sábado, 29 de janeiro de 2011

Texto 8

Olá, meninas e meninos!
Desço silencioso, pela berma da esquerda, a estrada que vai não sei para onde. Cuidamos muito, regra geral, de bem saber para onde vamos, mas o mais importante na vida não é isso! O mais humanizante para nós, que é uma coisa maior, é secundarizarmos o fim – não propriamente esquecê-lo – e deliciarmo-nos com os meios, banqueteando-nos com o agora que a vida prodigamente nos oferece.
Vejam bem as palavras com que iniciei o texto: “desço silencioso”! Não se trata de um descer meramente físico, singelamente constatado pelos sentidos, mas sim de um descer pedido pela alma, de um descer espiritual! Trata-se portanto de deixarmos a superficial superfície, de abandonarmos a babugem dos dias, e mergulharmos na profundidade do ser! (Aqui estou pensando o “ser” com minúscula e não com maiúscula). E para descermos assim, é preciso estarmos silenciosos.
O ar está morno. O sol trespassa brandamente as verdes folhagens das árvores, acaricia os troncos, e, em breve, benfazejamente, surpreenderá as raízes. Quão delicioso tudo pode ser na branda luz, no acolhedor silêncio.
Ali, à direita, num cerrado verde que as frondosas árvores querem perto de si, dois soberbos cavalos pastam gostosamente, de tudo esquecidos menos do gozar do fio da vida que lhes vai acontecendo.
E aqui, à esquerda da estrada, uma surpresa maior e nunca acontecida! Numa breve clareira que a floresta ali consente, jaz morto (?) jaz vivo (?) (o Pedro da Inês também “jazia na cama sem dormir” e portanto não estava morto) jaz algo de indefinido mas aos olhos aparecendo macio, talvez muitos novelinhos de lã encostadinhos uns aos outros para todos melhor se aquecerem, talvez... Deixem-me parar e bem firmar os olhos para ver se consigo saber mesmo se os novelinhos de lã, vivos estão ou estão mortos. Não consigo alcançar certezas? Põe-te aqui em linha – estou agora eu a falar comigo – em linha com esta árvore, para ver se consegues surpreender algum ainda que brevíssimo movimento. Estarão vivos, os novelinhos? Mas porque é que a vida se aproxima tanto da morte? Ou será que a morte é que se aproxima tanto da vida?...
E um pouco mais adiante, de um e do outro lado da estrada, a múrmura água da ribeira! Na branca areia a montante, fora de água, os pezinhos de uma senhora: “Então, senhora, logo de manhã lavando roupa na ribeira?”
Minha querida lavadeira, por certo saberás para onde vai esta ribeira, mas não interessa agora isso saber. Ela vai mesmo, mas não deixa de estar. Ela, só estando, estando mesmo, é que pode ir. Mas hoje, nós só estamos, e não vamos. Só aprendemos que não é tão importante o ir como o estar.
Estamos ou vamos? Parménides ou Heraclito? Simplesmente estamos! Porém, porque estamos no tempo, teremos fatalmente de dizer, acrescentando, que indo, nós estamos. Não somos seres para morrer mas para viver, embora saibamos que vamos morrer! Isto faz lembrar a lição daquele delicioso poeta grego ( Cavafy, de seu nome ) que, exemplarmente rememorando a antiga viagem de Ulisses de regresso da guerra de Tróia para a sua terra-natal, nos canta: quando pensares regressar a Ítaca, procura fazer isso o mais tarde possível. E uma vez a isso decidido, demora-te o mais que puderes pelo caminho, porque Ítaca já nada mais tem para te dar.
Pois a vida, meus amigos, necessariamente é feita destes dois ingredientes, e então, temos de os aceitar e valorizar o melhor que soubermos, para que o cozinhado seja, pelo menos, suficientemente apetitoso.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Texto 7

