5 – São precisas ainda mais algumas palavras. A primeira é
sobre o silêncio. Para mim próprio –
também aqui somos todos diferentes – eu relevo o silêncio, não só para poder
trabalhar em melhores condições, mas sobretudo para entrar e ficar dentro de
mim, por mais tempo e por mais vezes. Posso assim conhecer-me melhor, e, descendo
ou subindo a um nível de silêncio mais íntimo, posso ligar-me a todos e a tudo.
Não pode chamar-se a isto isolamento, mas sim, porventura, uma das mais belas
formas de estar em comunhão. O afastamento físico ou corporal intensifica uma
presença mental.
Claro que tudo isto já é espiritualidade, sendo esta a segunda
palavra necessária. Quando falo de espiritualidade, não falo necessariamente de
religiosidade. Sei que há muitos descrentes dotados de uma espiritualidade
intensa, com o que se demonstra que, muito embora a religiosidade seja
geralmente uma forma de espiritualidade, esta é, nas pessoas que a praticam, de
uma forma ou outra, uma realidade muito mais ampla ou abrangente. Espiritualidade
liga-se a transcendência: é por aquela que, na nossa pequenez, nos ligamos
àquilo que nos transcende.
A terceira palavra é para relevar a
importância do exercício físico, precisamente nesta altura em que
as competências corporais vão começando a falhar. E quando o exercício físico
também se destina a apaziguar e confortar a mente, como acontece com o ioga,
então isso é ouro sobre o azul.
Acrescento mais uma palavra, não necessária mas talvez útil,
sobre os lares de idosos. Na minha
perspectiva e de acordo com a minha experiência, se bem que eles exerçam um
certo poder socializador que no meu caso foi
benéfico, eles serão só uma solução de recurso, precisamente para quando o
idoso não possa continuar no seu ambiente habitual. A paisagem humana que eles patenteiam
não é sempre agradável, e por vezes é deprimente. Além disso, há muitos ruídos
nocturnos que não consentem um sono sossegado, assim como o passadio também é bem
diverso do habitual. E já que falámos de morte e de espiritualidade, os lares
de idosos terão de tratar também espiritualmente a morte dos utentes quando ela
acontecer, se não quiserem tornar-se armazéns de velhos, à espera da sua hora.
Ainda ouso, enfim, deixar-vos uma
advertência. Aos gerontes da Antiga Grécia e de outras remotas paragens, quando
eles eram chamados a falar nas assembleias do povo, prestava-se-lhes toda a
atenção e levavam-se muito a sério as suas palavras sábias. Mas aqui, neste
caso, a advertência é: Não dêem muita importância às palavras que vos deixo.
Dêem, sim, àquelas que brotarem do vosso coração e da vossa razão. Consta que
os antigos judeus ansiavam por uma era messiânica em que o seu Deus lhes daria
um novo coração para se ligarem mais profundamente à vida, conhecendo-a e
amando-a com o corpo e com a mente. Mas é claro que Deus só nos dará esse novo
coração se, e na medida, em que o formos empreendendo para nós mesmos.
E pronto, meus amigos, cesso de vos fatigar, se não de vos
aborrecer. Tenho saudades das minhas cegonhas, e por isso, numa breve fugida,
ainda vou para elas. Vou ver se as contemplo ainda, talvez rasando as águas
lisas do lago, talvez pairando altas no céu quase esquecidas da terra, logo
caindo quase a pique até travarem o voo e saltarem para o ninho, se ajuntando à
restante família já aninhada, quem sabe se já com novas vidas aladas. Muito obrigado.
Para o Augusto, dois Antónios e o João …
amigos do coração