quinta-feira, 30 de abril de 2015

292 - O Princípio e o Fim

Enfermeiras e médicos, em concertado labor,
ajudam o bebé a nascer:

e quem ajuda um velhinho só e triste, a morrer?

domingo, 26 de abril de 2015

291.3 - O Mundo em que Vivemos

         3 – Esta última hipótese poderá aplicar-se a Fernando Pessoa. Ele nunca aceitaria o teor dos textozinhos do ponto/2, sobremaneira as citações do primeiro. Mas daqui, nasce uma pergunta: então não é verdade que Pessoa está quase constantemente a impregnar os seus poemas de motivos religiosos, falando de deuses antigos, da Virgem-Mãe, desse Menino Deus - o Deus recente que fugiu do céu -, e de muito mais? Sim, é verdade, mas o poeta utiliza todo esse material simbolico-religioso, não por ser crente e para confessar a sua crença, mas para enriquecer os seus poemas, dando-lhes nomeadamente uma larga dimensão de transcendência.
            Lembremo-nos de que, para ele – e até numa perspectiva mais ampla e radical – “o poeta é um fingidor”, o qual, por sua própria natureza, é um criador de mundos virtuais e simbólicos, para além do mundo real das coisas na sua realidade nua.
         É claro que Pessoa, pela voz de Caeiro, não se cansa de dizer: “O mistério das coisas, onde está ele? /…/ Porque o único sentido oculto das coisas / é elas não terem sentido oculto nenhum”. Mas quando ele próprio está dizer que as coisas são só coisas e nada mais, não lhes estará já a acrescentar algo, que é precisamente isso de elas não serem mais nada? Diáfano véu, sim, e finíssimo, a cobri-las, mas ainda assim véu.
      “Tristes de nós que trazemos a alma vestida”, continua ele. E se a trazemos assim, vestida da nossa subjectividade, como poderemos ver as coisas do mundo, na sua realidade nua? Como podem os nossos olhos, assim tintos, assim cúmplices, contemplar o mundo original? Por isto é que este reino é das crianças e de mais quem não tenha os olhos tintos e turvos, para poder ver o mundo na sua realidade pura.




sábado, 25 de abril de 2015

291.2 - O Mundo em que Vivemos

         
2 - Àqueles quatro textozinhos já publicados, acrescentemos ainda, agora, mais dois pequenos textos, extraídos da obra Deus Ainda Tem futuro?. O primeiro constitui-se de uma citação de Paulo, quando diz que “Deus será tudo em todas as coisas”, e também de uma outra, extraída do Evangelho de Tomé, onde se põe Jesus a dizer: “Eu sou o universo: o universo surgiu de mim e chegou até mim. Parti um tronco e ali estou eu, levantai uma pedra e ali me encontrareis” (p. 230).
         O segundo pequeno texto é um poema de Hakuin (1685-1768), mestre do budismo Zen: “Todos os viventes são / originariamente budas. / Como a água e o gelo. / Não há gelo sem água. / Mas não nos damos conta. / Buscamos na lonjura o que temos à mão. / Que pena ver a gente extraviada / buscando longe a Verdade / que mora no seu interior / como quem se queixa de sede / enquanto nada num lago!” (p. 179).

         São dois textos paradigmáticos de como o intenso mundo simbólico dos humanos não só cobre o mundo real, como penetra e se entranha até ao âmago das coisas, porventura quase as anulando mas também sublimando: por um lado, as coisas nada menos e nada mais serão que Deus, o qual também se encontra por toda a parte no interior dos madeiros, dentro das pedras se as partirmos e, ao lado delas, se escavarmos; por outro lado, porque já somos originariamente iluminados, além de gelo também somos água, água viva com que podemos dessedentar-nos, e até nela nadar e perder-nos nesse meio divino. No gelo e na água, portanto, nós estamos a ver-nos a nós mesmos, porque, de algum modo, também somos água e gelo, o que também faz com que água e gelo sejam mais que gelo e água. Em suma, quem tem fé, vê as coisas assim, mas para quem a não tem, as coisas são simplesmente coisas, e nós, perante elas, delas distintos.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

291 (1 de 3) - O Mundo em que Vivemos

1 - Depois da publicação dos últimos quatro textozinhos, ficam duas perguntas, a que, depois delas, agora se procura responder: afinal, nós conhecemos realmente o mundo em que vivemos? E, se sim, que mundo será esse?
Sim, conhecemos o mundo, mas, cada um de nós conhece-o de uma forma individual e distinta. Sim porque, apesar de podermos alcançar a verdade, que, como dissemos, é a face das realidades do mundo em nós, cada um conhece o mundo à sua maneira, a qual portanto é diversa das muitas maneiras com que os outros o conhecem, também sempre e só à sua maneira, ou maneiras, pois que também estas vão mudando ou até coexistindo ao longo da vida de cada um.

