3 - Também Kant desvaloriza por
completo o argumento ontológico para provar a existência de Deus, se bem que
ele acredite profundamente em Deus, mas por outras razões e vias. Diz então ele
em primeiro lugar que, para todos os seres existentes “a existência não é um
predicado”. Por isso, quando no referido argumento dizemos que “Deus existe”,
não adicionamos qualquer informação a Deus, ao contrário do que sucede quando
dizemos que “Deus é sábio”. Para Kant, “a existência não é uma propriedade de
Deus; é, isso sim, aquilo que é necessário para que Deus tenha todas as
propriedades que pensamos que tem”. Devemos estas informações sobre Kant a Dan
O`Brien, (1), que por sinal diverge um tanto delas, falando de casos que se
podem encontrar por exemplo em filmes: “No final de Serpico, quando vemos a
ficha técnica do filme, ficamos a saber mais acerca da personagem Frank: somos
informados que a história se baseia em factos reais, e que este polícia (Frank)
existe mesmo. Assim, é plausível que a existência seja um predicado atribuidor
de propriedades” (p. 333).
Mas Kant diz ainda mais, e bem mais
decisivo, para inutilizar o argumento em apreço. Diz que, nele, a expressão
“Deus existe” não se refere ao Deus mesmo, ao Deus real, mas sim e só ao seu
conceito. E então, se a expressão “Deus existe” se refere só ao conceito de
Deus, poderá concluir-se que o sentido da expressão “Deus é ou existe” é idêntico
ao de “O conceito de Deus é ou existe”.
4 - Subamos agora ao monte sagrado do
Sinai, onde, como a Bíblia nos conta, Deus aparece a Moisés para o incumbir da
condução do seu povo pelo deserto, desde o Egipto onde estava cativo até à
Terra Prometida e, a par com isso, instado por Moisés, revelar o seu nome, até
porque o povo lho iria exigir: “Eu sou Aquele que sou”, disse Deus a Moisés. E
logo lhe explicita a forma concreta como ele o deverá apresentar ao povo:
“Assim dirás aos filhos de Israel: Eu sou
enviou-me a vós” (Ex. 3, 13-14). E de facto, depois, o povo adorará na montanha
“Ele é”.
Quando a Bíblia diz “Eu sou Aquele
que sou”, devemos pensar que se trata de um ser real, do Deus real, ou é o ser
humano que está personificando o conceito de Deus, o põe a falar, mas tudo não
passando de um produto de imaginação e arte? Ser quiséssemos tratar de forma
naturalista e ainda personificada aquela revelação de Deus a Moisés, no deserto
do Sinai, então, aquelas palavras “Eu sou Aquele que sou (ou existo) ” teriam
sentido idêntico a “Eu sou o conceito de Deus que é ou existe, como conceito”. Mas
tal revelação podia continuar assim: “Sou aquela conceptual figura a que os
homens atribuem os melhores predicados (a omnipotência, a bondade, a omnisciência
…) mas não a existência real porque eu sou só conceito. Quanto à existência
real de mim como Deus, tereis de a provar, tereis de justificar essa crença com
argumentos empíricos”.
Tem havido quem dissesse e ainda diga
que Deus está presente mesmo na vida de cada ser que é uma pessoa descrente, em virtude de ela participar do Ser. Ora, não haverá aqui confusão entre
realidades e conceitos? Tal participação não poderá dar-se só a nível
conceptual?
Foi então Deus que escolheu o povo
judaico como seu povo eleito, ou foi o povo judaico, por intermédio dos seus
chefes e profetas, que escolheu para si aquele Deus, para por ele ser eleito e
protegido?
Nota: No ponto 3 cita-se Dan O`Brien, Introdução à Teoria do Conhecimento,
Gradiva, 2013.
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