“Olá, cambada!”
Quando ando por aqui por estas ruas – tenho de ver se vou desencravando as pernas, para elas me irem dando o andar por mais uns tempos – tenho encontrado muitas pessoas, ora com elas cruzando pelos caminhos, ora deparando com elas em seus quintais ou até em exíguas frestas de portas ou janelas entreabertas. E logo depois de trocarmos saudações, como sou desconhecido por aqui, a sua pergunta sacramental – sacramento é este, o das palavras pelos humanos inventadas para entre si comunicarem – a pergunta sacramental é esta: “ Mas quem é você?”
Ora aqui está uma pergunta que me deixa sempre embatucado! Tenho ou tinha esta profissão assim e assim? Nasci ou moro em tal terra, que fica um pouco acima ou um pouco abaixo de outra de todos bem conhecida? A minha casa é mesmo em frente da de fulano, que toda a gente conhece? O meu nome de pia, ou seja, de baptismo, identifica-se comigo ou ele é mera palavra que o vento leva, como se fora pena de ave ou fumo? Estas palavras por mim acabadas de lavrar – eu (subentendido), me, minha, meu, comigo, mim – referem-se a quê?, foram escritas por quem? E ainda uma outra pergunta, para a qual tentaremos resposta noutra ocasião: uma cabrinha ou um cãozito fariam estas perguntas?
E o princípio de resposta que lhes dou, invariavelmente, é um sorriso ou até uma gargalhada! Faço depois um silêncio breve, enquanto do outro lado se levanta a surpresa e cresce a expectativa. E então, digo sorridente: “Olhe, não sei bem!”, e vou-me rindo. É claro que o riso ou o sorriso, de companhia com a amabilidade, não vão deixar descambar a conversa para a desconfiança ou até para pior!
Tenho pensado em respostas mesmo, todas feitas de palavras, singelamente sábias e contidas e exactas. Mas não é fácil encontrá-las, e muito mais difícil ainda é fazer nascer os pensamentos que estarão por trás de tais palavras. Que sou eu? Quem sou eu? Eu e tu e ele não serão só abstracções? Mas abstracções de quê? De que realidade? Aqui é que bate o ponto!
Serei eu o meu eu mental, feito de pensamentos e emoções e todas as experiências por mim já passadas e presentes, tudo isso tendo acontecido ou agora acontecendo no meu corpo, tudo presentificado pela unificadora memória? Realmente, pensando bem, parece que sou isso mesmo! Mas, se eu, pela minha consciência, me estou a ver sendo isso, então eu não sou isso mas sou quem está a ver isso! Ou serei eu as duas coisas, isto é, quem está a ver e também isso mesmo? De nada, não pode haver consciência. A consciência é sempre consciência de algo. Por outro lado, no meu eu mental, está sempre implicada essa consciência porque, quando penso alguma coisa, também me estou a ver a pensar. Posso então dizer que “sou consciência e eu mental” ou “eu mental consciente”. Mas é facto que, quando digo que “sou consciência do vazio e do silêncio”, como os orientais sabiamente costumam dizer, eu secundarizo e até posso temporariamente desligar-me dos meus pensamentos e das minhas vivências passadas e mesmo da minha habitual maneira de pensar! Claro que, neste caso, ainda me posso perguntar sobre se, nesses espaços em que me desligo do meu eu mental, eu resulto empobrecido! É preciso porém acrescentar que, quer de uma maneira quer da outra, nós estamos sempre agarrados ao corpo. Não somos o corpo, mas não podemos existir sem corpo. Porque estamos num corpo, nós somos como papagaios de papel: andamos lá em cima no ar, mas sempre agarrados à terra! Estamos num corpo, mas cuidado com isto! O eu mental consciente não está, como hóspede, no corpo! O tal Abelardo, isto não deixaria passar! Ao contrário, o eu mental consciente é como uma luz ou flor, preciosa flor ou luz, sempre brotando do corpo!
E agora, digam-me lá, meninos e meninas: então, se eu sou, de forma habitual, “consciência e eu mental”, mas também posso ser, no iluminado agora, “consciência do vazio e do silêncio” aguardando por novíssimas sensações nessa consciência virginal e limpa, então o que é que eu vou responder a quem me pergunta “mas afinal quem é você”? Não será continuar a sorrir e até a gargalhar, em palavras acrescentando que não sei bem quem sou?
Isto é tudo muito giro, não é? Mas as meninas e os meninos é que hão-de dizer se estes arrazoados estão certos!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Texto 6