       Há um argumento irrefutável para dizermos que nós vamos conhecendo razoavelmente o mundo. Se a natureza não nos tivesse equipado com as faculdades necessárias para conhecermos o mundo em que vivemos e assim podermos governar a nossa vida, a mesma natureza, sabiamente, ter-nos-ia feito evoluir noutra direcção para tal conseguirmos.

domingo, 19 de abril de 2015

290 - O Dentro das Coisas

Lá está o mestre a ver das coisas o dentro,
que é elas não terem dentro nenhum,
por serem só e simplesmente coisas


quinta-feira, 16 de abril de 2015

289 - Realidades e Símbolos

Ao objectivo mundo, nas suas realidades nuas,
nós entranhamos-lhes símbolos:

cada um de nós, os seus

domingo, 12 de abril de 2015

288 - A Realidade do Mundo

O mundo existe, sim, mas não o de cada um!
Ainda assim, vamo-nos entendendo,

e entendendo que o mundo existe mesmo

quinta-feira, 9 de abril de 2015

287 - Verdade e Realidade

Se eu justificar as minhas crenças sobre o mundo,
conhecerei a realidade das suas coisas:
a verdade é a face da realidade, em mim


domingo, 5 de abril de 2015

286 - Além de

Não é o sofrimento que nos salva,
mas o modo como o evitamos ou suportamos;

além de o amor

sexta-feira, 3 de abril de 2015

285.5

5 – São precisas ainda mais algumas palavras. A primeira é sobre o silêncio. Para mim próprio – também aqui somos todos diferentes – eu relevo o silêncio, não só para poder trabalhar em melhores condições, mas sobretudo para entrar e ficar dentro de mim, por mais tempo e por mais vezes. Posso assim conhecer-me melhor, e, descendo ou subindo a um nível de silêncio mais íntimo, posso ligar-me a todos e a tudo. Não pode chamar-se a isto isolamento, mas sim, porventura, uma das mais belas formas de estar em comunhão. O afastamento físico ou corporal intensifica uma presença mental.
            Claro que tudo isto já é espiritualidade, sendo esta a segunda palavra necessária. Quando falo de espiritualidade, não falo necessariamente de religiosidade. Sei que há muitos descrentes dotados de uma espiritualidade intensa, com o que se demonstra que, muito embora a religiosidade seja geralmente uma forma de espiritualidade, esta é, nas pessoas que a praticam, de uma forma ou outra, uma realidade muito mais ampla ou abrangente. Espiritualidade liga-se a transcendência: é por aquela que, na nossa pequenez, nos ligamos àquilo que nos transcende.
            A terceira palavra é para relevar a importância do exercício físico, precisamente nesta altura em que as competências corporais vão começando a falhar. E quando o exercício físico também se destina a apaziguar e confortar a mente, como acontece com o ioga, então isso é ouro sobre o azul.
Acrescento mais uma palavra, não necessária mas talvez útil, sobre os lares de idosos. Na minha perspectiva e de acordo com a minha experiência, se bem que eles exerçam um certo poder socializador que no meu caso foi benéfico, eles serão só uma solução de recurso, precisamente para quando o idoso não possa continuar no seu ambiente habitual. A paisagem humana que eles patenteiam não é sempre agradável, e por vezes é deprimente. Além disso, há muitos ruídos nocturnos que não consentem um sono sossegado, assim como o passadio também é bem diverso do habitual. E já que falámos de morte e de espiritualidade, os lares de idosos terão de tratar também espiritualmente a morte dos utentes quando ela acontecer, se não quiserem tornar-se armazéns de velhos, à espera da sua hora.
            Ainda ouso, enfim, deixar-vos uma advertência. Aos gerontes da Antiga Grécia e de outras remotas paragens, quando eles eram chamados a falar nas assembleias do povo, prestava-se-lhes toda a atenção e levavam-se muito a sério as suas palavras sábias. Mas aqui, neste caso, a advertência é: Não dêem muita importância às palavras que vos deixo. Dêem, sim, àquelas que brotarem do vosso coração e da vossa razão. Consta que os antigos judeus ansiavam por uma era messiânica em que o seu Deus lhes daria um novo coração para se ligarem mais profundamente à vida, conhecendo-a e amando-a com o corpo e com a mente. Mas é claro que Deus só nos dará esse novo coração se, e na medida, em que o formos empreendendo para nós mesmos.
E pronto, meus amigos, cesso de vos fatigar, se não de vos aborrecer. Tenho saudades das minhas cegonhas, e por isso, numa breve fugida, ainda vou para elas. Vou ver se as contemplo ainda, talvez rasando as águas lisas do lago, talvez pairando altas no céu quase esquecidas da terra, logo caindo quase a pique até travarem o voo e saltarem para o ninho, se ajuntando à restante família já aninhada, quem sabe se já com novas vidas aladas. Muito obrigado.

Para o Augusto, dois Antónios e o João … amigos do coração