domingo, 26 de abril de 2015

291.3 - O Mundo em que Vivemos

         3 – Esta última hipótese poderá aplicar-se a Fernando Pessoa. Ele nunca aceitaria o teor dos textozinhos do ponto/2, sobremaneira as citações do primeiro. Mas daqui, nasce uma pergunta: então não é verdade que Pessoa está quase constantemente a impregnar os seus poemas de motivos religiosos, falando de deuses antigos, da Virgem-Mãe, desse Menino Deus - o Deus recente que fugiu do céu -, e de muito mais? Sim, é verdade, mas o poeta utiliza todo esse material simbolico-religioso, não por ser crente e para confessar a sua crença, mas para enriquecer os seus poemas, dando-lhes nomeadamente uma larga dimensão de transcendência.
            Lembremo-nos de que, para ele – e até numa perspectiva mais ampla e radical – “o poeta é um fingidor”, o qual, por sua própria natureza, é um criador de mundos virtuais e simbólicos, para além do mundo real das coisas na sua realidade nua.
         É claro que Pessoa, pela voz de Caeiro, não se cansa de dizer: “O mistério das coisas, onde está ele? /…/ Porque o único sentido oculto das coisas / é elas não terem sentido oculto nenhum”. Mas quando ele próprio está dizer que as coisas são só coisas e nada mais, não lhes estará já a acrescentar algo, que é precisamente isso de elas não serem mais nada? Diáfano véu, sim, e finíssimo, a cobri-las, mas ainda assim véu.
      “Tristes de nós que trazemos a alma vestida”, continua ele. E se a trazemos assim, vestida da nossa subjectividade, como poderemos ver as coisas do mundo, na sua realidade nua? Como podem os nossos olhos, assim tintos, assim cúmplices, contemplar o mundo original? Por isto é que este reino é das crianças e de mais quem não tenha os olhos tintos e turvos, para poder ver o mundo na sua realidade pura.




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