Olá, meninas e meninos!
Vou aqui revelar uma minha intimidade às meninas e aos meninos...Parece que sei mais ou menos como eu próprio funciono por dentro, e é esse o segredo, segredo de topo, que aqui vou desvendar!
Com a minha razão, eu vejo. Com a minha razão, isto é, com a luz ou a consciência, que a parte mais recente do meu cérebro me concede. E vejo o quê? Vejo como o meu corpo e a parte mais antiga do cérebro me produzem os instintos, as emoções e os desejos e esta insaciável fome de viver, querendo sempre mais! Então, eu mesmo, com a minha razão, tenho de moderar-compaginar-articular esses apetites, até para que, de tais felicidades – as humanas felicidades têm de ser sempre pequenas – eu possa gozar por mais tempo! Em vez de me meter à bruta nos copos, até em breve adoecer e morrer, poderei gozar as delícias de ir degustando uns copitos com os meus amigos e por muito tempo, caramba! Pode até acontecer que essa antiga voz do corpo, que é também a voz do coração, me peça coisas que são logicamente impossíveis. E então, aí, a voz da razão não tem mais nada a dizer à outra a não ser “pois é, também eu queria, mas isso é totalmente impossível, por nossa própria natureza”!
Tal diálogo entre estas nossas duas vozes – difícil diálogo mas também muito gostoso – pode estender-se a muita coisa! Em primeiro lugar, o corpo pode lembrar a alma, isto é, a razão consciente e pensante e com memória, lembrar-lhe coisas que ela própria esqueceu! Então isso é assim? Claro que é, porque a memória da razão nos falha muitas vezes, e o próprio corpo também tem “memória”, a qual pode vir em ajuda daquela! Este menino aqui, já de certa idade, lembra-se sempre e de repente daqueles mágicos quatro numerozinhos com que o seu cartão de débito costuma abrir a caixa-multibanco para lá ir buscar o pilim? Não lembra, pois não? Mas olhe que isso não é motivo para ficar aí já de cabeça perdida, sem saber o que fazer! Vá, mesmo assim, até à caixa-multibanco, com muita calma coloque o seu cartão na ranhura, respire fundo e tranquilo, e logo verá, com jubilosa surpresa, que os seus dedos também têm “memória”! Eles digitam-lhe, sem hesitações, os números certinhos! De onde se conclui que também o corpo pode lembrar a alma. Mas como pode isso acontecer?
É assim. A alma ou razão, nas primeiras vezes que dirigiu e procedeu a tal operação, foi entregando os números ao corpo e foi-o ensinando a operar com eles, criando-lhe mesmo o hábito de, cada vez mais maquinalmente, poder trabalhar com eles. Então, agora, basta estar calmo e no local do crime, isto é, no contexto de realizar a operação, e tudo ficará resolvido! Pena, muita pena, é que o pilim é que está faltando. Mas tem é de se ir lá, de quando em vez, mesmo levantando muito pouco baguinho, para que o corpo não perca o hábito e portanto não se vá esquecer!
Já começámos então a ver como é a segunda hipótese de diálogo, isto é, como a razão pode ensinar o corpo. Portanto, em segundo lugar, é a alma que ensina o corpo a criar nele automatismos, como já acima anunciámos. Aquela senhora ali, cuja graça é, precisamente, de Graça ser nomeada, anda a tirar a carta de condução, e o que é mais difícil para ela é mesmo só a parte prática. Então, estando de corpo e mente muito repousados, ela precisará – talvez o melhor seja ela estar sozinha para melhor se concentrar – precisará de se sentar ao volante do seu carro parado e, de uma forma muito nítida e por várias vezes repetida, dar ordens precisas aos seus pés e mãos a fim de executarem os movimentos certos para as operações a realizar, segundo o que ela aprendera teoricamente com a razão. Ela precisará que o seu corpo automatize os movimentos para conduzir, assim tentando criar o hábito da condução. E depois, uma vez alcançado o hábito, até poderá conduzir de forma maquinal, assim podendo conversar e rir com o seu marido, que vai ao lado dela!
Em terceiro lugar, é a própria mente ou razão que se poderá ensinar a si mesma, o que trará muito boas consequências para si própria e para todo o corpo. Por um movimento reflexo da minha consciência, eu posso ver todo o pensamento involuntário e compulsivo, e todo o desarranjo que ele está causando a todo o meu cérebro e a todo o meu corpo, que se sente incomodado por negativas emoções, tudo me indispondo à brava e não me deixando dormir. Então, a própria razão inventará estratégias para se libertar a si própria desse pesadelo. Uma respiração abdominal e profunda, sempre acompanhada pelo próprio pensamento, que assim não anda a vadiar por longes, é uma muito simples e eficaz estratégia para acabar com tal pesadelo.
Finalmente, neste agradável comércio entre corpo e alma, não olvidemos as muitas e habituais situações em que o corpo, por meio do seu mal-estar e da dor, avisa a alma do perigo em que os dois estão caindo. É, por exemplo, o caso em que o corpo avisa a alma de exagerados esforços físicos ou mentais, que redundam em perigos para a saúde dos dois. É também o caso em que o corpo se queixa à alma, das más disposições e doenças provocados pelos excessos em que os dois têm andado, em virtude do que metem na boca ou até em outro sítio...É certo que, neste caso, foi o corpo que pedira a satisfação dos apetites, o prazer, mas nós bem sabemos como, nestes assuntos, o corpo sozinho não tem modos nem medidas, quer é sempre mais! De maneira que, se não for a alma a regular-lhe os apetites, lá vai tudo por água abaixo! Na verdade, só a alma conhece, ou pode vir a conhecer, aquele belo aforismo latino que se podia ler no frontispício de muitas e belas fontes antigas: “Dant pocula nymphae. Immoderata nocent”, ou seja, “As ninfas oferecem copos de água, mas, em demasia, fazem mal”! Que, além de água, copos são esses, cada um de nós é que sabe!
Os meninos e as meninas que adormeceram durante a leitura deste longo texto – e já há minutos alguns deles ressonam – não sabem o gozo que perderam, os malandros! Sirva então esta mui pesada perda, ao menos, para que nos próximos capítulos estejam mais espertinhos, está bem?

