdade mas não temos Deus?
Falemos ainda um pouco mais da vida noutros planetas do universo, hipótese que não podemos excluir de todo. E então essa vida, se não for de lá originária, porque é que ela há-de ir ou vir necessariamente da Terra? Porque há-de ser este cantinho do universo, através do ser humano, o único foco de irradiação da inteligência artificial, para todo o universo? Não se poderá pôr a hipótese de outras culturas semelhantes ou até superiores poderem exercer essa função? Porque há-de ser só o ser humano a colonizar o universo?
Segundo a narrativa, Einstein insiste em querer ver informações encriptadas na Bíblia, as quais possam confirmar a bondade das suas conclusões científicas. Mas informações escondidas ou encriptadas também existem em obras muito mais recentes, como por exemplo em “Os Lusíadas”. No canto décimo do poema, se formos a ver muito bem, lá descobriremos a assinatura do autor, com isso dizendo não só que a obra é da sua autoria, como ainda que aquele canto, na epopeia o canto do amor, é o seu filho épico-literário predilecto.
Mas Einstein procurava informações escondidas na Bíblia, porque ela era o “livro dos livros”, por uma grandíssima multidão seguido, um livro muito antigo e sagrado. Sagrado porquê? Sagrado porque, em toda a longa história do Cristianismo, se pensou que todos aqueles pequenos livros componentes da Bíblia tinham sido escritos não só por autores humanos, mas também por Deus. Eram livros inspirados, no sentido de que também foram escritos por Deus, um deus real, e portanto neles havia inspiração mesmo divina. Os Lusíadas também são um livro inspirado, inspirado por musas ao autor, mas aqui trata-se de uma mera inspiração poética. É certo que, como podemos ver no início da narrativa do José, a personagem Einstein não aceitava a existência do Deus Transcendente, o Deus judaico-cristão. Ainda assim, ele entendia que, por ser um livro muito antigo e sagrado e conhecido quase em todo o planeta, ele esconderia dados muito importantes para a sua investigação científica.
A isto podemos objectar que, se ele queria encontrar dados relevantes para si nos livros antigos e sagrados, então podia consultar outros livros sagrados, os livros hindus e do Tao, por exemplo, que até serão mais antigos do que a Bíblia. Mas consultou a Bíblia judaico-cristã e não qualquer destes ou outros livros sagrados de outras religiões, porque Einstein era judeu, ela é muito mais conhecida, e outros desses livros não lhe terão sido acessíveis. Aliás, se compararmos bem a Bíblia judaica com todos os outros livros sagrados das religiões orientais, descobrimos que estes, na sua doutrina de fundo, talvez até conflituem com ela, em alguns aspectos. Podemos ver isso adiante, se quisermos.
Mas voltemos à Bíblia, e àquilo que Einstein considerava estar encriptado nela e que era importante para confirmar a sua investigação. Ele olhou, por exemplo, de forma insistente, para aqueles “seis dias” da criação operada por Deus. De facto, no Génesis, o autor sagrado, que não era nenhum cientista, conta que Deus criou o mundo em seis dias, dias terrestres, tendo descansado no último dia da semana. E o curioso é que Einstein viu, naqueles seis dias terrestres da criação, seis dias de tempo cósmico, de acordo com a sua teoria da relatividade, nos quais dias, segundo ele, o universo se foi formando e organizando por evolução, dias portanto longuíssimos, cada um com milhões de anos. Estava então encriptado no texto sagrado este segundo sentido, agora científico e cósmico, que se pode atribuir às palavras “seis dias”? Ou é mera coincidência, considerando, como é evidente, que as contas do cientista estão certas, coisa que me parece ainda ninguém ter provado?
Mas o que aqui, sobre este assunto, se deve acrescentar é que o autor sagrado, quando de uma forma literária se pôs a contar o acto da criação, o que ele pretendeu primariamente foi comunicar aos outros a sua fé, ou seja, que o Deus Transcendente, o deus do seu povo, tinha criado o universo, e que o universo era bom. E então, se o Deus tinha criado de uma forma bela um universo bom, ele, como autor literário, teria de inventar também uma história bela, mesmo em termos de tempo gasto nesse acto criador. Ora, a unidade de tempo mais perfeita que ele encontrou, unidade perfeita e por isso também boa e bela e de todos bem conhecida foi precisamente a semana, feita de seis dias para trabalhar, com mais um para descansar. A intenção primária e talvez única do autor foi comunicar a sua fé, sendo assim o tempo que empregou mera roupagem literária, naturalmente portanto o tempo do senso comum, o tempo terrestre e mais nenhum outro.
O cientista também notou profunda semelhança entre o inicial Faça-se luz genesíaco do acto criador, com a suposta explosão de luz do Big Bang, com que ele pensava ter-se iniciado o universo. Simples coincidência, ou também aqui um suposto sentido encriptado? Pensemos entretanto um pouco. Para que o inteligente autor literário da narrativa genesíaca pudesse comunicar aos outros que o seu Deus tinha criado isto e aquilo, - tudo o que afinal os seus olhos podiam contemplar – era preciso que essas coisas, por si apresentadas no seu texto, tivessem saído da escuridão da inexistência para a luz da existência! E também precisamos de luz para que as coisas possam avultar aos nossos olhos, e assim podermos constatar que elas existem, não é? Então, logicamente, a primeira coisa que ele teria de mencionar no acto criador era precisamente a luz! Só na luz as coisas criadas ou a criar nos podem ou poderão avultar, e portanto só nela as poderemos conhecer. Luz para conhecer o que está fora de nós, e uma luz outra para conhecer o que está dentro.
Do manuscrito de Einstein, cujo título é também o do romance, só nos é desvendada a sua primeira página, aliás dactilografada. O José não nos desvenda o resto, talvez para o aproveitar para mais uma ou duas bombas literárias no mercado! Então, depois da muito difícil decifração desse pedacinho - operada pelo criptanalista Tomás, ajudado pela sua namoradinha Ariana e ainda pelo seu pai moribundo e por Luís Rocha - resultou o seguinte:
A Formula de Deus
Subtil é o Senhor, mas malicioso ele não é.
Vejam o sinal no Génesis: “Faça-se luz”
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