1
– Olá, amigas e amigos! Nós ainda não sabemos viver porque, habitualmente, não
vivemos o agora. Não vivemos o agora, nem sequer costumamos estar no
presente, porque o que fazemos no presente é quase sempre lembrar o passado e
antever o futuro.
O
agora não é o presente, o qual faz parte da cadeia do tempo, entalado entre o
passado e o futuro. Não é porque, no agora, não há mudanças (psicológicas), e a
medida das mudanças é que constitui o tempo. No agora, é como se não houvesse tempo.
Podemos ver, fora de nós, o curso das mudanças nas coisas, mas dentro, numa
tranquilidade doce da nossa intimidade, não sentimos a passagem do tempo.
Viver
o agora é, antes de mais, ser consciência do que estamos fazendo; depois – e
mais profundamente – é sentirmos que estamos respirando, assim recebendo esse
alento da vida; é também sabermos que estamos ligados a toda a vida da Terra e
ao próprio planeta que nos acolhe como nossa morada; e ainda sabermos que,
simultaneamente, nos abrimos à transcendência porque, por exemplo, quando bebemos
um simples copo de água, estamos a haurir elementos com que sempre se fazem
também as estrelas e as galáxias.
O
presente nunca é o agora; no presente, nunca fugimos à voragem do tempo (ver
texto 8, por exemplo).
2
– De algum modo, viver o agora é viver em contemplação.
Contemplação que, como diz Mattoso, “requer a concentração, o
despojamento e a solidão, (e) exige de quem a busca o descentramento de si
mesmo” (Levantar o Céu – Os Labirintos da Sabedoria, p. 255).
Na
vida contemplativa, sobretudo dos monges mais antigos, há contemplação mas
também acção, ou seja, um lado mais teorético e outro mais activo: com o
primeiro, muda-se o olhar que temos sobre o mundo e também sobre nós mesmos,
como parte do mundo; com o segundo, procura mudar-se o mundo e nós mesmos, sempre
segundo o nosso novo olhar. Dessa vida contemplativa, eles são os seus dois
constituintes, que entre si se complementam: a acção tanto pode preparar como
derivar da contemplação, a qual, assim, acontece depois ou antes daquela.
A
contemplação é simultaneamente acto de conhecimento e de amor; ela é
inteligência que gera sabedoria. Sabedoria que, portanto, é conhecimento
gostoso e bom, mas também amor clarividente. Com a contemplação, que é
inteligência e sabedoria, descentra-se o nosso eu, como afirma Mattoso, ou, se
quisermos, vai-se anulando, a espaços, o nosso eu mental, que nos delimita e
isola dos outros, assim (nos) abrindo à consciência da Totalidade Universal, na
qual desaguamos.
De
algum modo, pois, o agora é sempre contemplação: ele é compreensão global contemplativa,
feita de conhecimento e de amor.
3
– Mas há uma importante diferença entre o agora e essa contemplação, pelo menos
como Mattoso a concebe. É que o agora basta-se a si mesmo, não espera nada de
melhor, enquanto que a contemplação religiosa está possuída de esperança. E
quando se espera algo e, neste caso, algo melhor, não só não se está completamente
no agora, como também este agora se deprecia em comparação com o que virá. No
caso da contemplação religiosa, aguarda-se instantemente a Parusia, ou seja, o
fim do mundo, para então se desvendar a nossa última realidade, que é a de Deus
ser tudo em cada um de nós.
E
então … porque é que este bichinho humano tão pequeno há-de dar tanta importância
a si próprio, neste Universo sem fim?
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