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Texto 5

Olá, meninas e meninos!
Por acta lavrada por aquela menina que desencrava as escalas de serviço do pessoal, fica a saber-se, publicamente, que este “blog” levará, como ali em cima já podem ver, o nome e o subnome seguintes: “O Clube dos Poetas Vivos, ou o fascínio pela vida, pela vida breve que nos possui neste planeta azul”! Acta lavrada que foi devidamente assinada, como manda a lei, pelos quatro iluminados que nisto estão metidos.
Oram vejam lá, meninas e meninos, “O Cube dos Poetas Vivos”, sediado onde muitos velhinhos já fazem cais de embarque para passarem para o outro lado da vida! É giro, não é? É claro que todos nós – não só os mais velhinhos – andamos presos à vida por um fio, que a cada passo pode deslaçar ou partir! Mas enquanto isso não acontece, porque é que havemos de andar a chorar e não rir? “Está a brincar com coisas sérias, é?”, objectou aquela menina pesadamente séria, já com uns anitos em cima. “Não, não estou! Estou é a levar com leveza a vida, porque ela não é fardo mas alegria”!
Por acordo então entre mim e aquelas três meninas que também suportam a construção e o funcionamento deste lar, decidimos dar ao “blog”, que é dos quatro, aqueles nome e subnome já referidos. Mas sobre a mesa à volta da qual falámos deste assunto, outras hipóteses havia para o nomearmos. De entre todas estas, sobressaiu a seguinte: “Terra Verde: todos nós gostamos muito de viver, mas viver na Terra Verde é que é mesmo muito bom”! Contra tal hipótese, porém, uma das meninas apresentou uma objecção de peso. Que tal designação era demasiado ambientalista ou ecologista, e portanto demasiado restritiva para tudo aquilo que pretendíamos. Foi por isso que decidimos logo ali, com completa concordância e aceitação, da maneira que já conhecem.
Para tal nomeação, confessamos ter havido uma certa influência daquele belo filme americano que tem nome semelhante. Mas esse era o “Clube dos Poetas Mortos”, e o nosso é “O Clube dos Poetas Vivos”! Há uma diferençazinha, não há? Depois, também não vamos muito à bola com aquele espírito selectivo de educação de elites, nem com aqueles altos ideais de “Honra, Disciplina e Excelência”, tudo tão próprio de uma América que se sente predestinada para governar o mundo, mas que é ainda uma menina adolescente. De forma nenhuma estamos interessados em prestar culto à Honra, à Disciplina e à Excelência. O que nos interessa, sim, é sermos honrados, disciplinados e excelentes em tudo o que vamos fazendo na vida. Já não estamos em tempo nem idade de prestar culto ou correr atrás de bandeiras. E além de tudo isto, também não gostamos muito da versão portuguesa daquelas duas poéticas palavras de Horácio – “Carpe diem”-, versão cinzenta e duvidosa, como é este “Aproveita o teu dia”. Não seria muito melhor e mais exacto dizer “Delicia-te com o teu dia” ou “Vive deliciado o teu agora”?
Mas é notável a relevância que o filme dá a este verso breve de Horácio e o encómio que presta à poesia. E então, meus meninos e meninas, então, que matéria pode existir mais excelente para poesia – poesia sentida para esta breve vida - mais excelente do que “o fascínio pela vida, pela vida breve que nos possui neste planeta azul”? E quanto ao poeta Horácio, que bem sentia e conhecia a brevidade da vida mas ansiava ardentemente pela imortalidade, não a terá ele alcançado por meio daquelas duas poéticas palavras? Não serão elas, a par de outras suas de semelhante sentido, “aquele monumento” que ele ergueu, “mais perene que o bronze”, como ele gostou de dizer?
Digamos nós agora algumas palavras sobre as duas equipas que levantaram e sustentam este “blog”. A equipa técnica, sempre solícita e competente, é constituída pela Isabel, pela Raquel e pela Ana Filipa. Esta última menina, porém, incansável menina, integra também a equipa fundadora e de contínuo apoio, a qual ainda inclui a Liliana, a Nádia e eu próprio, o João, que vou lavrando os textos, pedaços de terra sempre, alguma asa às vezes.
Estamos no Universo, neste planeta azul. E é aqui, neste planeta azul e no meio do Universo, que a vida nos agarrou para dançar uma valsa connosco! Vida breve, com certeza. Quase apenas “um só dia”, como um poeta nosso dirá. Ainda assim, podendo ser para cada um ou uma, uma grande delícia! E porque só depende de nós a vida ser ou não ser essa delícia, por isso é que vamos pensando e rabiscando estes textos frágeis, mas certamente úteis para nós e talvez também para outros!

