quinta-feira, 7 de agosto de 2014

229 - O Agora ou Contemplação

1 – Olá, amigas e amigos! Nós ainda não sabemos viver porque, habitualmente, não vivemos o agora. Não vivemos o agora, nem sequer costumamos estar no presente, porque o que fazemos no presente é quase sempre lembrar o passado e antever o futuro.
O agora não é o presente, o qual faz parte da cadeia do tempo, entalado entre o passado e o futuro. Não é porque, no agora, não há mudanças (psicológicas), e a medida das mudanças é que constitui o tempo. No agora, é como se não houvesse tempo. Podemos ver, fora de nós, o curso das mudanças nas coisas, mas dentro, numa tranquilidade doce da nossa intimidade, não sentimos a passagem do tempo.
Viver o agora é, antes de mais, ser consciência do que estamos fazendo; depois – e mais profundamente – é sentirmos que estamos respirando, assim recebendo esse alento da vida; é também sabermos que estamos ligados a toda a vida da Terra e ao próprio planeta que nos acolhe como nossa morada; e ainda sabermos que, simultaneamente, nos abrimos à transcendência porque, por exemplo, quando bebemos um simples copo de água, estamos a haurir elementos com que sempre se fazem também as estrelas e as galáxias.
O presente nunca é o agora; no presente, nunca fugimos à voragem do tempo (ver texto 8, por exemplo).

2 – De algum modo, viver o agora é viver em contemplação. Contemplação que, como diz Mattoso, “requer a concentração, o despojamento e a solidão, (e) exige de quem a busca o descentramento de si mesmo” (Levantar o CéuOs Labirintos da Sabedoria, p. 255).
Na vida contemplativa, sobretudo dos monges mais antigos, há contemplação mas também acção, ou seja, um lado mais teorético e outro mais activo: com o primeiro, muda-se o olhar que temos sobre o mundo e também sobre nós mesmos, como parte do mundo; com o segundo, procura mudar-se o mundo e nós mesmos, sempre segundo o nosso novo olhar. Dessa vida contemplativa, eles são os seus dois constituintes, que entre si se complementam: a acção tanto pode preparar como derivar da contemplação, a qual, assim, acontece depois ou antes daquela.
A contemplação é simultaneamente acto de conhecimento e de amor; ela é inteligência que gera sabedoria. Sabedoria que, portanto, é conhecimento gostoso e bom, mas também amor clarividente. Com a contemplação, que é inteligência e sabedoria, descentra-se o nosso eu, como afirma Mattoso, ou, se quisermos, vai-se anulando, a espaços, o nosso eu mental, que nos delimita e isola dos outros, assim (nos) abrindo à consciência da Totalidade Universal, na qual desaguamos.
De algum modo, pois, o agora é sempre contemplação: ele é compreensão global contemplativa, feita de conhecimento e de amor.

3 – Mas há uma importante diferença entre o agora e essa contemplação, pelo menos como Mattoso a concebe. É que o agora basta-se a si mesmo, não espera nada de melhor, enquanto que a contemplação religiosa está possuída de esperança. E quando se espera algo e, neste caso, algo melhor, não só não se está completamente no agora, como também este agora se deprecia em comparação com o que virá. No caso da contemplação religiosa, aguarda-se instantemente a Parusia, ou seja, o fim do mundo, para então se desvendar a nossa última realidade, que é a de Deus ser tudo em cada um de nós.
E então … porque é que este bichinho humano tão pequeno há-de dar tanta importância a si próprio, neste Universo sem fim?


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