sábado, 12 de julho de 2014

225.3-4 - O Povo Eleito de Deus

3 - Também Kant desvaloriza por completo o argumento ontológico para provar a existência de Deus, se bem que ele acredite profundamente em Deus, mas por outras razões e vias. Diz então ele em primeiro lugar que, para todos os seres existentes “a existência não é um predicado”. Por isso, quando no referido argumento dizemos que “Deus existe”, não adicionamos qualquer informação a Deus, ao contrário do que sucede quando dizemos que “Deus é sábio”. Para Kant, “a existência não é uma propriedade de Deus; é, isso sim, aquilo que é necessário para que Deus tenha todas as propriedades que pensamos que tem”. Devemos estas informações sobre Kant a Dan O`Brien, (1), que por sinal diverge um tanto delas, falando de casos que se podem encontrar por exemplo em filmes: “No final de Serpico, quando vemos a ficha técnica do filme, ficamos a saber mais acerca da personagem Frank: somos informados que a história se baseia em factos reais, e que este polícia (Frank) existe mesmo. Assim, é plausível que a existência seja um predicado atribuidor de propriedades” (p. 333).
Mas Kant diz ainda mais, e bem mais decisivo, para inutilizar o argumento em apreço. Diz que, nele, a expressão “Deus existe” não se refere ao Deus mesmo, ao Deus real, mas sim e só ao seu conceito. E então, se a expressão “Deus existe” se refere só ao conceito de Deus, poderá concluir-se que o sentido da expressão “Deus é ou existe” é idêntico ao de “O conceito de Deus é ou existe”.

4 - Subamos agora ao monte sagrado do Sinai, onde, como a Bíblia nos conta, Deus aparece a Moisés para o incumbir da condução do seu povo pelo deserto, desde o Egipto onde estava cativo até à Terra Prometida e, a par com isso, instado por Moisés, revelar o seu nome, até porque o povo lho iria exigir: “Eu sou Aquele que sou”, disse Deus a Moisés. E logo lhe explicita a forma concreta como ele o deverá apresentar ao povo: “Assim dirás aos filhos de Israel: Eu sou enviou-me a vós” (Ex. 3, 13-14). E de facto, depois, o povo adorará na montanha “Ele é”.
Quando a Bíblia diz “Eu sou Aquele que sou”, devemos pensar que se trata de um ser real, do Deus real, ou é o ser humano que está personificando o conceito de Deus, o põe a falar, mas tudo não passando de um produto de imaginação e arte? Ser quiséssemos tratar de forma naturalista e ainda personificada aquela revelação de Deus a Moisés, no deserto do Sinai, então, aquelas palavras “Eu sou Aquele que sou (ou existo) ” teriam sentido idêntico a “Eu sou o conceito de Deus que é ou existe, como conceito”. Mas tal revelação podia continuar assim: “Sou aquela conceptual figura a que os homens atribuem os melhores predicados (a omnipotência, a bondade, a omnisciência …) mas não a existência real porque eu sou só conceito. Quanto à existência real de mim como Deus, tereis de a provar, tereis de justificar essa crença com argumentos empíricos”.
Tem havido quem dissesse e ainda diga que Deus está presente mesmo na vida de cada ser que é uma pessoa descrente, em virtude de ela participar do Ser. Ora, não haverá aqui confusão entre realidades e conceitos? Tal participação não poderá dar-se só a nível conceptual?
Foi então Deus que escolheu o povo judaico como seu povo eleito, ou foi o povo judaico, por intermédio dos seus chefes e profetas, que escolheu para si aquele Deus, para por ele ser eleito e protegido?


Nota: No ponto 3 cita-se Dan O`Brien, Introdução à Teoria do Conhecimento, Gradiva, 2013.

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