* Em nota breve, diga-se que, temporariamente, o nome do blog foi um tanto alterado, simplesmente para facilitar o acesso ao blog. Depois, retomará o seu nome inicial.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Texto 4

Olá, meninas e meninos!
Desde que vim para este lar, já vários companheiros e companheiras, alguns deles até que comiam comigo o pão à mesma mesa, morreram. E só tempos depois soubemos do seu passamento! Tal como em todas as outras casas que recebem e tratam de velhinhos, a morte, que para toda a sociedade em que vivemos é indecorosa e intrusa, aqui, é também não rentável em termos comerciais! Seria assustador, para uma menina velhinha destas, ir de repente deitar-se na cama onde há um ou dois dias falecera outra pessoa, ou até de chofre saber que aquela menina com quem ternamente convivia no lar já não voltaria mais. E no entanto, nestas casas, faz falta uma ao menos muito singela celebração de cada um dos que vão morrendo! Isto ajudaria a humanizar mais os vivos que aqui trabalham ou ainda residem.
À mesma mesa a que estou, na sala de refeições, o meu companheiro do lado é um velhinho que tem sempre muitas dores e sofre de uma doença incurável que em breve o irá fazer sucumbir. Ajudo-o muitas vezes a comer, porque já não se pode valer da sua mão tremente e sem forças. Diz-me às vezes que daquilo que mais gostava era de morrer! Poiso então a minha mão no seu ombro, chego a minha mão à dele, em demorado e silencioso cumprimento. E quando isto acontece, ele aperta quanto pode a sua mão na minha... e turvam-se-me os olhos de emoção! Aperto também a minha mão na dele...e vejo-me a morrer na sua vizinha morte! E isto humaniza-me mais, para além de me comover.
Estão a ver os meninos e as meninas, que porventura os olhos passem por estas linhas, estão a ver como a nossa razão, que cria estes mundos simbólicos, pode influenciar a parte mais antiga do nosso cérebro e, por essa via, todo o nosso corpo?
Por hoje chega, meus amigos. E não se esqueçam de que, se quiserem, ou melhor, se vos der prazer, podem entrar nesta conversa para a tornar mais agradável. Seguem os derradeiros pensamentos do trabalho Sobre a Vida e sobre a Morte, que demoradamente tivemos exposto no nosso salão de convívio e que depois, em assembleia, amigavelmente comentámos.

16. “A obra-prima e fundamental da capacidade técnica humana é a sociedade.” Ninguém chega a ser humano se está só: tornamo-nos humanos uns com os outros.

17. O delicioso (de um prato de comida…), o bom (de uma acção corajosa e generosa...) e o belo (de uma flor ou pôr-do-sol…), ou seja, valores utilitários, morais e estéticos, confluem para que exista mais vida e menos morte… para os mortais.

18. “A melancolia é a enfermidade mortal que nos pode afligir… a doença própria daqueles que se sabem mortais e, do ponto de vista realista da necessidade, concluem pela inutilidade de todos os esforços humanos. Ela obriga-nos a viver com um pé no túmulo!"

19. “O homem recto e prudente não vive para a morte ou para a eternidade, mas para viver em plenitude na brevidade do tempo.”

20. Nós não nascemos para morrer, mas… para nascer e viver em cada agora da vida!