3 – Esta
última hipótese poderá aplicar-se a Fernando Pessoa. Ele nunca aceitaria o teor
dos textozinhos do ponto/2, sobremaneira as citações do primeiro. Mas daqui,
nasce uma pergunta: então não é verdade que Pessoa está quase constantemente a
impregnar os seus poemas de motivos religiosos, falando de deuses antigos, da Virgem-Mãe,
desse Menino Deus - o Deus recente que fugiu do céu -, e de muito mais? Sim, é
verdade, mas o poeta utiliza todo esse material simbolico-religioso, não por ser
crente e para confessar a sua crença, mas para enriquecer os seus poemas,
dando-lhes nomeadamente uma larga dimensão de transcendência.
Lembremo-nos de que, para ele – e até
numa perspectiva mais ampla e radical – “o poeta é um fingidor”, o qual, por sua
própria natureza, é um criador de mundos virtuais e simbólicos, para além do
mundo real das coisas na sua realidade nua.
É claro que Pessoa, pela voz de Caeiro,
não se cansa de dizer: “O mistério das coisas, onde está ele? /…/ Porque o
único sentido oculto das coisas / é elas não terem sentido oculto nenhum”. Mas
quando ele próprio está dizer que as coisas são só coisas e nada mais, não lhes
estará já a acrescentar algo, que é precisamente isso de elas não serem mais
nada? Diáfano véu, sim, e finíssimo, a cobri-las, mas ainda assim véu.
“Tristes de nós que trazemos a alma
vestida”, continua ele. E se a trazemos assim, vestida da nossa subjectividade,
como poderemos ver as coisas do mundo, na sua realidade nua? Como podem os
nossos olhos, assim tintos, assim cúmplices, contemplar o mundo original? Por
isto é que este reino é das crianças e de mais quem não tenha os olhos tintos e
turvos, para poder ver o mundo na sua realidade pura.
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